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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Do racismo ambiental e da criminalização da pobreza é feita a vida das classes perigosas.

O racismo ambiental e a criminalização da pobreza andam lado a lado. A própria lógica do entendimento de negros e pobres como classes perigosas  e necessariamente obrigados a terem por perto uma observação feroz do poder público andou lado a lado com a expulsão destes de suas casas pobres ou quartos em cortiços sem nenhum tipo de cuidado no fornecimento de locais dignos de moradia em substituição à demolição de suas casas. Essa expulsão levou à ocupação de áreas vazias nos morros ou de terrenos mais distantes, estabelecidos obviamente como era o tom da época  sem nenhuma observação dos impactos possíveis.

Para a produção da cidade burguesa no fim do século XIX, início do século XX, a ação conjunta de criminalização da pobreza, higienismo e racismo ambiental criou uma reação em cadeia que juntava a culpabilização do pobre/preto pelas pestes da cidade, pelos crimes da cidade e o levaram à desmate de encostas, morros, beiras de rio, a servir como álibi pra empreiteiros e empresários do transporte ampliarem a qualquer preço uma rede de transportes que nunca se preocupou com desmate, poluição do ar, descarte de lixo, sujeira de rios,etc.

A mesma lógica jamais se importou com o peso da indústria na expansão Rio de Janeiro afora pro chamado subúrbio do progresso movido à poluição do ar das águas, desmate, em profunda ação destrutiva julgada procedente pela "criação de empregos" e "melhoria da vida das pessoas".

A cidade burguesa que nasce da expulsão de pobres/pretos do centro da cidade ou pra seus morros (Os palácios precisam de serviçais) continua em um ethos civilizatório baseado antes de mais nada na secessão e na expansão do progresso destrutivo para onde não reside sua elite. A cidade cindida pela cadeia de montanhas do  sumaré também divide-se não só entre ricos e pobres, mas entre  expostos ou não à degradação ambiental.

O ar pesado de Santa Cruz não é o mesmo ar beira-mar.

As encostas da zona sul sociológica tem a atenção de quem sabe como é difícil manter mucamas e porteiros de qualidade em seus prédios de luxo, já o entorno de Acari não tem a mesma atenção no impacto que a degradação dos rios ao redor leva à saúde da população.

À cidade burguesa é preciso uma cidade quilombo, mas esta não precisa dos mesmos cuidados.

As classes perigosas sabem viver na secessão, entender o tamanho da distância física e simbólica entre reis e escravos, e saber o quão é secundário em suas vidas sequer sonhar com uma política ambiental e social que não os inclua como secundários também ao poder público.

Às classes perigosas cabe produzir anualmente uma migração em massa da elite "descolada" à Oswaldo Cruz, numa visitação participante festiva aos primórdios da rede de transporte da capital, o trem, que apelidado de "do Samba" ganha cores brancas e felizes que o difere do cotidiano brutal a que são expostos os moradores que residem onde se deu o assentamento "à sua mercê" dos primeiros expulsos da política de Pereira Passos que não habitaram os morros do entorno dos Cortiços recém derrubados.

Às classes perigosas cabe o produzir da música de festa da elite, que aplaude com vontade, faz de conta que é turista, aquela música de pretos expulsos de suas primeiras casas, expulsos da parca qualidade de vida, expulsos de algum controle da qualidade do ar, das águas, das matas, das árvores.

À elite descolada já cabe a luta farta pela preservação da Lagoa Rodrigo de Freitas, da Floresta da Tijuca, sem olhar para o Borel, e se satisfazer pelo dever cumprido sem notar que elegem e  reelegem aqueles que liberam a instalação da CSA em Santa Cruz e envenena quem não faz samba ou tem trens com turistas em dois de dezembro.

À elite descolada cabe festejar que a cidade está "se modernizando", como festejava em 1904, como festejava ao estimular às classes perigosas a prática do football  que os livrava da insalubre herança colonial da proximidade de pretos e pretas pobres que precisavam de forte policia fiscalizadora agora que estavam livres do jugo dos feitores e da policia particular dos senhores de escravos.

De Pereira Passos a Pereira Paes cabe à cada classe da cidade um comportamento que não ouse fugir à regra "moderna" que diz que é "demagogia" qualquer atitude que enfrente a política de cisão de um estado feito pra expulsar pobre e preto pra debaixo do tapete da criminalização da pobreza e do racismo ambiental.

Expulsos de suas casas são ainda culpados de desflorestas encostas do único lugar possível de moradia que possuíam para construir suas pobres casas após receberem como proposta de habitação o cassetete dos soldados.

De Pereira Passos a Pereira Paes aos pobres cabe o samba, aos ricos cabem demolir a natureza e lançá-los à distância, pra posteriormente culpá-los da degradação ambiental de que são vítimas.

Do racismo ambiental e da criminalização da pobreza é feita a vida das classes perigosas.

sábado, 24 de novembro de 2012

Nota do Setorial Nacional Ecossocialista Paulo Piramba do PSOL, a respeito das eleições 2012

O crescimento do PSOL em 2012 foi inegável, apresentando-se com campanhas com uma postura à esquerda, efetuando um contraponto às milionárias campanhas patrocinadas pelo PT e seus aliados nas capitais, assim como as da direita tradicional.

Ao apostar na mobilização da sociedade e no diálogo constante com os movimentos sociais, na defesa da contribuição cidadã para as campanhas, na força do voluntariado militante, o PSOL alcançou um status que o destaca como nova referência da esquerda nacional, ensaiando ir além da sua sugestão como partido necessário e ocupando um lugar que buscava desde sua fundação: alternativa de esquerda à capitulação lulista patrocinada pela guinada direitista do Partido dos Trabalhadores e sua política “pragmática”.

Ao obter 2,39 milhões de votos para candidatos a prefeito no primeiro turno, superando partidos historicamente mais inseridos na institucionalidade, mergulhados na ordem e com ela compactuando, como PV e PCdoB, o PSOL também ocupou em capitais importantes como Rio de Janeiro, Salvador e Fortaleza o espaço deixado pelo PT junto à sociedade e movimentos sociais.

Ao bradar que “Nada deve parecer impossível de mudar”, qualificou-se como uma oposição que resgata a dimensão da utopia, o discurso ecossocialista, as demandas do movimento feminista, do movimento negro e LGBT, abandonadas por um Partido dos Trabalhadores mais interessado em ampliar sua imensa musculatura eleitoral ao custo da bandeira histórica da esquerda mais próxima de ser rasgada. Politicamente mais respeitado e com sua bancada de vereadores/as enormemente ampliada, o PSOL elegeu seu primeiro prefeito no primeiro turno e foi ao segundo turno em duas capitais.

Estas conquistas foram levadas a cabo por uma profunda ação militante e por um discurso que se diferenciou dos partidos tradicionais, dos partidos da ordem, em uma conjuntura mais favorável que a de 2008, onde ainda recém-fundado, enfrentava um quadro onde a experiência da população com o PT ainda não havia deixado clara a mudança operada naquele partido que se filiou ao vasto ‘clube dos partidos da ordem’.

Com campanhas feitas à esquerda, o PSOL atraiu a população, especialmente a juventude, abrindo boas possibilidades de construção do partido com mais capilaridade que permitiu ampliar a defesa de um projeto de socialismo com liberdade, democracia e com absorção das lutas abandonadas por parte da esquerda e cuja importância era negada diante de um projeto de transformação que só enxergava as questões macro, que só enxergava o desenvolvimento econômico a qualquer custo, ignorando totalmente a dimensão ambiental e a de direitos humanos.

Abrem-se novas possibilidades de construção, o crescimento do partido também exige novas posturas diante da própria consciência critica da população que espera nos ver como alternativa precisa e não simulacros modernizados do que já ai está.

Diante desta responsabilidade, o que se fez no Amapá e em Belém, guardadas as diferenças entre as ações, se torna uma agressão não só às decisões partidárias construídas coletivamente como também às ações cotidianas de nossos militantes inseridos nas lutas e nos movimentos sociais. Estes tiveram o seu discurso e toda a diferença que demarcaram no decorrer de muitos anos jogadas na lama por atitudes irresponsáveis de parte da direção partidária e de figuras públicas como Randolfe, Clécio e Edmilson.

Já anteriormente advertidos pelo Diretório Nacional do PSOL em 2010, por alianças não condizentes com as definidas coletivamente pelo PSOL, Randolfe e a direção do PSOL-AP repetem em 2012 a postura de ignorar decisões do coletivo do partido ao, já no primeiro turno, apoiar, na figura do senador Randolfe Rodrigues, candidatos de partidos com os quais o DN-PSOL havia expressamente proibido alianças.

O Ato político público pelo qual foram feitas as alianças com DEM, PTB e PSDB no segundo turno da eleição em Macapá, torna mais grave a prática, inclusive pela reincidência, evidenciando o modus operandi levado a cabo em Macapá, expondo o partido como um todo não só a ataques de adversários, como provocando o afastamento da parte da sociedade que se aproximou do PSOL por nossas posturas de diferenciação, setores estes e que agora se vêem em dúvida diante de posturas que lembram a lógica do PT em sua célere caminhada para a tucanização.

A postura dúbia de Clécio e Randolfe Rodrigues ao afirmar para o partido uma coisa e outra para a imprensa, só agrava a postura levada a cabo em Macapá. Além disso, a postura dúbia contém também ataques a quem no partido se recusa a ter com uma explicação inverossímil uma relação de bovina passividade.

A preocupação menos em explicar a dúbia postura diante do gravíssimo ato público aliado ao DEM, e mais em demarcar uma posição agressiva de culpabilização de quem resiste a uma práxis por demais similar à capitulação petista e ao abandono de bandeiras histórias da esquerda, que nos opõe a partidos como DEM et caterva, guarda uma similaridade na desqualificação que a direita costuma mirar por sobre os socialistas, sendo sempre chamados de “incapazes de compreender” atos de profundo esbulho e que possuem o desagradável odor de traição, nas lutas cotidianas.

A gravidade cometida em Belém, embora tenha outras tonalidades, também guarda em si um enorme problema cuja similaridade aos malfeitos de Macapá está na lógica do ganho eleitoral ao custo de toda e qualquer limitação exposta por uma construção socialista capilar do partido como oposição à esquerda do Governo Lula/Dilma.

Além da gravidade de negociar no segundo turno mais do que o apoio do PT ao candidato Edmilson Rodrigues, mas também o apoio do PSOL em Belém ao governo Lula/Dilma, com gravação de apoio do próprio Lula, da presidente Dilma e dos Ministros Mercadante e Marta Suplicy, a campanha para prefeito o fez em desacordo com a direção municipal, levando não só constrangimento a todo do partido, empenhado em lutar contra o governo em várias frentes, principalmente em 2012 na longa greve do funcionalismo das instituições federais de ensino superior, mas, sobretudo, também levou a uma divisão entre seus quadros, que poderá resultar em efeitos nefastos para o partido no Pará.

Além de confundir fronteiras entre ‘receber o apoio do PT’ em um quadro eleitoral polarizado, com ‘construir a defesa de um governo que opõe nossa postura partidária em construir uma esquerda socialista conseqüente e alternativa a linha social-liberal do PT’, subordinada aos interesses da grande burguesia brasileira e internacional, a campanha de Edmilson Rodrigues tornou-se de fato, seu representante, um braço político da linha social liberal ao ter em seu programa Lula, Dilma e Aloísio Mercadante louvando seu governo, promovendo um escárnio simbólico da campanha majoritária em Belém para com lutadores e lutadoras que resistiram à nefasta política educacional do governo federal, sendo tratados como vagabundos pelo governo ao qual a campanha se vinculava, ao passo que deveria ser firme oposição a ele.

A campanha Edmilson ao transformar um natural, nas circunstâncias, apoio do PT, em venda do apoio do PSOL, aos governos do PT, também errou ao adotar o discurso combatido pelo partido país afora, que colocava quem se aproximava do governo federal como possuidor de “facilidades” em investimentos, discurso este combatido no Rio de Janeiro, em Fortaleza e Salvador, não só por ser este um discurso despolitizado e falacioso, similar ao coronelismo dos aliados ao governo federal, como também simbolizar a total subserviência a mecanismos viciados de governo.

Tão grave quanto os fato relatados acima, foi a postura do presidente do Partido ao optar por uma explicação dos graves feitos em Macapá e Belém de forma insuficiente, como também foram os ataques que fez a quem discordava, como “expositores do partido”, ao fazer uso de sua figura partidária para atacar a campanha em São Paulo como uma espécie de vingança pessoal por ter sido preterido pelo coletivo municipal.


O presidente do partido agiu como ‘chefe de tendência’ e não como quem tem responsabilidade política, administrativa e orgânica de zelador das resoluções partidárias. Ao tomar parte como integrante da ala defensora das práticas levadas a cabo em Belém e Macapá, atos estes praticados por membros de sua corrente, Ivan Valente foi conivente com estas ações e cometeu uma irresponsabilidade que não condiz como cargo que ocupa. Ou seja, ao não agir como presidente e sim como membro e chefe da corrente a qual também pertencem Clécio e Randolfe Rodrigues, Ivan Valente deslegitimou-se como presidente do PSOL, pois não mais tem legitimidade política para mediar as relações no conjunto do partido.

Diante do exposto, o Setorial Nacional Ecossocialista Paulo Piramba do PSOL se vê na necessidade de emitir uma moção de repúdio às campanhas de Macapá e Belém que, mesmo em Macapá onde foi eleitoralmente vitoriosa, expuseram negativamente o partido perante a sociedade, construíram meios de ataque de nossos adversários onde vencemos politicamente (em cenários muito mais duros), afastaram conquistas feitas na base e atacaram lutas construídas coletivamente por sindicalistas, ecologistas e estudantes, juventude e a sociedade que busca uma alternativa à herança maldita que o PT legou à esquerda. Esta ‘herança maldita’, por sua vez, pareceu ser muito similar àquela vendida como ‘panacéia’ pela direção, em conluio com Randolfe Rodrigues e Clécio em Macapá, e com o desastre cometido por Edmilson em sua campanha em Belém.

Por último, o Setorial Nacional Ecossocialista Paulo Piramba do PSOL solicita a constituição de uma Comissão de Ética, tratando dos atos de todos os que desrespeitaram as resoluções partidárias, ultrapassaram as fronteiras éticas e limites definidos por diversas instâncias partidárias, a exemplo da ação de Randolfe Rodrigues, colocando-se em confronto aberto ao que decidiu o diretório de Rio Branco no Acre, quando apoiou um candidato petista no segundo turno naquela capital e atropelou decisões de instâncias do partido em vários níveis.



PS: Esta nota teve como base a nota votada por sete membros da Executiva Nacional do PSOL na reunião realizada no dia 08/11/2012.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Das resistências e primaveras

Quando a gente fala em resistência se pensa imediatamente em resistência armada, pedras, tiros, coquetel molotov. 

A resistência tem imediatamente a marca de impedir sob quaisquer meios que o outro, o opressor, nos estupre, avilte, domine. Ela é a marca da ação, ela é a marca da força em sentido invertido, mesmo que derrotada, esmagada.

Essa percepção não está incorreta, não parte de uma visão tosca, míope ou reducionista, resistir é também combater e o ato do combate tem em si mesmo a eloquência visual e filosófica, é claro, tem efeito imediato.

O combate no entanto não é a única forma de resistência. A resistência se dá também pela afirmação de identidade, pela negociação, pela organicidade e organização de grupos.

Estudando a escravidão no Brasil a gente percebe que a visão do combate como forma de libertação parte da visão da liberdade como um horizonte perceptível para o escravo, como se um objetivo a ser alcançado, quando em um sistema escravista a concepção de liberdade só era possível para quem algum dia foi livre antes. 

Ou seja, o africano ao chegar tinha a ideia de liberdade clara, por ter sido livre, mas o escravo, nascido na escravidão, não tinha em seu horizonte um conceito de liberdade como opositor à seu estado de escravo, a escravidão era para ele natural.

A ideia de liberdade era tida como um conceito universal, mas esse conceito universal partia da concepção alienígena ao escravo, especialmente o crioulo, e também partia do princípio que havia uma identidade negra concreta, uma consciência "negra" que unificava africanos e  crioulos em um só desejo de se libertar do jugo do senhor.

A própria ideia de uma consciência unificada parte de uma natural união entre africanos e crioulos a partir da unidade fenotípica, ou seja, a partir da ideia de que por serem negros se uniriam por uma identidade de cor de pele, ignorando diferenças entre nações africanas e mesmo entre concepções de realidade entre africanos, nascidos livres e transpostos à força para a condição de escravos, e crioulos, nascidos escravos e imersos na naturalização da escravidão, no entendimento da escravidão como algo dado.

Mesmo a liberdade como um conceito unificador parte do princípio que coletivamente era algo claro no horizonte da razão da diversidade do povo preto aqui vivente. O que se esquece é que quando o Malê falava em liberdade não incluía automaticamente o Mina ou o Nagô, nem tampouco entendia o crioulo como não escravizável, sendo todos negros.

Por isso o escândalo em torno da descoberta de negros escravos possuidores de escravos ou negros forros que adquiriam novos escravos ou de revoltosos escravos africanos que entendiam a escravização de escravos crioulos em um reino africano na América como algo extremamente natural se sua nação fosse liberta. Esse escândalo parte da ideia da liberdade como valor universal para aquela população e não como o contrário, como a liberdade sendo um valor alienígena dentro de um sistema existente durante mais de trezentos anos.

Além disso, o escândalo de negros escravizando negros, usado de forma hipócrita para justificar a escravidão pela direita moderna, também parte da ideia de que a cor da pele unificaria naturalmente as nações africanas aqui escravizadas ou que um sistema longevo que permeava todas as camadas da sociedade durante trezentos, mundialmente falando,  não seria entendido como um sistema que construísse  uma leitura do real, reproduzida geração a geração e criando muros invisíveis nas cidades e nas consciências de negros, brancos, livres ou escravos.

A própria ideia de que a cor da pele produz identidade automática é de certa forma racista, pois não parece perceber que Alemães, Portugueses, Espanhóis, Catalães, Bascos, Irlandeses e Ingleses podem ser brancos, mas não esquecem suas diferenças nacionais e culturais.

Dentro desse entendimento a lógica da resistência muda de eixo para toda e qualquer ação que permitisse algum tipo de cunha no mecanismo de opressão a que estava exposto o escravo, africano ou crioulo, e por isso que o escravo crioulo tendo a escravidão como fator natural, dado, constituía essa resistência nas confrarias religiosas, nas associações que lhes permitisse via união organizada, organicidade, mecanismos de minimização da opressão e ganhos reais, inclusive de status social, e de ação coletiva que inclusive tomasse para si a tarefa de libertação de alguns dos associados escravizados sob o jugo de senhores especialmente cruéis.

Pelas irmandades e associações os escravos conquistavam inclusive uma humanidade retirada deles em sua condição de peças, de um tipo de vida com status análogo do de um animal de carga, de trabalho. Demarcavam também diferenças entre crioulos, nascidos no Brasil, e  africanos e como essa diferença era entendida no plano social, com os Crioulos tendo proeminência nas associações.

Neste aspecto se não podemos unir no mesmo saco de gatos africanos e crioulos, nem mesmo as diversas nações de africanos, a consciência da situação de sofrimento e de necessidade de colocação, inclusive como humanos, em uma sociedade escravista fez dos pretos crioulos mestres em um tipo de resistência que lutava entrincheirada na própria sociedade que o escravizava e utilizando os mecanismos dela para a conquista de espaços próprios de ação, de melhoria de vida, inclusive de uma libertação dentro da concepção pertinente ao tempo e à sociedade: Tornando-se senhor de escravo.

Essa ideia de resistência era uma ideia concebida no interior da sociedade, não se entendia fora dela, aliás a própria ideia de uma outra sociedade era um horizonte distante, a sociedade dada, escravista, era aquela e a resistência construída em seu interior entendia-se como a resistência possível.

A resistência enquanto rompimento era uma lógica de pensamento que se excluía de uma sociedade que era, ela mesma, estruturada na lógica da escravidão como algo dado, era como se se exilasse do cotidiano, das relações sociais presentes, sem no entanto uma utopia estruturadora de uma nova sociedade, no máximo uma busca de reprodução dos também escravistas, e parte do sistema internacional que mantinha a escravidão, reinos africanos.

Em um paralelo analógico, forçado inclusive, podemos dizer que a lógica de resistência enquanto construção da revolução socialista, dentro da sociedade Brasileira, mesmo com uma utopia estruturadora, se encaixa mais no âmbito da exclusão do discurso do cotidiano do diálogo popular, da lógica de convencimento do povo e não porque a resistência não é possível, mas porque o discurso se exclui da possibilidade imaginada, da ideia de construção de algo que avance mais, pois a própria ideia de sociedade se baseia na ideia que o capitalismo é dado, de que nosso cotidiano não é possível fora da lógica de capital.

Neste entendimento podemos, também analogicamente, entender que o horizonte do consumo como alcance libertador possível é análogo ao da conquista do direito de ser senhor de escravo na sociedade escravista. 

Esse fator hoje ocorre não porque é impossível de ser mudado, mas porque a sequência de derrotas do discurso e pensamento de esquerda no âmbito da política, com inclusive a opção preferencial pela acomodação feita pelo PT a partir de 1996/98, tornou o discurso hegemônico neo-liberal como algo dado, natural, eterno e imutável, sendo impossível alcançar mudanças fora dele.

É primordial nesse sentido entender que para a reconquista do horizonte utópico que permita no longo prazo um avanço político estruturado para a superação do sistema é primeiro necessário reconhecer que hoje a utopia precisa de um horizonte reconstruído ainda dentro dos marcos possíveis, reformistas mesmo, mas construídos pela radicalização da cidadania e da democracia, pela ampliação da participação popular e re-estatização do estado. 

É preciso a reconquista do universo da utopia, a reconstrução da possibilidade de se pensar o novo, de se construir o novo. 

Para que se entenda que nada deve parecer impossível de mudar é preciso que consigamos romper a barreira da naturalização do capitalismo no horizonte, de redução do impacto do capitalismo no horizonte da sociedade, no horizonte popular. 

Para que se entenda que nada deve parecer impossível de mudar é imprescindível que consigamos convencer o mundo de que nada deve parecer natural.

Assim como para o escravo a escravidão era dado, mesmo assim a resistência era feita pela construção de mecanismos de organização é pela organização e superação das barreiras intestinas da sociedade, dos muros invisíveis, que podemos construir novamente o horizonte da utopia e assim como o abolicionismo, abrir as portas para a liberdade como horizonte possível.


Para que a revolução se torne um valor cotidiano é preciso que reconstruamos o cotidiano político, esfacelado pelo ethos neoliberal.

Para construirmos o verão é preciso tornar possível a primavera, no Rio, no Brasil, no mundo.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O nome é Utopia, mas pode chamar de esperança.

A dimensão da utopia na política é também a dimensão da transformação.

A lógica dos tempos céticos em que vivemos, tempos forjados na destruição da razão como geradora da redenção do homem como ente controlador de seu destino para além do jugo da divindade, é a lógica da práxis, do cotidiano árduo e da conquista do direito ao controle da vida através do combate. 

A redenção não é bem vista no pós-1945. Se Deus morreu em Nietzsche, a razão saiu estropiada depois do racionalíssimo holocausto e das bombas extremamente científicas que caíram sobre o Japão. 

As duas saídas do homem, ou via pensamento mágico ou pensamento científico, aprontaram das suas e deixaram o pobre filho de Adão ao léo.

Se a fé recebia o poderoso dedo da razão ao clamar "inquisição!", teve sua revanche aos gritos de "holocausto!".

No meio deste Fla x Flu, uma humanidade atônita se entregava ao ceticismo, ao consumismo, ao hedonismo e por vezes deixava a dimensão da utopia como formadora de esperanças e de energia transformadora largada num canto qualquer de seu quarto de dramas e decepções.

A utopia no entanto, residente no plano das transformações, se debatia desesperada diante das paulatinas surras que tomava desde 1924 quando a hegemonia do pragmatismo Stalinista exilava-a em Gulags concretas ou psíquicas, auxiliando a construção de um tipo de mundo onde o resultado imediato e concreto, testado, sustentava a lógica política em detrimento da inovação e da transformação. 

Todo pensamento que buscasse um tipo de ação que rompesse com o limite do imediato, confundido propositalmente com práxis, era tratado como tolice.

Anarquistas? Nefelibatas! Trotkistas? Sonhadores histéricos!

E tantas outras denominações políticas, tantos outros grupos foram reduzidos à "irrelevância" por uma "práxis" que se colocava como "transformadora" enquanto sustentava ações de curto prazo, de resolução imediata,de pouco rompimento e muito etapismo, de pouco confronto e  muita construção de aparato que contivesse a massa partidária à mão.

Foi assim no Stalinismo e é assim agora novamente.

O Stalinismo foi além dos limites da URSS, se manteve em partidos denominados comunistas, mas também penetrou na maior experiencia de esquerda mundial do pós-1980, o PT, e hoje sustenta a lógica militar, anti-utópica, desqualificadora e rebaixadora da política, ultra-fanática e formadora de um irracionalismo clubista que beira o patético.

É nesse momento que qualquer movimento de reconstrução da dimensão utópica na política, com todas as falhas possíveis de qualquer ação plena de diversidade, é tratado por simpatizantes e militantes do "maior partido de esquerda da América Latina" que conduz o leme do governo que "mudou a história deste país" como ação da direita, mesmo quando o governo que apoiam age de forma truculenta com trabalhadores em greve repetindo os feitos do governo neo-liberal do PSDB nos idos dos anos 1990.

É nesse momento em que a ação truculenta da militância petista, das direções petistas que se afastam das bandeiras originais do partido em nome da manutenção de cargos e salários na burocracia e de simpatizantes carentes do carisma sebastianista de uma liderança forte (Seria melhor com boots do exército, mas na ausencia...) vê diante de si algum tipo de alternativa surgindo.

Diante de uma alternativa que apesar de recuperadora da dimensão do sonho e da utopia, tem respostas claras, técnicas, baseadas na busca da inovação pela ação coletiva, politicamente coletiva e embasada por especialistas das maiores universidades do país; tem ações concretas politicamente relevantes e prática parlamentar de alta densidade; tem penetração, capilaridade, na juventude e na inteligentsia; tem apoio de artistas, sindicatos e professores, diante de tudo isso o outrora "maior partido de esquerda da América Latina" age como infante e junto com sua horda de "simpatizantes" das redes sociais só consegue balbuciar o rebaixamento político.

Diante do que deveria ser um constrangimento, que é o apoio a um ex-adversário nada confiável e que tem contra si indícios do apoio nada velado ao crime organizado para-estatal (As famosas milícias), o Partido dos Trabalhadores age como uma horda ameaçada. Ao invés de debater democraticamente as dissenções internas, a direção ameaça militantes de expulsão por se recusarem ao apoio a um ex-adversário que atacou virulentamente o partido e sua máxima figura pública. 

Ao invés de buscarem reduzir o prejuízo político múltiplo de seguirem apoiando figuras "aliadas" como Maluf e Sérgio Cabral, buscam construir espantalhos que se valem de artifícios que vão da mentira à irracionalidade infantilóide.

Como não conseguem um debate de pulso sobre política de esquerda diante das trapalhadas do ministério da Educação com os profissionais federais de educação, diante da capitulação e absorção da prática da privatização que tanto condenavam, preferem incentivar uma mitologia sobre os "votos do PSOL com o PSDB/DEM", enquanto o PT age como PSDB, vota com o DEM e PSDB várias vezes (Enquanto o PSOL nenhuma ou rara vez calhou de votar) e se alia eleitoralmente a DEM e PSDB em diversos lugares, em especial em São Paulo e Rio grande do Sul.

Como não há para onde fugir diante da guinada de centro-direita do governo do PT, os coordenadores das ações virtuais e cotidianas preferem agir como incentivadores da impossibilidade de qualquer discurso ou debate que possibilite um retorno à dimensão da utopia como incentivadora da inovação.

É por isso o esforço cotidiano de satanização do PSOL e nítido apavoramento diante das denuncias de Jean Willys, que expõe as omissões (Pra dizer o mínimo) do Governo Dilma/Lula diante da questão LGBT, das ações de Chico Alencar na questão da educação e no combate à corrupção, do exímio trabalho de Ivan Valente na questão do código florestal e na educação na câmara e de Randolfe tanto no combate à corrupção quanto nos debates sobre educação no Senado.

É por isso que as candidaturas de Renato Roseno e  Marcelo Freixo, especialmente esse, leva-os ao ápice da irracionalidade cotidiana e ao ataque sistemático baseado em mentiras, em deturpações e na impossibilidade de enxergarem a própria incompetência diante da dimensão transformadora da inovação, da utopia.

Porque a utopia, ainda mais a utopia que aposta em inovações, que aposta no papo reto, que aposta na horizontalização e na busca do impossível como meio de levar o improvável ao plano da realização, como um certo partido fez em 1989, essa utopia, apavora quem se agarra no limite, no quadrado mágico da estagnação

A utopia para o burocrata é como a luz para os habitantes da caverna de Platão: cega e intimida.

Porque a utopia, caracterizada como impossibilidade pelo "realista", é na verdade a dimensão da transformação e da construção coletiva, da destituição dos "sábios" e "líderes", do destronar de reis e construção da ponte do poder nas mãos do coletivo, do todo, do horizontal.

A utopia para o socialista é a ideia de que juntos construímos qualquer coisa e não a ideia de que há um sonho a ser alcançado, porque o poeta já dizia: Um sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Sonho que se sonha junto é realidade.

E a realidade transformada, a retirada de âncoras, o vislumbre da liberdade possível, palpável, concreta e construída por mais mãos que o costumeiro, construída pela infinitude de mãos que caracteriza a utopia, esse descontrole organizado chamado democracia radical; A realidade transformada, a ameaça de transformação, apavora o burocrata, apavora o autoritário. 

Por isso a dimensão da utopia na política é também a dimensão da ameaça e por isso por menor que esta seja ela é tratada como um dragão e combatida diuturnamente com a ânsia dos que buscam castrar o sonho para manter os muros altos pintados do cinza da imutabilidade.

Diante da ameaça da utopia a burocracia apavorada ostenta o orgulho ufanista, a estatística de "popularidade" enquanto a utopia só tem às mãos as fotos de gente nas ruas, o sorriso no rosto e a certeza de que, mesmo se perdermos, estamos no caminho certo.

O nome é Utopia, mas pode chamar de esperança.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Dos 18 Brumários e outras histórias

Existem muitas similaridades na história recente do PT e a da Social-Democracia europeia, incluindo o Labour Party. Existe também similaridades entre PT e PSOL, em seu modus operandi e construção de tática e estratégia política e político-eleitoral. Essas semelhanças tendem a parecer uma repetição como farsa de histórias anteriores e suas similaridades podem trazer uma sombra de inexorabilidade nos atos, nas ações políticas, na política de alianças que por sua vez tem muito menos de determinismo histórico do que de manutenção de uma cultura de organização que acaba por repetir-se pela ausência de outras formas entendidas de ação.

As Social-Democracias europeias e o PT não atuam de forma similar na migração de partidos anti-ordem para partidos da ordem porque um lei natural assim determina, mas pelo compartilhamento de tanto métodos de organização partidária quanto de métodos de profissionalização da militância, de quadros e aparelhamento do aparato do estado, sindicatos, movimentos e organizações estudantis. 

Esse modelo de organização tática, com diferenças claras de contexto, conjuntura e particularidades regionais, acabam por afastar o corpo da militância "espontânea", não orgânica, e o militante ideológico, que entende por norte um conjunto de bandeiras e políticas cujo papel de transformação é mais importante que o da manutenção. 

E a questão da oposição entre transformação e manutenção é bastante simples de entender, o partido ao estruturar-se dentro do aparato do estado ou de aparatos sociais que são parte integrante da sociedade atual, e regidos pelo sistema político-ideológico e cultural atual, acabam substituindo o objetivo de transformação e superação do sistema pela redução de danos deste até o momento em que começam a defendê-lo de forma a evitar transformações consideradas radicais, mesmo que dentre elas estejam conquistas que são ainda bandeiras levadas a cabo por liberais quando das revoluções burguesas e abandonadas por estes, recuperadas pela esquerda e de novo abandonadas.

No caso das Sociais-democracias europeias a defesa da austeridade liberal e no caso do PT na defesa de mega-empreendimentos abertamente criticados por ambientalistas, na venda da defesa dos direitos LGBTT e das mulheres, no abandono de limites à aliança partidária e na participação (alguma vezes comandando) e apoio a governos que atuam atacando direitos da população mais pobre.

O preocupante disso tudo é que o espaço de atuação das forças de esquerda acaba reduzido a uma órbita de partidos que paulatinamente se afastam das lutas da esquerda, mantém refém a seu redor militância de esquerda valorosa e duvidosa do papel de alternativa desempenhado por partidos que não estão no círculo vicioso da burocratização, como o PSOL.

O PSOL não assume definitivamente o papel de alternativa à este processo de burocratização do PT exatamente por repetir alguns modelos de organização e de alianças que acabam por levar a dúvidas a quem está desiludido com as movimentações do Partido dos Trabalhadores. 

Ao mesmo tempo que o PSOL é valoroso defensor das bandeiras de esquerda abandonadas pelo PT, seus governos e muitos de seus militantes, atua no plano as alianças mantendo um perigoso desprezo à simbologia da busca do apoio do PV, que inclusive apoiou Serra. 

O PSOL também tem um perigoso domínio interno das figuras e aparatos parlamentares (excelentes parlamentares,é bom ressaltar)  e quadros que representam uma elite partidária muito mais afeita à decisões em petit comitée  do que a decisões coletivas que dependem de processos mais demorados e que envolvam um conjunto de militantes, que por irem além da claque também se tornam valorosos e incansáveis lutadores por participarem de todos os escopos das lutas e bandeiras (E candidaturas) levadas a cabo pelo partido.

A ausência de instâncias orgânicas estabelecidas e funcionais, com uma ampla capilaridade, não é falha, é também uma concepção de partido que estabeleceu um partido parlamentar e com perigosa tendência à burocratização. Isso vem menos pro uma maldade atávica e mais por uma similaridade de organização tática e estratégica, que acaba por criar elementos que parecem leis deterministas e  naturais. De tanto repetir uma mesma forma de "cortar uma madeira" cria-se um modus operandi que acaba por empiricamente reproduzir resultados similares.

Em um momento onde Lula rifa sua figura histórica ao ostentar o apoio de Maluf a Haddad em SP, onde a militância de esquerda entristece-se de ver o PT se transformar e mais que um partido da ordem, mas em um igual ao que combateu-se por anos e a candidatura Marcelo Freixo se liga a uma recuperação da esperança de uma luta aberta contra o sistema e que contenha o novo, o entusiasmo e a coragem para mudar o Estado, o sistema e a cultura do país, é fundamental termos em mente a reflexão sobre o que se quer e se fará  da forma-partido para que ela antes de tornar-se assassina de esperanças, se torne um catalisador das mesmas.

É neste quadro que é preciso e possível buscar mudanças que não torne a história da esquerda uma espécie de trabalho de sísifo sustentado em eternos 18 brumários.

PS: Não inclui Marina Silva ai, mas devia.. a lógica que gira em torno de seu modus operandi político-partidário não é muito diferente, e isso merecia uma análise mais acurada.  Vejamos se futuramente sai.

segunda-feira, 5 de março de 2012

De Tudo ao meu Amor Serei Atento


"De Tudo ao meu Amor Serei Atento" , um verso de Vinícius de Moraes.



Estranho neste espaço o amor vir e vir duas vezes. Talvez conquistando da aridez da História e da política o espaço exigente dos que não se prendem nas amarras dos versos e poesias.



Mas é o súbito do amor que garante seu espaço nessas entrelinhas transversais que antes de mais nada é fundador. Pois é o amor às gentes e às diversidades que construiu cada tijolo do espaço, como quem constrói um fortim de humanidades. Nada mais justo que um dia personificado se mostrasse como quem reconquista o espaço do individuo.



"De Tudo ao meu Amor Serei Atento" ,diz o verso. E à atenção dá um tom de ação, uma urgência de uso, utilidade, arma.



Como ser atento ao tudo, ao todo, se secessionamos? Como dividir em evangélicos, negros, pobres, ricos, velhos, novos, burros, gênios, limpos, sujos? como levar a cabo o ideal democrático, uma das faces do amor, se flexionamos a democracia em uma formação de castas submersa à máscara teórica disponível?



Como sermos o todo se não somos o dois? se não somos o outro?



Essa abordagem já foi feita teoricamente aqui de diversas formas, citando a disparidade do discurso com a prática que inclua a disputa política pelo convencimento do outro e não por sua classificação como lúmpen ou sub-humano desintelectualizado e "inconsciente' ou "alienado". Porém o que é isso sob o ponto de vista do subjetivo?



Como meio amar? como ser meio? Como ser meio humanista,. meio elitista, meio socialista?



Como amar um alguém e dizer que ama uma humanidade e ao mesmo tempo não amar o outro e buscar entender o outro para além de nossas próprias e comuns deficiências de percepção do outro como tal? Como se colocar ao lado da classe trabalhadora, mas condená-la se não ouvem Schubert ou Chico Buarque e ouvem Teló? como condená-las ao limbo dos idiotas se rezam, creem, doam seu dinheiro, fruto de seu trabalho, por sua fé? Como chamar seu deus de resultado de esquizofrenia e postar-se, a meu ver cinicamente, como seu aliado, amigo, amante?



Como ser um homem para uma mulher e recusar-se a não rotulá-la como biscate, puta, séria, trabalhadora, viva, morta, autêntica, burra? Como saber o que é o outro sem sê-lo?



Eu nasci em Deus, eu nasci de Deus. A fé é para mim  a estrutura básica do que sou. A história é vista com olhos de Exu. O amor é fruto dos braços de Oxum.  Jesus me levou pelas mãos muitas vezes, Marte idem. Ogum me dá a segurança de amar ao todo e largar-me no risco da insolvência pelo excesso de convicção que só os de Logunedé tem a sorte de manter.



Eu nasci amor, fruto de amorosa rede de gentes que carrego em cada letra. Gentes que suportam o fogo de meu pouco trato social e entendem mais do que mesmo eu consigo ver.



Me é incompreensível o humano sem a imensidão do coração tornado arma. Mesmo quando a fúria autoritária se apossa dos meus passos é o entendimento corpo e alma do humano como medida de todas as coisas, inclusive das divinas, que me conduz na busca do entendimento da diversidade, democracia e liberdade como valores máximos.



E se me é incompreensível o fundamentalismo com fé, idem o fundamentalismo sem ela. Me é incompreensível o elitismo que se coloca tutor do povo em relação à cultura, que trata o funk como sub música e samba seu avô pelas praças, assim como me é incompreensível amar uma mulher sem amar seus mundos, fundos, letras, pés, mãos, corpos, almas, cheiros e voos.



"De Tudo ao meu Amor Serei Atento" , um verso. Poderia ser um lema.

Uma lema pois que retornasse a percepção ideológica do amor como ente, parte fundamental de toda ideologia humanista, que retirasse o viés que exclui a reflexão sobre o outro do combate diário pela conquista do estado. A doação diária e sensível que faz a esquerda permanecer no combate contra a opressão capitalista, que luta contra o ethos de priorizar a propriedade por sobre a humanidade, o direito ao ter sobre o direito ao ser, este movimento é um movimento de amor, uma declaração de amor ao humano. E ouso dizer que mesmo os liberais em sua fundação humanista não são outra coisa em sua busca pela liberdade contra o estado senão apaixonados pelo humano como medida de todas as coisas. Anarquistas nem se fala, são verdadeiras Biscates ideológicas (sob o prisma do Biscate Social Clube) amam numa nice, sem crises.




Esta declaração de amor ao humano não se pode permitir racista, machista ou homofóbica. Não se pode permitir transigir com o excludente. Por isso o racismo e a misoginia me atingem, mesmo eu sendo o macho adulto branco (Sempre no comando, Caetano?) .



Sem que percebamos a dimensão do Amor, ou a subjetividade do sentimento de ação libertária como Amor, nas lutas diárias elas se transformam neste eterno arranca rabo de ocupação de espaços limitados e/ou a conquista de postos.



Não é a ideia que constrói a solidariedade intrínseca na construção de laços, é o respeito e o sincero abraço, é o riso, é o copo, é o saber-se igual, mesmo que diferente.



"De Tudo ao meu Amor Serei Atento" , um verso. Poderia ser uma práxis.