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sábado, 15 de dezembro de 2012

A felicidade do negro ainda é uma felicidade guerreira

Um dos meus diletos temas é a escravidão e a "desreificação" do negro. 

Não apenas por uma questão teórica incômoda que era a lógica do negro ser um tipo específico de animal, único, raro, quase um unicórnio legendário, por oscilar de forma bipolar entre o guerreiro zumbi e o manso pai João. Também por um incômodo presente na constância do entendimento crítico tanto de algumas alas da História quanto do Marxismo vulgar de entender o analisado, seja o povo ou o negro, seja a economia ou a música, como um ente desenraizado do cotidiano, algo que pode ser retirado do dia a dia, colocado numa espécie de mesa de laboratório e esquartejado numa síntese científica que ignora solenemente o tal concreto tão claro ao velho barbudo.

A leitura e o estudo de alguns historiadores brasileiros (Chalhoub e João José Reis em especial) trouxeram um profundo alento a este que vos atormenta com a má escrita, dado que humanizaram novamente a miríade de universos que é o "povo preto", categoria esta inclusive incapaz de denominar o quão é complexo entender a totalidade do que é o negro em terras brasilis, sem falar no negro como um todo.

Quando o negro nos livros deixa de ser "O Escravo" e começa a se chamar Bonifácio, algo de brilhante e agradável ao homem, ao humanista, surge no horizonte. Quando o negro volta a ser humano perde o sutil teor europeizante reducionista, mesmo que inadvertido, que lhe vestiam explicações como a de Fernando Henrique  e Gorender que o colocavam como uma espécie de mula que ao ser provocada em excesso virava Ogum.

À questão teórica se juntava o emblemático envolvimento deste que vos fala na percepção como suas das belezas das religiões afro-originárias e sua complexidade de explicação de um real que não cabia na "coisificação" dos criadores de um panteão tão rico quanto crescente, mutável, flexível, negociante, guerreiro, submisso, matreiro.

Este "povo preto" vivo em Orixás e danças, em Sambas, Maracatus, Funks, não cabia na lógica de submetê-lo a uma camisa de força que o aprisionava em uma submissão só entendida pelas formatações rígidas de um marxismo que vinha da Europa sem aclimatar-se aos dias tropicais da complexa realidade local.

O valor  da teoria que reificava o "povo preto" é inegável diante do contexto de pioneirismo de uma leitura que não se tornava uma defensora enrustida da escravidão como um "mal necessário" para a  construção do Brasil Grande e cujos reflexos tinham sido resolvidos pela "Democracia Racial", porém sua continuidade mantendo o negro em uma posição subalterna e incapaz da miríade de resistências que construiu uma abolição nada doada pela barba branca do Imperador é também uma redução do negro a um papel secundário de sua própria história, o que nem de longe encontra sustentabilidade em documentos.

No ínterim dos meandros da história o entendimento do negro em sua complexidade que ia além do Escravo e passava a se chamar Bonifácio também não nasce da iluminação da razão, mas através do entendimento imposto pelas lutas dos próprios negros no decorrer da história, colocando-se não como vítimas indefesas da crueldade branca, mas como resistentes, como guerreiros dos mais diversos planos e modos rumo à conquista de sua liberdade.

A liberdade ainda não veio como devia, a liberdade ainda não chegou e os feitores mudaram de roupa, tornaram-se Estado e são hoje os genocidas de jovens pretos nas grandes cidades Brasileiras, no entanto o povo preto continua em sua resistência aguerrida a resistir inclusive à sua categorização como "povo burro', incapaz de "saber votar", de "saber falar", de "se representar", a resistir à tentativa de roubá-lo de sua casa, de sua comunidade, de sua educação,d e seu trabalho. 

A resistência continua, porque a felicidade do negro ainda é uma felicidade guerreira

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Ditadura, DH, Arquivos e outras Histórias

Política, direitos humanos e ditaduras são assuntos cuja relação é pra lá de fundamental a ser debatida pela esquerda. 

Não estou falando aqui só de um posicionamento a respeito,mas da percepção de seu valor como algo que está para além de opções táticas ou estratégicas de ação direta ou de linha de ação político-teórica, está além de eleições, de defesas de postura política ou de superioridade moral ou teórica desta ou aquela escola da esquerda.

São temas transversais, transversais, fundamentais, de determinação valorativa do militante e do grupo ao qual ele faz parte. Sim, estes temas, como as questões de gênero, LGBTT e raciais, são temas de formação  do militante ou grupo, ou seja, se o sujeito coloca estes temas como subalternos a uma tática ou a uma estratégia política sua ou de um grupo ele a meu ver já comete o primeiro pecado capital da burocratização da política: Escolhe entre a ação política e o cálculo de capital político e se apega ao segundo.

São essas transversalidades que a meu ver determinam o "quem é quem" na arena política. Se um grupo ou sujeito entendem que são passíveis de serem colocadas em segundo plano diante de uma possível conquista "superior", como se dissesse "Vamo revolucionar primeiro e depois a gente vê!", ele já denota não ter apego nenhum a questões que nascem do humanismo e que são apropriadas pela esquerda desde seu nascedouro.

A questão de DH, Ditadura e ação política juntas tem em si algo um tanto mais caro que é o apego à memória coletiva de uma esquerda, que triturada pelo estado ainda não tem os corpos de seus mortos para chorar, enlutar e fazer a passagem. Além de toda a questão teórico-política tem o sentido, o sentimento de viver algo e ver diante dos olhos, sob a pele de outros, torturados e mortos, a história jogada pela janela a fora enquanto se "solidificam" governos ou "estratégias revolucionárias".

Nesta questão é preciso termos em mente, e no coração, a ideia do que é a memória, do que é a politica e que a ação ai é político-sentimental sim, é de construção e luta por uma história onde nossos mortos tenham nomes, corpos, datas, causa mortis.

É preciso repetir para que fique claro,é preciso ter nesta luta o coração, um coração grande o suficiente para abarcar todas as dores, senti-las, sabe-las e assim agir.  A "frieza racional" tida por muitos na política como uma qualidade, aqui tem em si o germe também do cálculo, um cálculo que por vezes entrega anéis e dedos e se esquece do companheiro que nunca conheceu que foi esmagado por botas que são hoje engolidas em nome da "conjuntura".

Precisamos do coração, do enorme coração que goteja de sangue ao ouvir, ler, saber dos parentes, dos companheiros trucidados pelo estado hoje ocupado por um partido que deveria ter mais vermelho no coração neste tão delicado assunto e menos o pensamento em eleger o ex-ministro da Educação. 

Precisamos do coração, e talvez da cabeça quente e da rude franqueza, para irmos além do truculento ufanismo de uma "conciliação" pela governabilidade. 

É uma dura batalha,uma dura batalha com quem nunca usou pelicas pra bater. É uma dura batalha que exige mais honestidade e menos educação. Uma batalha pra construir sim uma comissão da verdade comandada pelos grupos de parentes de desaparecidos e cuja vaidade individual ou coletiva tenha de ser abandonada por uma questão maior, muito maior do que a de todos os grupos da esquerda e suas teorias que desprezam por vezes inclusive o próprio povo, chamado de idiota e ignorante por discordar de seus teóricos.

É uma batalha que precisamos lutar para construir uma comissão da verdade da sociedade que possa superar as n traições (E de traição eu entendo) do governo, do estado, da justiça, dos partidos, das pessoas nesta luta para abrir os arquivos da ditadura e punir torturadores, limpando essa nhaca da alma política do país.

É uma batalha para se organizar pontes e não controle. Sejamos catalisadores de uma união entre os grupos que já atuam na sociedade pela abertura de arquivos e punição aos torturadores.

Nesta hora guardemos nossas máscaras, bottons, interesses e oportunismos e entendamos que existem causas que superam nossa individualidade e senso de grupo e para isso precisamos organizar de alma limpa um movimento que ajuda e projetar um país onde a marca da maldade ditatorial, que está no olho da PM, no sorriso do ruralista, não seja repetida por jovens que a cada dia repetem mais o ódio do que a solidariedade e fraternidade libertárias que em algum dia Frei Tito sonhou.

É preciso de coragem, entrega e um profundo senso de dever para isso.

É preciso despir a vaidade.



sábado, 3 de setembro de 2011

A vida não está a venda

A vida não está a venda, mas parece que governos, empresários, jornais e TVs discordam. 

A ideia de educação posta na mesa é a de treinamento para o trabalho; Jornais e revistas publicam "estudos" e "orientações" de "especialistas" que dizem que quem muda de emprego é mais infeliz, que temos de dizer por patrão quando namoramos pessoas do trabalho, que temos de confiar na empresa nossos assuntos pessoais, que a empresa tem todo o direito de fuçar nossa vida pessoal, inclusive nas redes sociais; Telefônicas e Operadoras de TV e banda larga tratam nossa comunicação como se fosse uma dádiva pela qual pagamos pra ter, permitindo toda sorte de abusos que impedem nossa livre utilização da tecnologia e do serviço, público e sob concessão diga-se de passagem,  a contento, como agravante de atendimento e prestação de serviços piorarem se o cliente é de baixa renda; Os Governos e agencias "reguladoras" ignoram toda a sorte de mau atendimento e prestação de serviço e aumentam a presença das teles e outras concessionárias  como a Light, no mercado, priorizando a presença de empresas privadas e péssimas fornecedoras em planos como o PNBL ou o Luz pra todos. 

Esses são apenas alguns elementos elencados pelas recentes experiencias pessoais com os assuntos de cada chiadeira. A vida em vários níveis é posta sob o tacão de uma tecnocratização do viver e sob o critério do mercado, cujo serviço é prestado de acordo com o pagamento e de acordo com os interesses da prestadora.

Como eu vendo a força de trabalho a empresa tem o direito de usufruir minha vida como lhe convém, dando pitacos, "orientando" o viver. Com eu pago pouco meus serviços de luz, telefonia e internet, quando existem, podem ser piores e com atendimento pior. Comi eu não moro nos grandes centros ou nos centros dos grandes centros posso ter os planos de governo terceirizados para que a execução seja feita de forma mais barata e de qualquer jeito, já que conto menos no bolo de faturamento e não tenho muita noção de como é um serviço bom, seja de energia elétrica ou banda larga. Como eu sou só voto não preciso, e nem posso, reclamar do que acontece no dia a dia do governo com relação à regulação de serviços que atingem meu dia a dia, pois o mais importante é o "progresso" do país.

Daí Belo Monte tem de acontecer porque o país precisa, e o país pode mandar miseráveis e índios para a casa do famosíssimo caralho, eles são restos e perdas aceitáveis para o desenvolvimento. Assim o Plano Nacional de Banda Larga pode ser entregue às mesmas Teles que tratam o cidadão como um estorvo, o atendem de forma ridícula, lhe dão serviço falho, porque é pra pobre que nunca teve acesso e nem vai perceber que é tratado como lixo. Da mesma forma a Copa 2014 tem de acontecer porque é melhor para a imagem do pais no exterior, foda-se se pobres tem de sair da frente, serem jogados que nem lixo na casa do famosíssimo caralho, sem transporte, água, luz, internet, nada. E por um parcial fim eu tenho de aceitar que meu patrão seja uma mistura de pai com grande irmão, porque cê sabe,né? Emprego tá difícil.

 A educação que deveria ser a formadora de pessoas, cidadãos para uma sociedade justa, plena e com consciência do que é é um produto secundarizado, um treinamento de trabalhadores, uma formatação de não-gentes suscetíveis à crença imediata na palavra de especialistas e pastores, patrões, deputados e prefeitos e dóceis e obedientes cordeiros na fila indiana do dia a dia. Os professores são proletários das letras, que ao invés de serem uma massa crítica de formação são treinados de modo geral a serem uma massa de repetição da negação do esforço intelectual do aprendizado para a criação de robôs programados, jesuiticamente orientados à decoreba irrefletida.  Massacrados os professores, proletários da educação, são todos os dias mau pagos, mau vistos, tidos como párias, tidos como mercadorias indesejáveis, porém necessárias, nesse mundo supermercador de ilusões.

A escola é uma necessidade chata voltada apenas pra tornar o individuo apto a ser mandado e por isso ele odeia aquele que todo o dia vai a ele encher o saco. E por isso ama os heróis do fogo, os heróis da pátria em suas manifestações, enquanto o professor é um sujeito que quando não reclama é péssimo e quando reclama atrapalha o transito.

A vida é vendida por várias esferas da sociedade, governos, empresários, jornais e revistas. Nossa vida é vendida e viramos boiada caminhando a esmo.  A escola que deveria nos formar virou curso de especialização em ser boi, os jornais e revistas são meios de propaganda da ideia de que somos bois, nossa luz e internet são geridos por empresas que nos tangem como gado quando nos presta seu mau atendimento, os governos nos tratam ou como idiotas ou como sacos de pancada quando reclamamos. A obrigação dos governos virou dádiva, a obrigação das empresas virou produto, a obrigação dos jornais virou exceção.

A resistência a isso ainda existe, está por ai, mesmo que partidos de esquerda ainda permaneçam achando que são a luz a um povo que precisa ser "conscientizado", mal sabendo perceber que a inconsciência está nas cúpulas burocratizadas que não vêem nem seu povo filiado quanto mais o grande povo que está aí só precisando ser ouvido. A resistência à venda das vidas está nas ruas, na nossa cultura, na nossa polifonia. 

Para ouvir a resistência é preciso cuidado e calma.Cuidado pra não cair nos cantos das sereias que com belos discursos, e por vezes atuações, escondem autoritarismos e hierarquias que nos aprisionam e Calma para não assustar com o desconexo barulho que vem a nossos ouvidos. Não, não é caos, é a voz da vida, da polifônica vida coletiva, onde a síntese é autoritária e cujo objetivo maior é ser múltipla.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A vida em livros

Falo em geral de política neste espaço, que pouco é , digamos, pessoal. Porém ao ver Niara de Oliveira no Twitter e em seu ótimo Pimenta com Limão comentar o desafio de 30 livros em um mês, cocei pra escrever algo. Até porque livro é um treco que eu curto até de olhar.

A vida contada em livro é engraçada, faz a gente lembrar que leu quando criança a "Enciclopédia Disney" da Abril e que cuidava da "Enciclopédia do Escoteiro Mirim" como se fosse um bichinho de estimação. Lembrar na adolescência dos  e livros do Erich Von Daniken e seus "Eram os Deuses Astronautas?" assustando a percepção de "normalidade" fazendo ver que muita coisa era escondida e que havia algo não contado no mundo. E mesmo que depois toda aquela bobagem anti-científica e meio racista tenha se mostrado isso, uma imensa bobagem, ficou a sensação de entender que havia segredos no mundo que podiam ser desvendados.

Na mesma época comecei a ler Quintana e poesia, que junto com os Gibis de Super-Herói ocupavam minhas fantasias não eróticas. Lembro de não-livros como "V de Vingança" e "Watchmen" de Alan Morre me ensinando a ser um anarquista adolescente.Os X-Men iniciaram o que depois seria o entendimento de Malcom X e Martin Luther King.  Mas o  que tomou meu espírito e alma foi ver na TV a minissérie da Maldita "O Tempo e o vento" e depois mergulhar nos livros "O Continente", "O Retrato", "O Arquipélago", "Ana Terra" e "Um Certo Capitão Rodrigo" (Estes dois parte do primeiro) de Érico Veríssimo.


O Efeito de Érico Veríssimo naquele adolescente que pretendia ser cientista social só foi levemente equiparado na faculdade ao ler os clássicos Marx, Weber e Durkheim , mais Roberto da Matta e Levi Strauss desandando a noção de cultura, país, estado, e toda a segurança de conceitos aprendidos no velho e bom lar do Seu Gilson Policial Anarquista e coração mole. Érico Veríssimo me ensinou que "Nos grandes eu dou de prancha e nos pequenos eu dou de talho".E embora um carioca da gema como eu não seja nada parecido com um gaudério entendi e calou fundo aquele Rodrigo Cambará abusado, depois seu sobrinho Toribío e a idéia de um pampa mítico.


Guimarães chegou mais tarde, na juventude que já achava que o mundo era seu e ia por ai morar em Minas e depois voltar pra ver como o Rio andava.Seu "Grande Sertão: Veredas" abalou Madureira na minha cabeça me mostrando que eu não precisava me transformar no mauriçola e falar empolado pra ver o universo. Guimarães fez a antropologia fazer sentido. A Antropologia beijou Guimarães na boca.

Quando descobri Rubem Fonseca o Rio de Janeiro pra mim era menos lindo do que 40º, o que pra mim continuava foda e maravilhoso. "A Grande Arte" me chegou aos 30 anos como um anuncio de que eu podia ver o mundo e o Rio sem frescura e com amor, com coração e com força, mas sem a suavidade falsa do falso sorriso, do falso desejo, do falso canto de sereia. Renascer carioca me fez um bem danado. E neste período minha politica mudava eu repensava a mistura de marxismo e anarquismo que tinha na cabeça, detestava a caretice Stalinista, a sede de máquina e também a falta de concretude e discussão de outros planos de existência que via no Anarquismo prático. Malatesta era o máximo e Trotski chegava chegando via "Literatura e Revolução".

Ainda hoje passeio pelo que li em Trotski e pelo que li em Malatesta, no pouco que li do Toni Cliff, Calinicos,etc.

Quando voltei a estudar o que me libertou foi ler March Bloch, Sidney Chalhoub e seu belíssimo "Trabalho, Lar e Botequim", "Footballmania" de Leonardo Afonso Pereira, o Grande "O Negro no Futebol Brasileiro" de Mário Filho e finalmente os dois livros que mexeram mais comigo nos últimos anos: "A Formação da Classe Operária Inglesa" de E.P. Thompson que mudou minha visão de política, teoria marxista e de História, o que é claramente uma mudança e tanto num sujeito de 37 anos e pelo lado do humor "O Guia do Mochileiro das Galáxias" de Douglas Adams, livros que me deram um equivalente literário ao meu próprio humor non sense, negro, mau humorado e sordidamente inspirado em TV Pirata e Monty Python.

É um bom passeio contando a vida em alguns livros que li, ao menso os mais importantes. Tem o Deepak Chopra em "O Retorno de Merlin" que li aos 26 anos e que me interessou pela abordagem de uma forma meio "quântica" do tempo e muitos outros mais, fora os quadrinhos que ocupariam linhas e linhas.

Chorei muito em muitos livros, ri demais em outros. Mas o mais importante é que ainda tenho, hoje, a mesma relação que tinha com a "Enciclopédia dos Escoteiros Mirim", são meus amigos, trato-os como ouro.

PS: Uma das coisas que os livros muito mudaram na minha vida foi a percepção que eu tinha na adolescência e juventude de que tinha chegado às mesmas conclusões que os gênios por mim mesmo, quando as coisas eram sedimentadas pro muitas coisas, de conversas com amigos a leitura de livros, panfletos e outras coisas. Hoje acho um barato ter aprendido  com muita gente, livro e coisas e ter entendido um tanto de cosia que me permite ler um Thompson, não por eu ser um gênio, mas pelos gênios terem me ensinado, muitos destes apenas mecânicos, porteiros, amigos e irmãos que eu ouvi e não li.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Diários do Sertão - Bahia

Nova Canudos
 Viajei recentemente a trabalho pelo Nordeste e resolvi fazer uma série pequena de relatos sobre a viagem e minha impressão após um retorno à região que beirou os quinze anos. Embora a Tragédia de Realengo no Rio de Janeiro tenha me abalado, acho por bem iniciar ao menos uma reflexão sobre a viagem por estado (antes a idéia era ser geral, falando de todos) e tentar exorcizar o capeta do ódio religioso e da loucura com o trabalho e a esperança que vi naquelas plagas.

 Resolvi começar pela boa terra, menos pelo fato inenarrável de ter sido lá o início da viagem e mais pelo impacto que visualmente, nitidamente, a transformação se deu naquele estado outrora dominado pela Família Malvadeza, vulgo Magalhães. Minha condição de oposição de esquerda ao Governo Lula acredito que pode  me dar o conforto necessário para efetuar esta análise simplória, dado que não sou o tocador de bumbo e ufanista nato que perambula pelas redes sociais e internet e que acha que Dom Sebastião Nasceu em Garanhuns, mas também não me deu uma lente de irracionalismo cachorro louco que ignore as mudanças que vi. A idéia aqui não é fazer uma tese, mas um relato de impressões, ou seja, um relato impressionista e fruto de observação direta e sem sintonia fina teórica da viagem

Parque Estadual de Canudos
 Primeiramente a Bahia parece que foi sacudida por um boom economico que não se vê por aí de grátis, embora Salvador tenha me parecido caída e nada atingida pelo bumbo, o interior é um mato de gente trabalhando, lojas abrindo, motos, carros, compra, venda, escolas bacanas, formigas que sairam de uma vida calhorda de tapação de buraco e fome que se via na década de 90, quando fui pela primeira vez à Bahia.

 Salvador pra mim foi exceção disso, onde me parece que a divisão ricos e pobres continua e ganha força, com avenidonas lindas, carros importados de um lado e pobreza, cara de fome e uma violência quase palpável e olha que sou carioca da gema, morador da Zona Oeste, que pra Globo é algo entre a savana africana e a palestina ocupada.

 Salvador é bonita pra cacilda, mas ao mesmo tempo mal cuidada, o que pra um carioca da Zona Oeste é assustador, porque achava que o auge era o descaso do Eduardo "Pereira" Paes com o que sai da zona sul e Barra. A história cheira na cidade, é linda mesmo, os predinhos, a sede do Arquivo, o Farol da Barra, o Pelourinho, tudo lindo demais, mas parece que a pobreza é mais nítida, talvez por ser menos escondida do que no Reino do Jardim Botanico.

 O que me impressionou foi um policial militar responder a uma pergunta do meu companheiro de viagem sobre onde podia estacionar nas imediações do farol da Barra com a seguinte pérola: "Pra vocês (Turistas) tudo pode, relaxe, não podemos multar, aqui o ônus é ser cidadão soteropolitano".

 De Salvador partimos pra Riachão de Jacuípe, pequena cidade com excelentes escolas e um formigueiro de motocicletas, comércio,etc, depois pra Pé de Serra, Serrinha (outra linda cidade, pólo regional, muito respeito pelo Patrimonio Cultural e outro formigueiro), Tucano e Caldas do Jorro (pólo turístico e outro formigueiro), Cícero Dantas, Jeremoabo, Euclides da Cunha, Uauá, Canudos, Nova Canudos e fiquei impressionado com o quanto as cidades que antes eram nadica de nada e paraíso de coronéis e miséria viraram outra coisa, viraram formigueiros e desenvolvimento, com escolas, hospitais, projetos de cultura, fomentos,etc... Uma das coisas que me impressionou foi a quantidade de preservação de patrimonio, talvez por fomento do estado que desconheço, e a quantidade de cultura emanando.  O parque estadual de Canudos é lindo, Serrinha uma beleza.

Uauá 
Foi a partir da chegada às proximidades de Paulo Afonso que o grau de crescimento caiu e pareceu que a Bahia privatizou para a CHESF as cidades ao redor das barragens por ela controladas. Rodellas dá pena, apesar de ter um centrinho com casas grandes de gente dita rica local, mas com um entorno de descaso, tanto com as estradas, bem cuidadas nos demais locais por onde passamos  que parecem estradas do Iraque após bombardeio, quanto com as pessoas, do que ali vivenciamos a velha Bahia, com gente colocando terra em buracos em troca de trocados.

Estranhei que o dito Sertão não é mais seco e que a beleza da geografia e das pessoas tenha aparecido, é inegável que algo aconteceu a partir da presença do governo central e do governo estadual, inclusive os relatos de moradores, desde donos de hotéis até garçons e transeuntes nos confirmaram isso.

 É preciso mais, tanto pra transformar em permanente a saída das pessoas da pobreza, quanto para evitar a poluição, que cresce junto com as cidades, tanto de rios quanto do ar, quanto para avançar em políticas locais e nacionais de avanços constantes para a esquerda, mas não é ignorando as transformações o melhor caminho para a crítica. Não dá pra aceitar que as transformações sejam apenas resultado de programas que podem ser revogados e que não se tornem estruturais com redução real da desigualdade na mesma velocidade que existe a redução da pobreza, com redução dos lucros constantes de bancos através dos juros da dívida,etc. Outra coisa preocupante é a continuidade de diversos programas que ajudaram na transformação com os cortes de orçamento, mas isso não apaga o que está ocorrendo agora, embora seja preciso que mantenhamos a atenção.

Na próxima parada viajaremos pro Pernambuco.