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quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Na Transversal do Tempo: Representação negra no horror - Robin R. Means Coleman e Duane Jones


 

 

 



As representações dos negros nos filmes de horror são historicamente de coadjuvantes sacrificáveis ou estereótipos racistas, na maioria sendo o combo das duas coisas. Este é o primeiro de uma série de quatro vídeos que vai buscar abordar a relação entre horror, política e a representação de afro descendentes na cultura pop e vai focar na autora Robin R. Means Coleman e no ator Duane Jones, a Doutora como a melhor pesquisadora e organizadora de uma reflexão de de categorias que nos ajudam a entender a questão e o Ator como o protagonista da virada da representação dos afro descendentes no cinema de horror. Na Transversal do Tempo - Conteúdo sobre História em um papo relaxado sobre a História, datas importantes, cinema, séries e música. A cada semana um novo conteúdo sobre a relação entre História, cultura, cultura pop e política.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Do racismo ambiental e da criminalização da pobreza é feita a vida das classes perigosas.

O racismo ambiental e a criminalização da pobreza andam lado a lado. A própria lógica do entendimento de negros e pobres como classes perigosas  e necessariamente obrigados a terem por perto uma observação feroz do poder público andou lado a lado com a expulsão destes de suas casas pobres ou quartos em cortiços sem nenhum tipo de cuidado no fornecimento de locais dignos de moradia em substituição à demolição de suas casas. Essa expulsão levou à ocupação de áreas vazias nos morros ou de terrenos mais distantes, estabelecidos obviamente como era o tom da época  sem nenhuma observação dos impactos possíveis.

Para a produção da cidade burguesa no fim do século XIX, início do século XX, a ação conjunta de criminalização da pobreza, higienismo e racismo ambiental criou uma reação em cadeia que juntava a culpabilização do pobre/preto pelas pestes da cidade, pelos crimes da cidade e o levaram à desmate de encostas, morros, beiras de rio, a servir como álibi pra empreiteiros e empresários do transporte ampliarem a qualquer preço uma rede de transportes que nunca se preocupou com desmate, poluição do ar, descarte de lixo, sujeira de rios,etc.

A mesma lógica jamais se importou com o peso da indústria na expansão Rio de Janeiro afora pro chamado subúrbio do progresso movido à poluição do ar das águas, desmate, em profunda ação destrutiva julgada procedente pela "criação de empregos" e "melhoria da vida das pessoas".

A cidade burguesa que nasce da expulsão de pobres/pretos do centro da cidade ou pra seus morros (Os palácios precisam de serviçais) continua em um ethos civilizatório baseado antes de mais nada na secessão e na expansão do progresso destrutivo para onde não reside sua elite. A cidade cindida pela cadeia de montanhas do  sumaré também divide-se não só entre ricos e pobres, mas entre  expostos ou não à degradação ambiental.

O ar pesado de Santa Cruz não é o mesmo ar beira-mar.

As encostas da zona sul sociológica tem a atenção de quem sabe como é difícil manter mucamas e porteiros de qualidade em seus prédios de luxo, já o entorno de Acari não tem a mesma atenção no impacto que a degradação dos rios ao redor leva à saúde da população.

À cidade burguesa é preciso uma cidade quilombo, mas esta não precisa dos mesmos cuidados.

As classes perigosas sabem viver na secessão, entender o tamanho da distância física e simbólica entre reis e escravos, e saber o quão é secundário em suas vidas sequer sonhar com uma política ambiental e social que não os inclua como secundários também ao poder público.

Às classes perigosas cabe produzir anualmente uma migração em massa da elite "descolada" à Oswaldo Cruz, numa visitação participante festiva aos primórdios da rede de transporte da capital, o trem, que apelidado de "do Samba" ganha cores brancas e felizes que o difere do cotidiano brutal a que são expostos os moradores que residem onde se deu o assentamento "à sua mercê" dos primeiros expulsos da política de Pereira Passos que não habitaram os morros do entorno dos Cortiços recém derrubados.

Às classes perigosas cabe o produzir da música de festa da elite, que aplaude com vontade, faz de conta que é turista, aquela música de pretos expulsos de suas primeiras casas, expulsos da parca qualidade de vida, expulsos de algum controle da qualidade do ar, das águas, das matas, das árvores.

À elite descolada já cabe a luta farta pela preservação da Lagoa Rodrigo de Freitas, da Floresta da Tijuca, sem olhar para o Borel, e se satisfazer pelo dever cumprido sem notar que elegem e  reelegem aqueles que liberam a instalação da CSA em Santa Cruz e envenena quem não faz samba ou tem trens com turistas em dois de dezembro.

À elite descolada cabe festejar que a cidade está "se modernizando", como festejava em 1904, como festejava ao estimular às classes perigosas a prática do football  que os livrava da insalubre herança colonial da proximidade de pretos e pretas pobres que precisavam de forte policia fiscalizadora agora que estavam livres do jugo dos feitores e da policia particular dos senhores de escravos.

De Pereira Passos a Pereira Paes cabe à cada classe da cidade um comportamento que não ouse fugir à regra "moderna" que diz que é "demagogia" qualquer atitude que enfrente a política de cisão de um estado feito pra expulsar pobre e preto pra debaixo do tapete da criminalização da pobreza e do racismo ambiental.

Expulsos de suas casas são ainda culpados de desflorestas encostas do único lugar possível de moradia que possuíam para construir suas pobres casas após receberem como proposta de habitação o cassetete dos soldados.

De Pereira Passos a Pereira Paes aos pobres cabe o samba, aos ricos cabem demolir a natureza e lançá-los à distância, pra posteriormente culpá-los da degradação ambiental de que são vítimas.

Do racismo ambiental e da criminalização da pobreza é feita a vida das classes perigosas.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A bestializada resistência de um povo

Fruto de um golpe militar, a República sempre teve em sua fundação a lógica de ter sido feita em cima de cavalos, com os punhos de renda de uma elite política.

A ideia de um governo sem povo transitava claramente na lógica positivista que reproduzia um simulacro de platonismo na ideia de uma ala iluminada da sociedade, uma ala intelectualizada e civilizada,  como "naturalmente" líder  da massa insalubre, negra, patética, bárbara.

A esta gente cabia ser liderada e acatar as decisões daqueles que embebidos dos ares e águas da Europa, tradutores de um positivismo higienista, seriam os naturais condutores da imensa nação mulata nos rumos de uma civilização branca e culturalmente europeia.

Faltou combinar com os russos, diria Mané.

Já nos primeiros três aninhos da recém promulgada república Canudos aparece como um fantasma pra lá de complicado ante olhos republicanos que achavam que se impõe um estado de cima pra baixo assim na mão grande.

Sertanejos liderados pro Antonio Conselheiro demonstravam que negros, mulatos, cafuzos, eram um pouco mais que frágeis vítimas da barbárie, sendo inteligentes resistentes às forças do coronelato do interior da Bahia e a um exército noviço que logo de início perde um de seus maiores ídolos à época.

Canudos demonstrou com quantos paus se faz uma resistência popular até o massacre final levado a cabo com extrema violência e crueldade por um exército apavorado.  Pavor este que durou até o alagamento da região pela criação do açude de Cocorobó (E acredito que ainda dure).

De 1893 até o massacre de 1897, Canudos escreveu uma sangrenta página na história do país e do Exército Brasileiro, onde a palavra resistência não pode mais se apagada. A inspiração de Canudos fez inclusive que o Exército Brasileiro centrasse prodigiosos esforços na ocupação da região do vilarejo para evitar que a Coluna Prestes ali passasse em sua grande marcha nordeste a dentro.

A resistência e o símbolo de Canudos fazia com que o Exército temesse que Prestes e sua coluna dele se alimentassem e conquistassem fôlego extra pra seu movimento revolucionário.

Os Bestializados de 1889 na verdade nem foram tão bestializados assim (como inclusive aponta José Murilo de Carvalho, autor do livro homônimo), pois resistiam aqui na luta contra os atropelos da recente república na implantação da política higienista com especulação imobiliária de remoções de pobres com demolição de cortiços, de movimentação sutil pelo branqueamento da população, de repressão feroz das "classes perigosas" (Já aquela época feitas de gente pobre e preta) e de pancada em cima do nascente movimento operário.

Já nos primeiros anos da república essa gente pobre e preta tida como perigosa saia de suas casas pra tornar difícil a vida dos governos de uma elite platônica doida pra tornar europeu um país pobre, preto, índio e com muito mais raça do que queria a elite branca lotada nos palácios.

Resistindo às vacinas, antes mesmo da revolta, à desocupação de cortiços, à criminalização da vadiagem, do samba, da capoeira, essa bestializada malta criava as raízes de uma cultura brasileira que tem mais de "Zumbi" que de "Pai João".

Foi essa gente que em 1904 resistiu à uma vacinação compulsória que trazia consigo um amplo arco de testes com métodos de vacinação que incluía a variolização e a morte como modus operandi. Foi essa gente que quebrou meia capital resistindo à uma política que tinha resistência inclusive entre as elites e à medicina da época e que também sabia que por trás do desejo de por um fim nas doenças havia um desejo de por um fim na ocupação de áreas valorizadas do centro da nova cidade aburguesada daquela gente cuja tez não condizia com a cor preferida da Belle Epoque.

Essa gente também resistiu bravamente aos desmandos  dos governos de Paraná e Santa Catarina e de 1912 a 1916  fez na guerra do contestado um movimento de resistência de uma massa de expulsos da terra para mais uma ferrovia do onipresente Percival Farquhar, movimento que se juntou ao monge José Maria e buscou uma saída coletiva para a miséria e o desalojo.

Claro que para a república e sua federação pobre quando se junta é motivo pra tomar bala. E assim foi, mas não sem resistência. E com isso nas mãos da jovem república repousa o sangue de seu próprio povo.

E durante toda a república os Bestializados resistiram a todo um conjunto de governos que se formaram em nome de uma política de cima pra baixo, alimentada de sangue preto e pobre, reprimido nos seus terreiros, sambas, festas, greves. De Deodoro a Dilma um sem número de assassinatos de operários, índios, mulheres, camponeses mancha as mãos de uma república que bestializa seu povo não na sua alienação, mas na sua transformação pela barbárie naquele que só consome, consumido pela falta de amplos direitos.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Quase não somos racistas

Não pretendia escrever sobre isso. Em primeiro lugar porque acho que a linha tênue do respeito político e à inteligência, da honestidade intelectual, não só foi ultrapassada com o advento das redes sociais como a rapaziada samba na cara da coerência a as referências, por mais flexíveis que sejam, ideológicas hoje mais parecem uma mistura de relativismo amplo com samba do crioulo doido (Ou do afro-descendente fora do eixo mental dito normal, se lhes parecer racista o uso do primeiro termo). Em segundo lugar porque minhas opiniões a respeito de homofobia, racismo e misoginia não são exatamente premiadas pelo auge da flexibilidade.

Não gosto nada de Paulo Henrique Amorim, do que se se convencionou chamar de "Blogueiros progressistas" (Que vai muito mais longe de blogs e tem uma cara tão corporativa quanto a jornalistada da mídia gorda), acho uma merda o naipe do jornalismo e do ativismo político ao redor do/da Cara, acho uma merda a Globo e congêneres, acho o Heraldo Pereira um jornalista tímido, pra ser um cara legal, e omisso também, especialmente diante do fato claro da organização onde trabalha defender a inexistência do racismo no Brasil, mas, no entanto, todavia e apesar de estar mais próximo dos "progressistas" , que ao menos em alguns pontos concordam comigo a cada seis meses, não posso nem sonhar em deixar passar uma declaração que chama o Heraldo de "negro de alma branca". 

Não se pode transigir com racismo, homofobia e misoginia.

Se Paulo Henrique Amorim não é racista, parabéns pra ele, mas nesta declaração ele foi sim e continua sendo ao ridicularizar a minha, a sua a nossa inteligência, assim como seus defensores, ao não reconhecer que, por baixo, usou uma terminologia racista, repetindo, RACISTA, para se referir a um colega de profissão.

Dizerem que o termo "Negro de alma Branca" é anti-racista é zoar, de boaça. Talvez em salvador ou em Brasília o seja, mas sempre ouvi o termo ou para se referir ao negro que não milita nos movimentos anti-racistas ou pra se referir "elogiosamente" ao negro que possui "qualidades" inatas aos Branquelos. Nos dois casos, na casa Grande ou na Senzala, o uso é racista. 

É racista porque reduz, porque ridiculariza o outro atribuindo a ele ou a omissão diante dos seus, a quem deveria automaticamente ser um militante solidário por ter uma cor da pele determinada, ou por atribuir a ele qualidades que são "alheias" a seu fenótipo. O uso para o negro não militante é racista por que reduz o sujeito a um negro "menor", o pelo sujeito que atribui ao negro qualidades por ter "alma branca" é por atribuir ao negro "de alma branca" qualidades que lhe são alienígenas por vetadas ao negro.

Paulo Henrique Amorim ao dizer que Heraldo Pereira era um "negro de alma branca" talvez não tivesse intenção nenhuma de incorrer em racismo, mas incorreu. PHA talvez estivesse ironizando um colega de profissão por este trabalhar na emissora que sustenta a tese de não sermos racistas, poderia fazer de outra forma, preferiu usar terminologia racista e dentro do contexto altamente interpretada como um ato tão racista quanto o termo possui de carga. 

Talvez se apenas corrigisse publicamente e considerasse um ato nada violento da auto-crítica pelo uso do termo nada estivesse tão quente e nenhum Blogueiro Progressista caísse no corporativo uso do termo "Esgotosfera" para se referir a quem não foi iniciado nas artes mágicas do babaovismo político e nem a máquina de defesa inconteste da grande tribo vermelha perdesse seu valioso tempo defendendo um jornalista adulto e experiente ao invés de, sei lá, tentar evitar maiores recuos do governo em áreas como os direitos LGBTT, Aborto, luta anti-racista,etc. Mas novamente se preferiu criar um Fla x Flu, um espantalho arrogante, onde o termo "inveja" aparece a rodo.

Da mesma forma que no episódio Feminazi a Milícia Progressista Governista prefere um embate estéril e histérico lotado de ad hominens ao simplesmente reconsiderar em auto-crítica o grau ensandecido de oposição apolítica à imprensa não governista que leva um de seus próceres a cometer um equívoco de tal monta.

Bastava a PHA reconhecer que fez merda. Ao não fazê-lo, diante do uso de um termo racista, amplia a consideração de que seu objetivo era exatamente o que pareceu. A defesa irracional e com tantas acrobacias aéreas, que chega a dar inveja à esquadrilha da fumaça, desafia a lógica e ao senso de ridículo. Grande parte da defesa do digníssimo gira em torno de suas qualidades pessoais, que honestamente não me interessam, e que  não deveriam interessar a ninguém.

Enquanto figura pública cometeu-se um ato público que incorreu no racismo, uma simples auto-critica lhe engradeceria. A resistência, inclusive coletiva, inclusive usando a vil tática do uso da empresa onde trabalha o ofendido como espantalho pra desqualificá-lo e aos críticos do ato de PHA, lhe e lhes diminui, como é comum recentemente a cada necessidade de defesa de um dos seus ou dos governos que apoiam.

Pouco se diz que o ofendido estava para obter, ou obteve, ganho de causa na justiça com relação ao fato ocorrido e que o jornalista PHA através de acordo conseguiu a cessão da  ação. Acordo esse onde reconhece que extrapolou e que não teve a intenção de ser racista, bastava inclusive dizê-lo publicamente a todos, mas ele, e seus defensores, preferiram a lógica da acrobacia para defender o indefensável.

É preciso sim batermos de frente com a lógica Kamel de "Não somos Racistas", inclusive em nós. E é complicadíssimo quando em um momento como esse, onde parte da "inteligentsia" que se toma por "progressista" cai em um "Quase não somos racistas" em nome do corporativismo.

Palavras tem peso e poder, precisamos aprender isso.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

O “humor” politicamente incorreto do CQC na internet


Imagine uma situação em que uma pessoa se encontra subjugada por outra. Bem, formas de subjugação existem muitas, então pensemos numa pessoa presa por ser considerada de “raça inferior”, acorrentada ou junto de outras vítimas num campo de concentração ou campo de trabalho. Agora pensemos no seu algoz: satisfeito com o tabalho feito e com a situação em que pode liberar seus impulsos perversos, ele ri. Sim, o riso nem sempre pode denotar uma situação agradável – pelo menos do ponto de vista da vítima. Alguém que seja agredido na Avenida Paulista pelo fato de não se encaixar nos padrões – no caso, por exemplo, um homossexual – dificilmente achará graça ao se ver apanhando no vídeo da câmera de segurança, quanto mais ao lembrar do momento em que sofreu a agressão.

Com o humor é diferente, ou pelo menos deveria ser. Pode ser puro sarcasmo, que tem a ver mais com o deboche. Pode se aproximar mais da ironia, que tecnicamente falando é algo como “dizer o contrário daquilo que se pensa”, em que essa contradição fica clara para o interlocutor e tem como motivação a crítica – que pode ser uma crítica aos valores vigentes ou a uma situação ou pessoa específica. No sentido da transgressão de valores, a ironia pode ser vista como elemento importante para que a poesia ou a literatura (de ficção) não se baste no belo, na elaboração estética, que pode ser apenas apaziguadora. Para o campo do humor, portanto, a ironia deve ser ainda mais importante. Mas o ponto principal: para ser transgressor, para provocar esse efeito distanciador (crítico), antes de mais nada o humor não pode se confundir com uma situação como as descritas no parágrafo anterior. Pois aí deixa de ser humor para ser no máximo um sarcasmo perverso. Algoz e vítima devem emergir na matéria crítica do humor, o que é diferente de ser o “humorista” o algoz ou seu porta-voz.

Um exemplo de humor transgressor que tiro de uma charge contada por um amigo (não sei a autoria): no primeiro quadro, uma senhora com aparência grã-fina (vestida elegantemente e com ar de enfado) entra no elevador social do edifício, e se depara com uma senhora negra, de expressão humilde e vestida de uniforme. Segundo quadro: a senhora grã-fina (branca) se dirige incomodada à outra e diz “Com licença, mas este elevador é o elevador so-ci-al”. Terceiro quadro: a senhora negra, sem graça, estende a mão à outra e diz “Puxa, senhora, me desculpa... Me chamo Maria de Fátima [se apresentando] e trabalho no 703...”. Ou seja, pelo fictício, que articula o verossímil (uma situação “bem real”) com a ironia, a charge nos mostra que a palavra social pode denotar tanto a comunhão como o contrário – no caso, uma rígida divisão social normalizada numa divisão funcional dos elevadores, para além da utilidade do elevador de serviço (como alguém me lembrou) para o transporte de equipamentos, latas de lixo etc. Mas esse raciocínio tecnicamente correto não elimina a agudeza da charge – e não é preciso o riso pra perceber a ironia, pois a ironia, ao ter potencializado seu ter crítico/transgressor, causa o efeito de impacto ou choque diante de valores estabelecidos e situações naturalizadas. Claro que a forma que eu interpretei a charge poderia ser contraposta a outra, sem senso de ironia (“ultra-realista”), que veria na charge a representação preconceituosa da ignorância da empregada doméstica.

Penso também que é – ou deveria ser – sempre saudável para um humorista profissional ter em conta que o humor deve conter auto-ironia, pois é esquisito um homorista pretender provocar um efeito de distanciamento crítico sobre valores, pessoas e situações quando deixa fora desse horizonte crítico a si mesmo – enquanto ser-humano também limitado e sujeito a erros. Auto-ironia parece completamente ausente quando o humor é confundido com uma espécie de cruzada contra o politicamente correto.

Claro, o politicamente correto pode muitas vezes ser tacanho quando se perde em coisas como querer abolir o uso da palavra “denegrir”, ligando-a ao racismo por conta da simples associação etimológica, desprezando o uso e o significado efetivo que tal palavra tem, que não se liga ao racismo – o que é completamente diferente de sugerir que não há racismo no mundo, incluindo o Brasil.

Mas é esse desprezo, digamos, pela contextualidade que os cruzados contra o politicamente correto vêm demonstrando. Por mais tacanho que por vezes o discurso politicamente correto possa ser, isso não elimina o fato de que a realidade que denunciam precisa ser levada a sério – não usei o exemplo de um homossexual sendo agredido na Av. Paulista por acaso.

Hoje temos a discussão no Congresso em torno da lei anti-homofobia. O que se deseja é apenas a expansão do Estado democrático de Direito que, no caso, significa que um homossexual tenha na prática os mesmos direitos que qualquer heterossexual tem, desde demonstrar afeto pelo(a) companheiro(a) numa mesa de bar até ter o direito de não ser agredido na rua por conta de sua orientação sexual (!). Mas os homofóbicos querem fazer crer que o que se deseja é a imposição de uma “ditadura homossexual” (!), como se defender os direitos de A fosse necessariamente diminuir o de B – a não ser que o que eles defendem seja mesmo o direito de alguém se colocar como algoz do outro. Isso é pelo menos o que sugerem piadas como essa: Toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia... Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim uma oportunidade. Homem que fez isso não merece cadeia, merece um abraço”. Fazer piada com vítima agora é sinal de rebeldia?

A piada acima é de um dos integrantes do CQC, Rafinha Bastos. Recentemente, deparei-me com uma foto dele, na internet, com uma camisa “humorada” ridicularizando o movimento LGBT e, por conseguinte, toda a luta ampliação do Estado Democrático de Direito. Tudo em nome de quê? De uma suposta transgressão contra a ditadura do politicamente correto?

E hoje veio a novidade, o que me motivou finalmente a escrever alguma coisa sobre o assunto – depois também do impacto causado pela exposição que o programa deu ao deputado Jair Bolsonaro e a polêmica involuntária (?) decorrente da resposta de teor racista do deputado à pergunta da Preta Gil. A novidade de hoje tem um contexto: a polêmica em torno do cancelamento da construção de uma estação do metrô num bairro paulistano da alta renda devido a protestos de moradores, que não queriam o fluxo de pessoas “diferenciadas” para o local.  A piadinha de outro integrante do CQC, Danilo Gentili, pelo twitter: “Entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô. A última vez q chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz”. (O bairro tem muitos moradores judeus).

Seguindo o exemplo da charge do elevador, tentei pensar interpretações possíveis para essa tirada humorística (?), e só consegui pensar em duas: ou é uma explícita tirada (o termo mais adequado é esse) politicamente incorreta e, neste caso, brincando com/de nazismo, ou é uma forma cínica (o termo mais adequadao é esse) de usar a imagem de “velhinhos judeus traumatizados” para justificar nossos próprios e já não tão mais disfarçados racismo e discriminação de classe. Enfim, o que há de humor nessa tirada?

Quando houve a polêmica em torno de uma tirada irônica do mesmo Gentili – “Agora no TeleCine KingKong, um macado q depois q vai p/ a cidade e fica famoso pega 1 loira. Quem ele acha que e? Jogador de futebol?” –, interpretada como piada racista, eu me posicionei contra qualquer forma de censura ou sanção ao autor pelo fato de que o humor deve ser preservado, tanto porque quem tem que interpretar ou julgar uma piada não deve ser um censor, como também porque afinal toda sociedade precisa de certos espaços de válvula de escape, de escracho – e continuei a defender isso mesmo depois que o pseudo-humorista, diante da polêmica, fizera questão de posar de machão politicamente incorreto fazendo questão de legitimar a interpretação feita (de que a piada havia sido racista). Pois a questão é mais ampla que o direito do Gentili ser um péssimo humorista e um idiota, ela teria a ver com precedente jurídico.

O que preocupa é que tal cruzada politicamente incorreta (ou melhor, “anti-politicamente correta”) se dá num contexto de mobilização reacionária contra o movimento LGBT e explicitação, mediante especialmente à chegada da (preciosa, no saldo geral) internet, de preconceitos contra negros, pobres, nordestinos... O que parece é que essa galera “bem” humorada está mais a fim de surfar nessa onda que qualquer coisa, e fica mais “cool” posarem de ousadinhos e (pseudo-)transgressores – cabendo a moderação quando é conveniente, como no caso da resposta de Bolsonaro à Preta Gil.

Mas esse tipo de “humor” que se pretende engajado em uma causa (qual causa?) precisa ser combatido de frente, o embate é político. Como opinei aqui, deve-se questionar antes de tudo os pressupostos da cruzada desses “humoristas”. Há mesmo uma “ditadura politicamente correta” se formando no Brasil, que faria deles uns transgressores e rebeldes? Talvez o problema seja de déficit intelectual, até mesmo para entender o significado de ditadura, de opressão, de Estado de Direito... Mesmo o integrante principal do grupo, Marcelo Taz, já mandou as seguintes tuitadas: “E se o BOPE, a Polícia e as Forças Armadas, depois da operação no Rio [invasão do Complexo do Alemão], fossem limpar o Congresso Nacional?”; “Escolas de samba ressurgiram do incêndio melhores que antes. Se alguém tocar fogo no Congresso, aquilo toma jeito?”. Claro, nada tenho contra críticas à politicagem e aos problemas no Congresso, ainda que feitas da maneira mais rasa e clichê. Mas acredito que um cara tão inteligente, descolado, antenado e crítico como o Taz deve ter acesso suficiente à informação de que, na história contemporânea, ataques ao Parlamento sempre estiveram associados a regimes de força, e tais regimes de força sempre tiveram como parte de suas políticas, em graus variados, a discriminação e até mesmo o assassinato sistemático de pessoas ou grupos inteiros de pessoas tidas como incômodas para o “bem-estar” da sociedade. Quem é Bolsonaro, além de um homofóbico declarado (e não se declara racista certamente porque o racismo já é crime na letra da lei)? Um defensor da ditadura.

Então, termino transformando uma colocação acima em pergunta: é questão de déficit intelectual ou de neofascismo disfarçado de “humor”?

Victor Coelho

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Se Deus vier que venha armado!

 Peço emprestada a frase de um rap do Pavilhão 9 com titulo para ilustrar a perspectiva que a Religião, somada à doença mental e à irrresponsabilidade de pastores, dá quando tratada como uma cachorra leprosa e como auxilio de delírios tremens morais e fundamentalistas.
 Que me perdoem os fiéis de religiões pentecostais e suas ânsias de pureza, mas quando a pureza atira com armas de fogo, pedras ou incitação a crimes, a racismo e outras desumanidades ela deve ser tratada como é: Como uma manifestação de ódio e irresponsabilidade desumanas que transformam a dita fé e religião em cúmplice, seja de espancamento e assassinato ou de opressão psicológica e quejandos.

 O tom é duro mesmo e não é pra menos: depois do desfile por anos a fio de preconceito contra toda a fé que não lambesse chagas de Cristo, de opressão à mulheres, homossexuais e racismo enrustido (ou não) nas salas que servem de palco e púlpito para defesa de purezas que nada mais são do que etnocentrismo, machismo, misoginia e homofobia, cansa defender o direito democrático à religiões que no fim das contas são apenas pano de fundo para a distorção de todo e qualquer ensinamento do Cristo que pregou o amor em nome do inflar de egos e carreiras políticas de pastores que conduzem ovelhas nem sempre negras á escuridão do fascismo.

 É chegada a hora de defensores de preconceito e incitação de ódios, sejam os líderes que conduzem as ovelhas ou sejam as próprias ovelhas que conduzem seu ódio pessoal e se escondem na confortável e omissa posição de gado, serem responsabilizados pelos crimes cometidos em nome de um Jesus ou de uma pureza que é tragicamente similar à rotulação, perseguição e morte de tudo o que não é parte do dito "normal": papai e mamãe presos na sala vendo novela da globo e com medo de discutir como patrão. 

Os discursos dos pastores atingem o objetivo de conduzir seu gado a um estourar de violência e morte, ódio e opressão, cuja culpa só cai no couro da ovelha louca ou excepcionalmente crente que aperta o gatilho, e isso é o ápice da corrupção moral e covardia ética, intelectual e humana das lideranças que falam o que querem, conduzem a atos de violência e se escondem atrás da responsabilização individual do imbecil ou louco que segue seus ensinamentos.

 O direito a fé é inatacável, assim como o dever de manter sua fé longe do crime e das lideranças religiosas serem responsabilizadas pelos ecos de suas palavras, sejam elas ditas nos púlpitos ou nos terreiros. A noite de Sâo Bartolomeu deveria ser uma lição de tolerância, mas virou um modelo de prática de intolerância assumido por pastores e padres em nome da cristianização do mundo. E a partir disso fica engraçado o demonio ser negro e batucar enquanto quem mata meninas por misoginia misturada com religiosidade extrema pregada por um pastor qualquer o faz em nome de um Deus que parece uma mistura de general com torturador.

O negro batucador é acusado de tudo, de magia negra a servir às forças da escuridão, mas todo assassino em série fala é em Jesus, toda homofobia e racismo tem Jesus como pano de fundo, da mesma forma que foi m nome de Deus e de Jesus que se justificou a escravidão e o assassinato de índios, que se justifica a homofobia  e a opressão de mulheres. Pelo que me consta não foi a umbanda que escravizou europeus pra mandá-los pras colonias da África.

 A carta do assassino de Realengo cita tanto Deus que se juntarmos com o assassínio cujo alvo prioritário eram meninas parece um resultado muito claro do grau de misoginia, preconceito e ódio defendido por várias religiões que colocam mensagens de ódio bem sutis, como as do pastor Malafaia na Avenida Brasil no Rio de Janeiro, ou declaram de forma nada sutil, o mesmo Malafaia entre outros, seu ódio a homossexuais, claramente, e a negros, enrustidas nos ataques às religiões de matriz africana, a sambas de Zeca Pagodinho com cagaço da lei anti-racismo,etc.

 Quero ver a defesa clara da culpabilidade de pastores e padres quando ataques como esse ocorreram e com a mesma velocidade da satanização das religiões afro com relação ao sacrifício de animais! E aí incluo os Ateus fofinhos e "críticos" que como uma versão bizarra do fanatismo religioso são rápidos e rasteiros e mahcos pra cacete pra chamar os fiéis de criminosos e imbecis, mas somem quando é hora de assumirem a responsabilidade laica de defenderem a vida humana para além de pseudo-racionalismos que pegam bem em festas hype.

 Sou Umbandista, sou comunista e não tenho nadica de sangue de barata, nem me pretendo aqui racional ou frio, dada a tragédia ocorrida na minha cidade e no bairro vizinho de onde eu moro. Antes pediria desculpas se estiver sendo injusto, mas evoco minha trajetória e minha defesa contínua tanto da liberdade religiosa quanto das lutas anti-homofobia, anti-racismo e contra toda e qualquer opressão para defender claramente: É hora de pastores, deputados e demais figuras públicas serem responsabilizadas pelo que dizem,s e a institucionaldiade não o faz que façamos nós, seja por meio de protestos diários, ovadas, protestos nas escolas de seus filhos, residencia, local de trabalho, seja por cartas, processos constantes,etc.. 

Não precisamos da violência para protestar, mas precisamos da veemência, da luta diária e da revelação desses defensores de ódios aos demais, sejam eles líderes ou paspalhos seguidores. Se existe um em seu local de trabalho, é hora dele sentir na pele a veemência do laicismo e a força da liberdade. Se a luta esperar PLCs estamos literalmente fudidos, sem o perdão da palavra.

 A cada Bolsonaro e pastores que defendem crimes e ódios existem os loucos ou fascistas que estão prontos para apertar o gatilho. Seremos pra sempre ovelhas a espera do abate? seremos Pedros Pedreiros Penseiros esperando o trem do papai estado ou do papai parlamento pra tomarmos posições na rua, na chuva e na fazenda? 

 Na minha fé ovelha é alimento e o sacrifício de uma ovelha é do animal que tem a lã pra nos aquecer e a carne pra alimentar toda a tenda. Homens e Mulheres são gente, responsáveis por si mesmos e por sua tenda, inteiros, íntegros e vivos, não correm pro abate, mas podem correr pra guerra se necessário, conscientes de que tem hora de Ser Oxalá Velho, e tem hora de ser o Oxalá guerreiro, que com Ogum, Oxóssi, Xangô e Logun-edé transformam sua realidade e o mundo.

 É hora de sairmos da pasmaceira e revelarmos os assassinos e defensores do ódio, é hora da guerra, uma guerra sem armas, sem mortes, mas com pichações, com vídeos, com faixas, com gritos e com a demonstração clara de quem são os animais que permitem que suas palavras acabem em mortos.

PS: Se o doido for Muçulmano ou não, não diminuiu em nadica de nada o teor das crítica,s porque uma hora aparece um doido Malafaista ou Pentecostal, com as mesmas justificativas, e duvido que o cabra aí não frequentasse uma Assembléia de  Deus da vida.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O rosto reacionário de nossa cegueira: A esquerda dividida alimenta monstros

No último mês fomos bombardeados por uma enxurrada de homofobia, racismo, xenofobia, sexismo e outros hábitos reacionários menos cotados. Desde a abertura do esgoto da campanha de José Serra estamos vendo o pior de um país sair das latrinas das redações, das casas, faculdades e igrejas.

Somos vítimas de processo semelhante ao ocorrido nas cercanias do inicio do século XX, principalmente entre 1930 e 1940, e vitimas da mesma divisão entre democratas e esquerda, e entre a esquerda. As declarações de homofobia, racismo e xenofobia nas ruas, nas redes sociais da internet são semelhantes às posturas reacionárias que descambaram no fascismo. A divisão da esquerda, que prefere uma luta hegemonista e um debate raso, com inclusive um sectarismo que vai do PSTU ao PT, passando pelo PSOL e PCB, e que ignora o fato de sermos a cabeça de ponte da luta anti homofobia, anti racismo e  antifascismo, chega ao nível do imobilismo.

Enquanto estamos imóveis o mundo explode, e enquanto o mundo explode as divergências legítimas entre políticas, alianças, governos, nos reduzem a meros coadjuvantes do movimento de atropelamento de convicções e vidas que a direita utiliza, aproveitando nossa incompetência.

Nosso atropelamento com vítima pela direita não é fruto somente da ausência de avanços mais contundentes por parte do governo Lula e de seus recuos, da cooptação dos movimentos sociais pelo governo,da  desmobilizçãoa dos movimentos sociais, da incompetência da esquerda radical em ler as ruas e sair do gueto enquanto rola a briguinha pelas pequenas salas de CAs, DAs e Sindicatos. O atropelamento é filho da miopia generalizada que despreza o avanço de um tipo de reacionarismo , em especial nos mais jovens, que ignora o mínimo de humanidade em nome da imposição, se preciso com morte, de convicções racistas, homofóbicas, xenofóbicas.

Nossos inimigos por anos alimentaram nossa impotência, nos atacaram e nos encurralaram em um misto de incompetência com capitulação que hoje nos faz participantes ativos de um Ensaio Sobre a Cegueira,mais que realista, opressor e que nos ata. 

Enquanto o mundo explode estamos reféns de nossa cegueira em abandonar os limites de siglas e de consensos máximos para lutar por um mundo democrático onde nossa divergência sobre programas e ações sejam parte do movimento de avanço do todo. O inimigo usou nossa vitória de Pirro para alimentar os monstros que achávamos presos no inferno da história.Enquanto nos isolarmos na leitura parcial do real, lutaremos contra moinhos de vento, enquanto os monstros devoram nossas bengalas, e nos prendem nas prisões de nossas convicções.