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segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Da cidade Febril à cidade partida

Para quem milita contra a criminalização da pobreza e os projetos higienistas presentes ainda hoje no discurso da "modernidade" que grassa nas bocas, mentes e corações de políticos "jovens" do PT, PMDB e mais classicamente Tucanos do velho e bom PSDB de Guerra, o livro "Cidade Febril" de Sidney Chalhoub, publicado pela Companhia das Letras, é uma importantíssima ferramenta de acumulo de informações sobre a invenção da tradição do discurso higienista como embasador da perseguição, criminalização e justificação de atentados aos direitos humanos das pessoas pobres.

Ao nos apresentar o fato notório que desde o Império há um discurso que culpa a pobreza (Nada coincidentemente ligada à pele preta) tanto pela sua condição quanto pelos perigos das grandes cidade, assim como por doenças e problemas de saneamento, Chalhoub nos dá precioso meio de identificarmos como se cria um discurso "modernizante" que através dos tempos ecoa velhos preconceitos e nada "modernos" ou "novos", métodos de construção de uma modernização conservadora, de uma modernização de fundo tecnocrático, tecnicista, que despolitiza o cotidiano e a vida da sociedade, em nome de verdades absolutas "cientificistas" que consideram tudo o que estiver fora de sua "verdade" um absoluto inexistente.

Embasados pelo discurso que culpava a moradia das pessoas pobres como culpadas pelo contágio da Febre Amarela, vilã escolhida sob o manto da omissão com que tratavam a mortandade dos pobres e pretos por tuberculose, os motores da construção da nova cidade burguesa, construída sobre os escombros da cidade "colonial", iniciavam sua fome de derrubada de um "velho" muito similar ao pobre e no erguer de um "novo" muito similar à interesses de um já nascente mercado imobiliário.

No discurso dos médicos higienistas estava a base cientifica que muito interessava a construção civil da época e a indústria de transportes, assim como o embasar de um discurso de controle social que usaria um trabalho feito por um alto funcionário da polícia de Paris, M.A.Fregiér, pra justificar a construção de uma ideia de "classes perigosas" perigosamente vinculada, pra não dizer ostensivamente e conscientemente, à noção de "classes pobres", que no Brasil ganham o adendo de "população negra".

Também havia muito interesse dos mesmos especuladores para sustentar uma ação que continha a limpeza social, a sanitária e a "estética" da cidade, em nome de um conceito de civilização que tinha como ideia da cidade perfeita uma cidade sem negros, sem pobres e sem o contágio que para os philosophos  da época (Usando um termo do próprio autor) eram quase inerentes a pobres e pretos e suas moradias.

A própria opção pelo combate à febre amarela, doença que vitimava muito mais imigrantes e brancos do que negros, em detrimento de uma política de combate à tuberculose, que vitimava mais negros que os demais, dadas as condições de alimentação e abrigo das pessoas pobres, em sua maioria negros, tem em si a opção quase óbvia e sinceramente assumida de tentar facilitar à natureza o branqueamento da população.

Há inclusive uma declaração abertamente neste sentido emitida surpreendentemente por Rui Barbosa, autor de monta e vinculado a uma ideia de liberdade e república (que parece para ele não significar a mesma coisa com negros) e que é um poço de afirmação de que para a sociedade brasileira da época, e ouso dizer que ainda hoje, o branqueamento era não só preciso, como necessário e a qualquer custo.

Rui Barbosa dizia sobre a febre amarela:

                          É um mal que só a raça negra logra imunidade, raro desmentida apenas no curso das mais violentas epidemias e em cujo obituário, nos centros onde avultava a imigração européia, a contribuição das colônias estrangeiras subia a 92 por cento sobre o total de mortos. Conservadora do elemento africano, exterminadora do elemento europeu, a praga amarela, negreira e xenófoba, atacava a existência da nação em sua medula, na seiva regeneratriz do bom sangue ariano, com que a corrente imigratória nos vem depurar as veias da mestiçagem primitiva, e nos dava, aos olhos do mundo civilizado, os ares de um matadouro da raça branca. (CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril. Companhia das Letras. Rio de Janeiro,2011. página 95).

Esses dizeres, se não repetidos com esta clareza que a um homem de seu tempo como Rui Barbosa era permitida, são a fundação de um discurso de culpabilidade de parte da população no que diz respeito aos "dramas da civilização", leia-se civilização branca, repetidos até hoje. 

Se antes o uso da febre amarela como um problema aos planos de branqueamento da população era farto e com isso se sustentava uma política que unia o bota abaixo, o derrubar das casas de pobres, o policiamento indicando que pobres e negros eram a classe perigosa, como forma de ação civilizatória, este mesmo discurso retorna com o mesmo tipo de cerco quando as remoções sob alegação de "salvar vidas em área de risco", a pacificação das áreas onde vivem os mais pobres (e pretos), levando com elas a similaridade de uma especulação imobiliária que ocupava as áreas demolidas dos cortiços (preocupantemente ocupadores de valorizadíssimas áreas para os planos dos empreendedores), a internação compulsória das vítimas da epidemia do crack.

E em tudo isso há um leve cheiro de um tradição reinventada e cuja diretriz é uma percepção de uma noção de civilidade sem direitos humanos estendidos a quem não for branco.

É impressionante também como operações de guerra se assemelham. Em 1892 a vítima foi o Cortiço "Cabeça de Porco", e em 2011 foi o Pinheirinho, em 2012 está sendo a Providência, o Terreirão e outros tantos cantos onde os interesses do estado mal ocultam interesses poderosos privados. 

A tradição inventada para a corte no século XIX, não se resume à ela em pleno século XXI, como não se resumia no século XX, e ocupa cadeiras que vão desde os famigerados tucanos até os ex-esquerdistas e hoje neoPTistas do antigo Partido dos Trabalhadores.

À esta tradição é que deve ser feita nossa resistência para que a "modernidade" e o "aprendizado" que o sistema procura nos convencer ser um avanço em direção a um "progresso" demolidor de civilizações e direitos, não nos torne vítimas de um cientificismo tecnocrático que mal oculta seu racismo, seu horror ao povo que diz defender e suas ações de "melhoria da vida" que são tão parecidas com as ações dos elitistas racialistas do Império que parece que não se segue apenas uma tradição, mas na verdade uma compreensão do mundo que hoje se tornou crime ser repetida em voz alta.


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Do Orçamento Participativo a Russomano

"O PSOL precisa aprender a fazer a política de gente Grande", se lê por ai.

"O PSOL tem de entender como funciona a política", é outro adágio.

Ambos os adágios são expressões comuns na militância do novo PT, o PT que governa, faz alianças com Maluf, Sarney, Renan, Collor, que esquece Olívio Dutra, que agora diz que experiência é fundamental para governar, assim como maioria parlamentar.

Essas expressões são a mais forte indicação da transformação do PT em partido da ordem, digo mais, na segunda fase desta transformação, onde além de entrar para a ordem o partido se torna seu mais ardoroso defensor, como se o novato que precisa provar a todo momento estar apto e de direito neste confortável lugar que ocupa no Status Quo.

A transformação não foi tão rápida quanto pensa-se. Ela começa nos idos de 1996 quando a estratégia vencedora de José Dirceu em curso a partir daquele momento pode ser resumida em uma frase proferida no Rio Grande do Sul após a perda pela direita do PT de então ( tendência Articulação, entre outras) da direção do PT nacional para a esquerda: "Vocês ganharam o partido hoje, eu vou eleger o próximo presidente da República". 

E Dirceu estava certo, elegeu o presidente da república, esmagou a esquerda, conquistou o poder, mas a que preço? Para que fim? 

Quando a famosa frase de Maquiavel, "O fim justifica os meios", andava pelas bocas douradas da Articulação havia a lógica do "fim" ser um governo transformador, popular, o ápice do programa democrático popular, a expansão do "modo petista de governar" a todo o país.

 Só que com o tempo e os recuos constantes ("Temos de ir devagar"); As opções de aliança no parlamento e fora dele ("Precisamos entender a correlação de forças"); A ampliação de poder eleitoral, aprovação e absorção pela sociedade como um todo e o sucesso de medidas pontuais de ação social ("Estamos mudando a vida das pessoas e somos populares"), o "fim" foi abandonado e se chafurda no meio.


Ao invés de transformação se busca a manutenção, ao invés da mudança,s e busca uma estabilidade eterna, fanática dentro do estado que antigamente devia ser transformado.

A militância do PT está correta: O PT aprendeu a fazer política que nem gente grande, a jogar conforme o sistema, mas não por sabedoria ou "malandragem", mas porque se tornou mais um partido do sistema, mais um membro do clube onde estavam PMDB, PP, PRB, PR, PSDB, DEM.

Quando o PT profere um 'todos fazem" ao se referir ao aparelhamento do estado e à corrupção, ele assina o atestado de igualdade com o que antes combatia.

Quando o PT profere ataques que reduzem a capacidade de uma liderança política à sua falta de experiência administrativa, ataque prioritário ao Lula pré-2002, ele assina o ponto de funcionário do sistema, de reprodutor do sistema, da tecnocracia gerencial do capitalismo.

Quando o PT ataca adversários por sua defesa à legalização do aborto, combate ao crime organizado, legalização da maconha, combate à homofobia e se serve dos mais abjetos membros da sociedade em apoio a estes ataques, ele se torna não só mais um membro tímido da reação, mas um prócer do conservadorismo, nem que seja por omissão criminosa ou por apoio indireto.

Quando o PT recuou no combate à homofobia (que virou para Dilma "Propaganda de opção sexual) e fez vistas grossas A tenebrosas relações do PMDB do Rio de Janeiro (Cabral e Paes) com a milicia, tendo inclusive Paes membros de seu gabinete como deputado ligados à milicia, e membros de sua secretaria contratando milicianos, quando optou por fingir que não vê, o PT tornou-se cúmplice deste sistema que diz combater.



Ao confundir utopia e ideologia com infantilidade o PT assume que sua política adulta é na verdade capitulação ao que há de pior no plano ético, ideológico e intelectual até.

A políticas adulta do PT acaba por ir além de fazer vistas grossas, mas abraça candidatos como Elton Babu, irmão do miliciano preso Jorge Babu (Também ex-filiado ao PT), e citado na CPI das milícias por manter ainda relações com milicianos de Santa Cruz e Campo Grande no Rio de Janeiro.

Ai chamar utopia de infantil  e dizer que sua política é adulta o PT assume que a inovação e o desejo de transformar da utopia lhe parecem delírios em seu sonho de uma vida adulta onde a corrupção e degradação do indivíduo, grupos sociais e instituições são fatos consumados e garantir que as surras diárias que a população sofre nas mãos do estado não se tornem estupros é o limite máximo, e mesmo essa proposição, que é o que "dá pra fazer", é negociável diante das necessidades de manutenção de postos de poder.

Pra política adulta  do PT remoções são inevitáveis, são "coisas da vida", como diz Jorge Bittar (Secretário Municipal de Habitação do Município do Rio de Janeiro e militante do PT), e atender à proposições de Raquel Rolnick, de urbanistas da UFRJ, UFF, ligados à ONU, aos movimentos de luta pela moradia, são  nas suas palavras, infantilidades.

Pro adulto PT o povo é uma abstração que se transforma me classe média ao receber R$ 291,00 e cujas necessidades decididas de cima pra baixo são atendidas conforme a lógica tecnocrata do "Pra quem não tem nada apartamento sem infra estrutura em Cosmos, em local oprimido pro milicianos é mansão".

O PT aprendeu como funciona a política, tornou-se adulto, virou homenzinho dentro da lógica do sistema que outrora combatia e vê como infantil  a luta pela manutenção de bandeiras que a esquerda traz consigo da tradição do humanismo e soluções políticas de radicalização democrática que ele mesmo outrora defendia como seu "modo petista de governar".

Quem antes se orgulhava da maré vermelha de 1992 hoje tenta frear a primavera carioca e chama fazer comício de "estimular o culto à personalidade" e militância de "criação de fanáticos" (O que é irônico diante da transformação de Lula em Deus Pai ou "O Cara").

Quem antes criava inovações como o Orçamento Participativo, hoje cria Russomanos, e há quem ache isso bonito.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

O elitismo das Feijoadas, o rebaixamento e as Vanguardas

A lógica da tutela ao povo que permeia os ataques cotidianos a Marcelo Freixo é nítida. 

O desprezo à inteligencia alheia, especialmente à popular, abrindo fogo com o uso do mais rebaixado em política não é só manifestação de ausência de recurso de debate, é uma opção pela lógica de que o leitor a tudo engole passivamente, sem reflexão e que uma imagem é o suficiente, por valer por mil palavras, para chocar ou formar opinião.

Essa construção de paradigma do uso do rebaixamento do discurso e do uso de imagens parte do pressuposto elitista que o recurso ao argumento é um problema pois as pessoas "não entendem" e "Se cansam", por isso o recurso à fotos, montagens, frases de efeito, ad hominem, xingamentos, etc.

Essa percepção do outro como um idiota incapaz da reflexão é irmã dileta da ideia emitida por famoso jornalista da Rede Globo de que as pessoas, a maioria delas ou o dito "povo", são como o personagem Homer Simpson da série de TV "Os Simpsons", ou seja, são idiotas cuja capacidade de entendimento é limitada, vinculando escolaridade com compreensão do mundo e assim erguendo uma barreira onde uma "elite iluminada" tem de levar o "povo" pelas mãos e indicar o que é melhor para eles.

Dentro dessa tática, que é uma distorção do vanguardismo preconizado e defendido por Lênin, ampliando seu aspecto dirigista, mas optando por ignorar seu aspecto de imersão no popular, a opção por um linguajar fantástico, pelo "Fla x Flu" ideológico, pelo insuflar de estereótipos, preconceitos e até noções mentirosas sobre os adversários, satanizando-os, é similar à toda a lógica da imprensa corporativa, chamada cotidianamente de PIG (Partido da imprensa Golpista) por blogueiros e militantes  aliados ao Governo do PT e seus aliados nos estados, como o PMDB de Eduardo Paes.

Neste aspecto a tão condenada Veja tem entre seus maiores adversários seus melhores alunos.

Utilizando a lógica do rebaixamento e da aposta na ausência de entendimento dos leitores, especialmente os do povo, os Blogueiros que se dizem "progressistas, emulam Veja em um tipo de embate político que reduz o leitor a um Homer Simpson sem memória, apostando que a esquizofrenia que os move, alternando entre negação e elogios a pessoas e partidos que ora são aliados e ora adversários, não será percebida no uso, por exemplo, de uma foto de Freixo com milicianos no dia em que tomava depoimentos destes para a CPI  para rebater fotos de Eduardo Paes, em reunião com milicianos para ceder a eles via licitação a exploração econômica das Vans na cidade.

Apostam com isso que eles apontando ao leitor e à população, inclusive enviando a foto a jornais, o leitor/povo automaticamente embarca, sem refletir, sem criticar, sem avaliar.


Em sua sanha de desprezo à inteligência popular buscam satanizar adversários que tem a seu lado uma imagem consolidada de enfrentamento ao ponto de sofrer cotidianas ameaças de morte.

Chamam de "Frouxo" um adversário ameaçado de morte e elogiam a coragem de um aliado incapaz de posturas que possam ir além de repreensão em aliados como Guaraná, Pedro Paulo, Rodrigo Bethlem, ou citados na CPI das milícias ou que organizaram reunião do atual prefeito com milicianos ou que nomearam ou milicianos ou pessoas ligadas a eles para cargos comissionados na prefeitura ou no governo do Estado do Rio de Janeiro, conforme se pode ver na matéria acima linkada ou no relatório final da CPI das milícias (Experimentem buscar no documento o nome de Rodrigo Bethlem, e dos candidatos a vereador da chapa PMDB/PT). 

Apelam pro popular arquetípico, o sambista, o sujeito que vive rindo, o "alegre" e satanizam o Funk, fazendo parte do corpo de governadores e prefeitos que ampliam a pressão sobre o funk, proibindo-o via comandos das UPPs, por exemplo, e limitando seu acesso à cultura, editais inclusive. 

O Samba torna-se o popular  possível, definido pela elite, aceito pela elite, um popular mediado pela elite, e que só pode ser feito dentro dos limites da elite, dados por ela, por isso quando ele é dito como cultura  por Marcelo Freixo, o ataque é imediato, pois o Samba não é cultura para esta elite, é evento, é festa, não é uma marca do povo, já que apreendido pela elite é apenas uma festividade pitoresca e turística.

Já o funk não, o Funk agride ao bom gosto da elite e por isso ele é atacado, inclusive pelo pai do governador, como um anátema, como algo que não precisa  e nem pode ser valorizado, não é a boa cultura ou bom gosto  que agrada à elte, que determina o que é o povo.

Tentam definir o que é o popular , mas é um popular sem povo, datado num popular de redoma, numa noção de samba, de arte popular de redoma, de gosto popular de redoma, onde o "Povo" é um ser cujas pretensões e inspirações são apenas o consumo e o  acesso a qualquer presso às migalhas doadas por "iluminados", via programas do governo que de boa ideia tornam-se limitados grilhões.

Incluem via consumo e uma redução da penúria que de bem vinda não possui ampliação no que tange à construção de um projeto sustentável de manutenção da dignidade.

Gritam "Damos casa ao povo!", mas as casas são em locais sem infra-estrutura, o mais longe possível do centro de onde as pessoas foram removidas, sem saneamento, sem segurança, muitas vezes em áreas controladas por milicianos.

Gritam "O povo agora é emponderado e consome" só que mora em casas sem finalização, morando longe, sem ônibus, tendo saúde e educação péssima, sem internet, com péssima telefonia. O cara tem Tv de Plasma pra ver TV aberta apenas, e computador pra internet discada.

Gritam "O povo vai na faculdade" é e se forma de forma parca, com péssima infra-estrutura, professores mal pagos e por vezes tendo de suar para ter o diploma porque as faculdades que dão bolsa nem sempre se preocupam em regularizar seus cursos, fora que as bolsas são limitadas a cursos que no fundo são apenas treinamento para absorção no mercado, e treinamento ruim, como Engenharias de Petróleo e Gás que não são absorvidas pelas petroleiras, ou Engenharia civil que não são aprovados nas construtoras ou o direito que não passa nas provas da OAB.

Optam pelo acesso apenas, ignoram qualidade. Pois para eles ao povo que nada tinha, o qualquer coisa é ouro.

Chamam os adversários de elitistas, mas optam por mentir a combater o crime organizado para-estatal, formado por gente ligada ao estado, por ou com relação com políticos da base aliada.

 Dizem-se populares, mas optam por se omitir a enfrentar as máfias de Transporte Público, Transporte alternativo, ao criem levado a cabo pelas milícias, às criminosas OS que prestam péssimos serviços de saúde e as desvios de dinheiro em obras de construtoras aliadas do poder, e olha que nem falei das perigosas relações relativas à Siderúrgica do Atlântico, onde os "populares" destruíram a vida de pobres pescadores dando isenção para a construção  de uma companhia em nome da geração de empregos que nunca vieram, dando licença para a destruição de áreas de proteção ambiental em nome de empregos que nunca vieram e para uma empresa acusada de usar milicianos como seguranças.

Tutelam o povo, defendem um povo de fancaria, um povo arquetípico, tido como idiota, necessitado e uma liderança paternal que não reflete, não raciocina; dizem-se populares por lançarem migalhas através da inclusão pelo consumo sendo cúmplices do transporte que aprisiona metade do dia do trabalhador; Dizem-se populares, mas são cúmplices dos criminosos que matam e oprimem a população em suas áreas onde não são enfrentados pro seus aliados; Dizem-se populares, mas não produzem mudança significativa no cotidiano da educação e saúde voltada para a população pobre.

Dizem-se populares, baseados em pesquisas, mas o são?

A vanguarda do rebaixamento político é também a vanguarda da tutela de um povo criado, arquetípico, anacrônico, de um povo de fábula que vive rindo enquanto é explorado, oprimido, que mofa no transporte público ou é assassinado pela milícia tratada com leviandade por blogs e militantes que se dizem populares, mas preferem tentar destruir quem combate as milicias do que o embate político através de defesa da cidadania.

Preferem o rebaixamento ao embate por não terem política.

Preferem o rebaixamento ao embate por desprezarem o leitor, o povo e sua inteligência.

Dizem-se populares, mas são só elitistas.


terça-feira, 18 de setembro de 2012

O lado mais torpe do Petismo e a lei de Goldwin

Hoje me deparo com acusações de fascismo a Marcelo Freixo. Fascismo, é esse o termo que encontramos aqui . 

Fascismo.

Freixo é chamado de fascista porque capitaneia uma candidatura que defende a recuperação de bandeiras históricas da esquerda, da cidadania, do orçamento participativo que gerou o modo Petista de governar a partir da eleição de Olívio Dutra em 1988,  do respeito e da discussão à e da causa LGBT, de uma planejamento para a cidade que respeita o plano diretor discutido nas universidades do Rio, que respeite as pessoas pobres, farta e violentamente removidas pela secretaria municipal de habitação de Eduardo Paes, capitaneada pelo petista histórico Jorge Bittar.

Freixo é chamado de fascista por capitanear uma candidatura que mobiliza a esquerda carioca, a população jovem, que ganha almas e corações e resiste à ditadura do pensamento único que em seu urro irracional sensacionalista aparenta uma estupidez ingênua, enquanto é na verdade uma tática de ocultação da cumplicidade criminosa com o avanço do mais perverso capitalismo, ao ponto do subprocurador geral de justiça Leonardo de Souza, representante do MP estadual, entender que a prefeitura age de forma similar ao nazismo, especialmente na secretaria municipal de habitação, capitaneada, pasmem, por Jorge Bittar, membro histórico do PT, outrora candidato à prefeitura.


O alto grau de ação coordenada militante que o PT engendra nas redes, via #RedePT13, parece ser constituída a partir da coordenação de Sérgio Telles no Rio, e  que tem no blog O Cafezinho, de Miguel do Rosário, irmão siames do Feijoada Política, e passa dos limites do debate político para a acusação criminosa, estupidificante que busca emular um olavismo (Escola retórica baseada na satanização do adversário que tem em seu maior expoente Olavo de Carvalho), mas que incorre em uma prática de calunia e difamação e de assassinato de reputação como faz Reinaldo Azevedo na Veja, que deveria ser o ápice do que não fazer para o governismo que se arvora de antítese do PIG, ou partido a imprensa golpista, conforme gritam imitando o neo-petista Paulo Henrique Amorim.

Acostumados a uma retórica que ataca a imprensa a todo momento e a atribui golpismo, o governismo capitaneado pela #RedePT13 perde a linha básica do debate político e repete a prática da imprensa que critica, seja por incapacidade de debate, por desespero de perder espaço à esquerda para o "minúsculo" PSOL, ou seja pro mau caratismo dos envolvidos mesmo, ao acusar levianamente Marcelo Freixo e o PSOL de fascismo.

Enquanto fazem isso ocultam que a dupla Paes/Cabral, apoiada efusivamente pelos "populares" governistas vai remover cerca de 9000 moradias sem contrapartida suficiente para não aumentar o já imenso déficit de moradia da cidade e para manter a lógica de satanização/ocultação usam de táticas similares a de José Serra em 2010, seja criando boatos, falsas capas da Veja, até criando um espantalho de fascismo para seu adversário.


O Petismo atual, cujo maior inimigo é a história, está tão empenhando na defesa irracional de cargos e salários em prefeituras e governos do estado que perdem até a vergonha de imitar seu maior adversário e dizer que há nazismo na militância.

Imersos na lei de Goldwyin, irresponsáveis e irracionais defensores do indefensável, os novos petistas,  chafurdam no rebaixamento do debate, na ocultação das ações criminosas que os governos do qual participam ou controlam  cometem na sanha de pagar suas dividas de campanha com as empreiteiras, suas maiores doadoras, ocultando vinculações com o crime organizado (Paes tem ao menos três candidatos citados na CPI das milicias, em sua coligação, um deles o irmão do miliciano preso Jorge Babu, Elton Babu, que é do PT) e optando preferencialmente pelo ad hominem diante do imenso problema que possuem diante de si: A completa demolição de sua ligação com a esquerda.

Imersos na lei de Goldwin além do desserviço político do rebaixamento do debate incorrem no eterno erro de chamarem pato de macaco esquecendo que quando o macaco aparecer o povo não saber e  vai chamá-lo de pato continuando a achar que macaco faz quac.

Atacam Freixo como nazista tendo entre os secretários da prefeitura um filiado ao PT acusado de práticas ilegais de remoção de moradores de comunidades carentes. 

Acusam Freixo  de candidato zona sul, mas tem entre os doadores de suas campanhas a mais alta concentração de capitalistas como Eike Batista.

Acusam Freixo de candidato das organizações Globo, mas tem em seus jornais e TVs elogios cotidianos aos governos Paes/Cabral, dos quais compõe o secretariado, inclusive a secretaria de Direitos humanos que não dá suporte e segurança aos pescadores da AHOMAR ameaçados de morte e  é ocupada pelo PT.

Em seu delírio de amor ao poder, de amor ao aparelhamento do estado e no desespero da perda de espaço e credibilidade diante do avanço do "minúsculo" PSOL, da força de seu candidato e da nítida construção e arrebatamento de uma militância, que ou estava descrente da política ou deságua em sua juventude para a prática de uma política historicamente vinculada à defesa dos direitos humanos, dos valores da cidadania e do resgate de bandeiras histórias da esquerda, que sai do campo de influência de um PT que em sua sanha pelo poder a qualquer custo trocou o valor de sua história pelo abraço a Maluf

Em seu delírio persecutório de um valor de esquerda que já morreu no PT,  os militantes do partido dos trabalhadores apelam, renegam sua história, enlameiam seu passado, despolitizam seu presente e se tornam isso: papagaios repetidores histéricos do rebaixamento político.

É uma pena que o partido que me ensinou a militar tenha se tornado isso: a marca da desonestidade política, intelectual, moral e humana.

É uma pena que em 2012 o PT caminhe mais e mais para o lado dos vencedores, aquele que Darcy Ribeiro sabiamente preferia não estar.

Vou seguir o mestre caso nossa primavera não conquiste a prefeitura, ainda é o mais sábio conselho manter-nos humanos na derrota que desumanizados na vitória.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Nomadismo e Dandismo


Os últimos anos, em nossos territórios, têm sido uma magnífica vitrine para as espécies mais curiosas de oportunismo. Os gerentes do momento, na empolgação da vitória, exigiam apoio incondicional, jogando com o pavor da aberração tucana e da devastação que ela havia deixado pra trás. E contra a tucanada, a favor da ordem & progresso, os gerentes exigiam “pragmatismo”.
Mais do que qualquer outra, “pragmatismo” se tornou a palavra de ordem do dia, sendo invocada para justificar o aperto de mãos com o coronelismo semi-feudal & o abandono de qualquer projeto de reforma agrária, os acenos para privatizações tímidas ao ponto de precisarem de novos apelidos (concessões!), o etnocentrismo renovado em Belo Monstro, e toda uma série de sintomas familiares, demasiado familiares.
Sejam pragmáticos!”, “Parem de sonhar!”, “Não se pode fazer política sem concessões!”, e toda uma coleção de enunciados do tipo, eram sons que jorravam dos ex-trabalhadores.
Os novos donos do realismo não demoraram em distribuir acusações de lacerdismo, esquerdismo, mania de princípios e outras mais aos poucos que se atreviam a fazer oposição de esquerda ao governismo. A esquerda fomos transformados em cavaleiros morais, nem mais, nem menos, enquanto o pesado fardo de uma “esquerda possível”, que conhece “a vida como ela é”, cabia aos gerentes.
Na “vida como ela é” era preciso aceitar todas as contradições postas na mesa (dos coronéis aos banqueiros, passando pelos herdeiros do ARENA) para promover o maior programa de expansão e consolidação jamais visto deste lado da galáxia.
Aos opositores, restava uma classificação pantanosa: das mil e uma flexibilidades admitidas na hora de negociar a “governabilidade”, nem meia foi usada como medida para os hereges. Aqueles que desafiavam a chefia da casa agora estavam todos com a direita, preto no branco.
O que se não se lembraram de dizer pra si mesmos é que pragmatismo – essa arte de avaliação de uma ação por suas consequências, já que “o único critério de verdade é a prática”! – não é oportunismo, que realismo não é realpolitik, que princípios e programa não são a mesma coisa. E vamos lembrando de que o mesmo grupo que hoje prega o abandono dos princípios em política em nome do oportunismo invocava, não tem muito tempo, o monopólio da moralidade política.
Justificado com uma filosofia da omelete (afinal, se queremos um governo de esquerda é preciso quebrar alguns ovos!), o sacrifício de ações necessárias e da maior parte do antigo programa político do movimento, da reforma agrária à reforma urbana, era condição necessária para a redução da pobreza e a integração social.
As palavras de ordem dos novos publicitários da situação, em todos os níveis de defesa do falso pragmatismo, falam sempre em “redução da pobreza” e “consumo de massas” nos tons mais histéricos que podem.
Um escrito recente, por exemplo, fala no asco da “velha” classe média diante das turbas incluídas no mercado consumidor, que gloriosamente “começaram a fazer turismo, a comer iogurte, beber vinho, fazer escova progressiva ou cirurgia plástica, a comprar carro, computador, tablet, tudo o que agora podem e têm direito”. E se sustentando na mágica da subida do consumo de massas, condena uma suposta pedagogia iluminista a ser aplicada ao povão, finalmente alforriado das mazelas existenciais que o perseguiam.
Belo exemplo da nova casta de publicitários da gerência: o “monstro” popular, massa selvagem e nomádica, criado pelo último ciclo econômico, é a libertação das massas em seus instintos primários e livres, contra o moralismo religioso da antiga classe média, punhado de brancos proto-fascistas.
O que dessa vez esqueceram de dizer pra si mesmos, quando requentam a tática das falsas oposições (pragmatismo X lacerdismo, dessa vez apresentado como massas-nômades X elites-sedentárias), é que popularidade não é sinal de nada além de popularidade. Como não é raro dizer por aí, também os líderes fascistas alcançavam patamares inacreditáveis de aprovação popular. Mais do que isso, a jogada dos publicitários da vez poderia passar quase despercebida: confundimos o povo por vir, como movimento de mobilização e libertação, com o “monstro” que descobre os prazeres do iogurte e do tablet.
Não se trata, jamais, de recusar o acesso das massas aos bens sociais, pelo que já queremos evitar que nos chamem de direitistas de última hora. De modo algum. Só perguntamos se o que queríamos no início era uma sociedade de consumidores, nada mais do que uma sociedade de consumidores.
O delírio que nos querem fazer engolir é o de que consumo de massas e reconstrução social são uma e a mesma coisa. Assim como a eles, o conservadorismo senhorial da classe média nos enoja. Mas também nos enoja o oportunismo desenvolvimentista, que divide lençóis com EBX, Odebrecht, ruralistas e companhia, que sacrificou um programa de ação concreto construído ao longo de uma história de lutas e ruas.
Os publicitários leem, tão de perto quando conseguem, certos pensadores franceses de 68, mas cabe lembrar que o ídolo dos publicitários, Deleuze, não era apenas um gênio da especulação selvagem. Era um gênio da especulação selvagem que até o fim da vida reivindicava a urgência de um pensamento de esquerda, do anticapitalismo, do “devir revolucionário” como acontecimento, que tinha como companheiro de escrita um militante radical vindo do extinto PSU francês.
Aprendem a reproduzir uma boa métrica, imagens barrocas e enunciados libertários – todos eles filhos de uma geração rebelde que pretendeu pensar maio de 68 e a “imaginação no poder” –, e querem fazer com que agora passem a maquiar o “monstro” consumidor.
A libertação da gerência é a expansão da liberdade de consumo a todos, projeto bastante magro pra quem quis atualizar uma real ruptura social. Resta saber se é este o grande ganho civilizatório que justifica a ruptura não com o status quo, mas com todos os movimentos que construíram esse projeto e agora se veem jogados nas sarjetas da história recente, dos órfãos de Pinheirinho aos movimentos camponeses.
A experiência não acabou, e os últimos minutos da prorrogação sugerem que as coisas não vão tão bem assim. O “monstro”, infelizmente, pode ter começado a sugerir a que veio. Sua coroação política mostra bem a maravilha produzida pelos que o amamentaram, acreditando que a integração do corpo social pelo consumo poderia substituir a integração pela expansão do espaço público e dos direitos sociais conquistados.
O suposto nomadismo das massas libertas se monstra cada vez mais como o sonho paradoxal de um dandismo intelectual que no seu romantismo tomou iogurte por moradia, tablet por terra.
Podem ser alegadas suas boas intenções, é verdade. Mas sabemos das estreitas relações que as boas intenções têm mantido com o inferno. O “monstro” são as massas consumidoras, o projeto dos ex-trabalhadores termina em uma sociedade de consumidores, e a nova cabeça do monstro, nascendo ao lado de Lula, não é o PT, é Russomanno.

Oscar Ginsberg
Oscar Ginsberg é um pseudônimo de um pensador tímido com ligações perigosas com os Iluminatti, meu amigo e companheiro de militância.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Das resistências e primaveras

Quando a gente fala em resistência se pensa imediatamente em resistência armada, pedras, tiros, coquetel molotov. 

A resistência tem imediatamente a marca de impedir sob quaisquer meios que o outro, o opressor, nos estupre, avilte, domine. Ela é a marca da ação, ela é a marca da força em sentido invertido, mesmo que derrotada, esmagada.

Essa percepção não está incorreta, não parte de uma visão tosca, míope ou reducionista, resistir é também combater e o ato do combate tem em si mesmo a eloquência visual e filosófica, é claro, tem efeito imediato.

O combate no entanto não é a única forma de resistência. A resistência se dá também pela afirmação de identidade, pela negociação, pela organicidade e organização de grupos.

Estudando a escravidão no Brasil a gente percebe que a visão do combate como forma de libertação parte da visão da liberdade como um horizonte perceptível para o escravo, como se um objetivo a ser alcançado, quando em um sistema escravista a concepção de liberdade só era possível para quem algum dia foi livre antes. 

Ou seja, o africano ao chegar tinha a ideia de liberdade clara, por ter sido livre, mas o escravo, nascido na escravidão, não tinha em seu horizonte um conceito de liberdade como opositor à seu estado de escravo, a escravidão era para ele natural.

A ideia de liberdade era tida como um conceito universal, mas esse conceito universal partia da concepção alienígena ao escravo, especialmente o crioulo, e também partia do princípio que havia uma identidade negra concreta, uma consciência "negra" que unificava africanos e  crioulos em um só desejo de se libertar do jugo do senhor.

A própria ideia de uma consciência unificada parte de uma natural união entre africanos e crioulos a partir da unidade fenotípica, ou seja, a partir da ideia de que por serem negros se uniriam por uma identidade de cor de pele, ignorando diferenças entre nações africanas e mesmo entre concepções de realidade entre africanos, nascidos livres e transpostos à força para a condição de escravos, e crioulos, nascidos escravos e imersos na naturalização da escravidão, no entendimento da escravidão como algo dado.

Mesmo a liberdade como um conceito unificador parte do princípio que coletivamente era algo claro no horizonte da razão da diversidade do povo preto aqui vivente. O que se esquece é que quando o Malê falava em liberdade não incluía automaticamente o Mina ou o Nagô, nem tampouco entendia o crioulo como não escravizável, sendo todos negros.

Por isso o escândalo em torno da descoberta de negros escravos possuidores de escravos ou negros forros que adquiriam novos escravos ou de revoltosos escravos africanos que entendiam a escravização de escravos crioulos em um reino africano na América como algo extremamente natural se sua nação fosse liberta. Esse escândalo parte da ideia da liberdade como valor universal para aquela população e não como o contrário, como a liberdade sendo um valor alienígena dentro de um sistema existente durante mais de trezentos anos.

Além disso, o escândalo de negros escravizando negros, usado de forma hipócrita para justificar a escravidão pela direita moderna, também parte da ideia de que a cor da pele unificaria naturalmente as nações africanas aqui escravizadas ou que um sistema longevo que permeava todas as camadas da sociedade durante trezentos, mundialmente falando,  não seria entendido como um sistema que construísse  uma leitura do real, reproduzida geração a geração e criando muros invisíveis nas cidades e nas consciências de negros, brancos, livres ou escravos.

A própria ideia de que a cor da pele produz identidade automática é de certa forma racista, pois não parece perceber que Alemães, Portugueses, Espanhóis, Catalães, Bascos, Irlandeses e Ingleses podem ser brancos, mas não esquecem suas diferenças nacionais e culturais.

Dentro desse entendimento a lógica da resistência muda de eixo para toda e qualquer ação que permitisse algum tipo de cunha no mecanismo de opressão a que estava exposto o escravo, africano ou crioulo, e por isso que o escravo crioulo tendo a escravidão como fator natural, dado, constituía essa resistência nas confrarias religiosas, nas associações que lhes permitisse via união organizada, organicidade, mecanismos de minimização da opressão e ganhos reais, inclusive de status social, e de ação coletiva que inclusive tomasse para si a tarefa de libertação de alguns dos associados escravizados sob o jugo de senhores especialmente cruéis.

Pelas irmandades e associações os escravos conquistavam inclusive uma humanidade retirada deles em sua condição de peças, de um tipo de vida com status análogo do de um animal de carga, de trabalho. Demarcavam também diferenças entre crioulos, nascidos no Brasil, e  africanos e como essa diferença era entendida no plano social, com os Crioulos tendo proeminência nas associações.

Neste aspecto se não podemos unir no mesmo saco de gatos africanos e crioulos, nem mesmo as diversas nações de africanos, a consciência da situação de sofrimento e de necessidade de colocação, inclusive como humanos, em uma sociedade escravista fez dos pretos crioulos mestres em um tipo de resistência que lutava entrincheirada na própria sociedade que o escravizava e utilizando os mecanismos dela para a conquista de espaços próprios de ação, de melhoria de vida, inclusive de uma libertação dentro da concepção pertinente ao tempo e à sociedade: Tornando-se senhor de escravo.

Essa ideia de resistência era uma ideia concebida no interior da sociedade, não se entendia fora dela, aliás a própria ideia de uma outra sociedade era um horizonte distante, a sociedade dada, escravista, era aquela e a resistência construída em seu interior entendia-se como a resistência possível.

A resistência enquanto rompimento era uma lógica de pensamento que se excluía de uma sociedade que era, ela mesma, estruturada na lógica da escravidão como algo dado, era como se se exilasse do cotidiano, das relações sociais presentes, sem no entanto uma utopia estruturadora de uma nova sociedade, no máximo uma busca de reprodução dos também escravistas, e parte do sistema internacional que mantinha a escravidão, reinos africanos.

Em um paralelo analógico, forçado inclusive, podemos dizer que a lógica de resistência enquanto construção da revolução socialista, dentro da sociedade Brasileira, mesmo com uma utopia estruturadora, se encaixa mais no âmbito da exclusão do discurso do cotidiano do diálogo popular, da lógica de convencimento do povo e não porque a resistência não é possível, mas porque o discurso se exclui da possibilidade imaginada, da ideia de construção de algo que avance mais, pois a própria ideia de sociedade se baseia na ideia que o capitalismo é dado, de que nosso cotidiano não é possível fora da lógica de capital.

Neste entendimento podemos, também analogicamente, entender que o horizonte do consumo como alcance libertador possível é análogo ao da conquista do direito de ser senhor de escravo na sociedade escravista. 

Esse fator hoje ocorre não porque é impossível de ser mudado, mas porque a sequência de derrotas do discurso e pensamento de esquerda no âmbito da política, com inclusive a opção preferencial pela acomodação feita pelo PT a partir de 1996/98, tornou o discurso hegemônico neo-liberal como algo dado, natural, eterno e imutável, sendo impossível alcançar mudanças fora dele.

É primordial nesse sentido entender que para a reconquista do horizonte utópico que permita no longo prazo um avanço político estruturado para a superação do sistema é primeiro necessário reconhecer que hoje a utopia precisa de um horizonte reconstruído ainda dentro dos marcos possíveis, reformistas mesmo, mas construídos pela radicalização da cidadania e da democracia, pela ampliação da participação popular e re-estatização do estado. 

É preciso a reconquista do universo da utopia, a reconstrução da possibilidade de se pensar o novo, de se construir o novo. 

Para que se entenda que nada deve parecer impossível de mudar é preciso que consigamos romper a barreira da naturalização do capitalismo no horizonte, de redução do impacto do capitalismo no horizonte da sociedade, no horizonte popular. 

Para que se entenda que nada deve parecer impossível de mudar é imprescindível que consigamos convencer o mundo de que nada deve parecer natural.

Assim como para o escravo a escravidão era dado, mesmo assim a resistência era feita pela construção de mecanismos de organização é pela organização e superação das barreiras intestinas da sociedade, dos muros invisíveis, que podemos construir novamente o horizonte da utopia e assim como o abolicionismo, abrir as portas para a liberdade como horizonte possível.


Para que a revolução se torne um valor cotidiano é preciso que reconstruamos o cotidiano político, esfacelado pelo ethos neoliberal.

Para construirmos o verão é preciso tornar possível a primavera, no Rio, no Brasil, no mundo.