Qual o
papel da história na militância? Qual o papel da academia? Essa
pergunta sempre rondou a cabeça do escriba, inicialmente trocando
História por Ciências Sociais nos idos dos anos 90 quando a
pergunta rondava a respeito destas, se eram ou não úteis pra
transformação do mundo, para a revolução.
Hoje a pergunta
continua, mesmo que com viés diferente, a respeito da História.
A
resposta é a mesma de anos atrás: Muita.
As
ciências como um todo possuem um aspecto fundamental no processo
politico, obedecendo inclusive à determinações relacionadas ao
viés do autor, da instituição para a qual produz, ao tipo de
trabalho,etc. A História, assim como as Ciências Sociais, não
está imune a isto e pode pender
à esquerda e à direita de acordo com a vontade, a situação de classe, à cultura construída e transformada do indivíduo em sua trajetória de vida.
à esquerda e à direita de acordo com a vontade, a situação de classe, à cultura construída e transformada do indivíduo em sua trajetória de vida.
A questão
é que o papel das ciências e em especial onde atuo, na História,
não é um papel exatamente direto, no sentido de sua produção
servir diretamente ao papel revolucionário. O resultado pode sim
servir ao ator revolucionário, mas o ato da produção deve antes
servir à revelação do que esta oculto nos vestígios do passado
recolhidos pelo historiador em sua trajetória.
Não se
está pregando uma neutralidade, dado inclusive que a escolha do
objeto de estudo já obedece a critérios ideológicos claros ou não
para o autor, mas se colocando que a produção não pode ser levada
a cabo com o objetivo de provar algo que não está colocado pela
fonte, pelo fato, pelo objeto, embora seu resultado seja
objetivamente um fator importante de desvendamento do concreto, o que
em última análise permite ao ator político, o revolucionário,
construir uma trajetória tática a partir do desvendado.
A questão
é esta: O ator revolucionário, o militante, obedece a questões e a
um papel que o Historiador deve evitar quando da produção da
análise sobre o objeto. A ação da ciência, embora jamais neutra,
deve-se ater ao critério e ao mais alto rigor científico, que pode
por vezes contrariar a percepção imediata militante que movida a
questões subjetivas relacionadas a objetivos políticos tende a
distanciar-se do rigor exigido pelo mundo acadêmico.
Ambos
observando o mesmo objeto tendem a perceber variações diferentes.
Ao militante é permitido que tire conclusões não definidas pelo
objeto de estudo, ao historiador não. Uma mesma pessoa em momentos
diferentes pode executar os dois papéis.
O
Historiador que observa a vida dos homens e mulheres negros
residentes na cidade do Rio de Janeiro no fim do século XIX, entre o
fim da escravidão e os anos posteriores à abolição deve buscar
analisar com extremo rigor a vida destas pessoas através da análise
documental, assim talvez entenda melhor seu cotidiano e a
influencia de sua vida e da cultura ali criada nas gerações
posteriores.
Ao
Historiador não é permitido afirmar peremptoriamente que a vida
destes negros é fundadora da cultura cotidiana do carioca, já ao
militante esta dedução não é negada e nem o entendimento de uma
base negra na cultura do carioca de origem popular, a ele não é
exigido uma prova ampla de sua afirmação.
Não que
seja permitida ao militante a desonestidade intelectual e factual,
mas a ele são permitidas licenças políticas que o eximem de uma
prova ampla, rígida, cientificamente embasada que são exigência
profissional do cientista.
O
cientista que também é militante tem de entender que suas
impressões não rigorosamente científicas não devem passear pelo
perigoso terreno da academia, e nem ao inverso suas impressões
políticas devem ter a liberdade tão ampla que contradiga sua
produção científica.
Talvez a
chave que construa uma explicação realista desta contradição de
papéis seja o fato de que ao cientista o elemento “ação” não
seja exigido e que talvez por este motivo o militante, levado à ação
por vezes com as construções teóricas “à mão”, disponíveis,
não possa aguardar a definição científica, que exige naturalmente
uma demora maior.
O
problema de um é a necessidade de um rigor que atrasa por vezes o
movimento e a ação, e o de outro é o possível e provável
açodamento, que por vezes produz rachas, erros enormes, e
rompimentos inegáveis.
Talvez
sem a academia a construção de uma ação militante completa seja
impossível e talvez sem a militância caiba ao acadêmico a
estagnação, inerte na ausência da percepção do ver científico
como também alimento da ação militante, dado que ao revelar o real
produz o desenho do caminho que a ação política precisa para
transformar este mesmo real.