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quinta-feira, 19 de abril de 2012

Um Índio

Muito me tira do sério determinados usos da generalização "índio".

Embora entende que a generalização é também um instrumento de diálogo e que também é uma categoria nativa, usada pelos indígenas para conosco, e que eles nos vẽem como "os Brancos', a lógica comum, cotidiana, do uso da categoria não é exatamente um modelo de pensamento criador de pontes, mas de estereótipos limitadores e desumanizadores.

Um índio para a população, mídia, escolas, e se bobear até intelectuais, é um sujeito vestido com roupa de penas, que caça e pesca seu alimento e que atrapalha usinas. Um índio serve como arquétipo de fantasias infantis ou de carnaval, como imaginário pro-ecológico "abraço na lagoa", serve para delírios de socialistas utópicos, para delírio de quem pensa no não-humano, uma espécie de duende vivo e meio vermelho que tá ali pra nos salvar da brutalidade branca ocidental.

Todos esperam um índio, aquele mesmo, que descerá de uma estrela colorida, brilhante e nos dirá o óbvio. E neste meio tempo finge não ouvir o que indígenas das etnias Pataxó Hã-Hã-Hãe estão dizendo na Bahia, o  que indígenas Krahó dizem ao observar que a ampliação de estradas próximas às reservas no Tocantins, efeito indireto de Belo Monte, acabam por ampliar exploração sexual de crianças indígenas, não ouvimos as etnias Xikrin, Parakanã, Kuruaia, Assurini do Xingu, Arara do Cachoeira Seca, Araweté, Juruna do Pakisambae que se juntam para denunciar e combater a danosa construção de Belo Monte e todos os males relacionados à elas e que concorrem inclusive para levarem a cabo um profundo ataque à elas, e que pode levá-las a problemas que incluem até a extinção.

Não ouvimos os índios quando nos dizem o que estava oculto e no que era o óbvio, mas cantamos que esperamos Um Índio, que descerá de uma estrela colorida e brilhante.

Não ouvimos os índios reais, mas fantasiamos Um Índio, pintamos nossas crianças como esse índio, desumanizamos os reais os transformando em uma fantasia, que a cada dia parece que será exatamente isso, uma fantasia, pois a realidade estará extinta.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Vamos comer Caetano?

Ouço Caetano desde sempre. Embora  me irrite por vezes suas opiniões, e as ache, em especial as sobre política e cultura, um grande mar de equívocos, suas canções tem uma presença fundamental na minha sensibilidade. O registro vocal, as questões, a própria forma de escrever as  letras, a poética, o barroco, a ironia, o riso, a dor e o lado Logunedé, tudo são elementos de proximidade.

Andava de birra com o sujeito, muita, pelas suas posições escritas em O Globo, muita birra. Ultimamente voltei a ouvi-lo como quem reencontra um velho amigo e sou surpreendido por uma entrevista dada ao jornalista Paulo Werneck, que pode ser lida aqui, onde  entre outras coisas voltamos a concordar em algumas coisas, como: "Hoje sou totalmente pela Comissão da Verdade e não acho que torturadores devam ser perdoados. Os guerrilheiros foram punidos (inclusive com tortura e morte). É enganoso equiparar os dois tipos de crime.". 

Não é preciso dizer que Luis Fernando Veríssimo já havia matado a charada que o leitor só é feliz com o colunista que concorda com ele, e vou continuar discordando do Bardo Baiano em um tanto de coisas, mas muito me deixa feliz que uma voz da qual pouco esperava ouvir coisas como esse saia um apoio explicito a uma prestação de contas pública do país com sua história.

A critica também à esquerda como por vezes comodamente uma fábrica de maniqueísmo montada na fácil ignorada básica quando o autoritarismo veste nossas roupas, que ele cita apontando para o apoio ao imperialismo Chinês no Tibet e questões da Coréia do Norte e eu aproveito para de minha parte apontar o dedão pros apoiadores dos absurdos em Belo Monte, também é outro ponto de fantástica observação, que deve sim ser elogiado.

Caetano não se tornou nenhum Lênin ou Malatesta pra mim, mas em uma ótima entrevista faz excelentes  críticas, constrói excelentes posicionamentos e se discordo dele no louvor a Mangabeira Unger tampouco vou desqualificá-lo por adotar uma vertente ideológica da qual discordo. Há um pouco de arrogância intelectual que despreza o que lhe é díspare, talvez uma versão de "Narciso acha feio o que  não lhe é espelho".



E considero um bom vento quando com toda divergência concordemos, eu e Caetano, tantos e Caetano, que precisamos sim de mais auto-crítica e passar a limpo nossa história, e que com tanta diferença possam se tocar posicionamentos que no fundo abraçam-se no humanismo.

Vamos comer Caetano? Vamos Revelarmo-nos?