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terça-feira, 13 de novembro de 2012

Eu quero ver o Tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar...

Uma das coisas que me perturbam o muquifo que é minha cabeça é a lógica da virtude atávica, inerente ao líder, à figura pública, à deputados, senadores.

Há uma tendência nos socialistas de construírem no entorno das lideranças a automática lógica de que é preciso confiar nelas em todas as suas ações.

O problema ocorre não só na base, ocorre também entre lideranças que se enxergam como detentoras da percepção formal e informalmente mais fodona da face da terra diante de meros mortais, que com suas "fraldas mijadas" enchem o saco, limitados que são na sua posição de pavimento do desfile dos grandes homens.

O entendimento da virtude inerente aos que alcançam uma posição de destaque na sociedade é detentor inclusive de um leve cheiro platônico que entende que ao alcançar determinadas posições sociais os homens enxergam longe, entendem melhor sutilezas do drama cotidiano da vida, sacam a dança melhor que a rapaziada que passeia no baixo calão do cotidiano, que dança outro tango, que pega o busão.

Esse entendimento tem um leve sabor de reprodução da hierarquização que a sociedade nos dá a um preço bastante absurdo.

Esse tipo de "detalhe" é facilmente perceptível nas defesas incontestes do grupo de Macapá por parte das figuras públicas do PSOL, que entendem que qualquer resistência à má explicada ação de "apoio" do DEM em Macapá vai de "má vontade" a "Setores intelectualizados que vivem em ambiente onde as instituições funcionam", passeando por "fraldas mijadas" e repetições ad infinitum de uma "distorção ferrenha" da imprensa que sempre deturpa as entrevistas da dupla, o que não parece ocorrer com Marcelo Freixo e Chico Alencar que quando são entrevistados dão menos interpretações dúbias, quando dão, que a dupla Macapaense.

O pedido de "confiança" para com a  dupla do Amapá, abatido a tiros pelas desastradas declarações de ambos à imprensa, é uma constante.

Os pedidos são insistentes mesmo com atitudes das dupla que vão desde vídeos, onde "empolgado pelo apoio" o Senador afirma que a relação com o DEM é pra governar, até afirmar nos jornais que o PSOL deve aceitar dinheiro de bancos e empreiteiras, o que é negado em resolução congressual. Mesmo que essas atitudes indiquem que há no mínimo um problema da dupla de manter posições que assumem e  permitirem que essa confiança nasça e cresça.

Embutido no pedido de confiança e na ação de desprezo à inteligência alheia há a noção que a cúpula dirigente, parlamentar, tem um grau acima da média de percepção do real que nosotros que da base devemos ter todos entre dez e quinze anos de idade mental, pouca formação intelectual e zero de experiência política, ao menos segundo se tira do comportamento de nossas lideranças.

Sé que esqueceram de combinar com os russos, porque além de muitos macacos velhos há também muita gente com formação intelectual, percepção embasada da realidade, experiência cotidiana nas lutas e ninguém é tão otário a ponto de não perceber que quem apresenta duas faces em geral tá escondendo uma terceira, né não?

A ideia da ausência de inteligência da base, aliada a uma virtude atávica das direções, é parte do construto mitológico de uma esquerda que é pouco afeita ao debate e a diversidade, além de entender que a função de uma base militante é menos interromper o jogo das cúpulas e mais levantar ídolos nos ombros até erguê-los aos céus dos cargos executivos.

O entendimento que a direção "sabe o que faz" e "precisa de voto de confiança" ignora um sem número de importantíssimas questões, pra mim a  principal é que o poder da burocracia encanta, e  quanto mais alto maior o encanto por um estilo de vida, pelas pessoas envolvidas na dança dos salões atapetados, que acaba tirando o gosto pela dura e cruel luta cotidiana.

E ai tome-lhe besteira comprada como solução, tome-lhe o caminho mais curto ao invés da construção segura de um alicerce para o alcance de postos mais altos, tome-lhe misturar discussão de ampliação de aliança com a absorção da aliança com o DEM, tida como apoio, como fundamental.

E tome-lhe defesa do indefensável, desqualificação de interlocutores e inversão de "culpas" quando se fala de deslealdade na reação a vídeos com um "empolgado" discurso dizendo que o DEM participaria do governo, como "exposição do partido". 

O discurso que diz que o DEM participaria de um governo do socialista PSOL não expõe o partido segundo os iluminados, mas a reação sim. 

O discurso que expõe o PSOL a uma aliança feita dizendo que o DEM participaria do governo não expõe o partido, a reação sim, esta expõe, esta reação deveria ser interna, deveria ser oculta, enquanto um ato público de aliança com o DEM é feito às claras, à disposição de qualquer detrator do Partido Socialismo e Liberdade.

Para parte da direção do partido o que expõe o partido é quem não acha que ocupar uma prefeitura, que tê-la é mais importante do que construir uma política estruturada que ocupa um espaço no imaginário da população.

Mais vale para estes setores uma prefeitura em Macapá que uma oposição estruturada por uma politica, discurso, postura à esquerda, como foi feito no Rio de Janeiro, Fortaleza e Salvador, entre outros cantos do país.

Mais vale para estes setores usarem a máquina da executiva partidária para atacar a campanha em São Paulo porque o presidente do partido em sua base foi derrotado e não foi indicado como candidato pelo partido.

Mais vale para estes setores desmentirem o que um vídeo gravado diz, invadirem o espaço institucional do Acre pra desqualificarem a decisão coletiva do diretório de Rio Branco e apoiarem o candidato do PT à revelia do partido.  

A confiança que pedem pra quem comete todos estes "equívocos" é na verdade uma carta branca, um cheque em branco. Minimizam a deslealdade de um senador da república para com um diretório inteiro do partido no Acre, mas são ferozes no apontamento como desleal de todo o processo de resistência à abjeta aproximação com a direita no Amapá.

Há duas deslealdades, há mundos diferentes, há visões diferentes com certeza.

Uma delas diz que só Macapá tem um realidade objetiva onde as instituições não funcionam e só lá os militantes socialistas enfrentam a violência e o descaso dos governos, justiça,etc. 

No Rio de Janeiro onde morreu a juíza Patrícia Acióli  onde militantes apanham  de milicianos na Zona Oeste e onde mulheres perdem a guarda de filhos abusados pelo pai porque sua denuncia é desqualificada por juiz e promotor? Ah, o Rio é um paraíso onde militam setores intelectualizados que são incapazes de entender a dinâmica singular da barbárie da "Terra de Malrboro" que é Macapá!

Na junção de uma lógica platônica de superioridade moral da direção partidária e dos parlamentares com um etnocentrismo preconceituoso que usa a "singularidade" pra justificar ações bizarras mora uma condescendência que acompanha o PSOL e acabou com milicianos filiados na cidade do Rio de Janeiro. 

Na "singularização" de Macapá age-se como se capitais fossem "rincões" e em capitais maiores e "civilizadas" não houvesse uma barbárie antiga, próxima e com instituições que funcionam sim, mas pra uma elite que em geral confia no DEM, o mesmo aliado de Macapá. 

Nesse contexto de pedido de que os "setores intelectualizados que lutam em cenários onde as instituições funcionam" e os que andam de "fraldas mijadas para ampliar seu circulo de relações" deem cheques em branco para uma dupla que tem uma imensa dificuldade de comprovar que são distorções o que parece posição política (Que aliás os acompanha desde 2010), eu prefiro esperar pra ver o Tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar.


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Das resistências e primaveras

Quando a gente fala em resistência se pensa imediatamente em resistência armada, pedras, tiros, coquetel molotov. 

A resistência tem imediatamente a marca de impedir sob quaisquer meios que o outro, o opressor, nos estupre, avilte, domine. Ela é a marca da ação, ela é a marca da força em sentido invertido, mesmo que derrotada, esmagada.

Essa percepção não está incorreta, não parte de uma visão tosca, míope ou reducionista, resistir é também combater e o ato do combate tem em si mesmo a eloquência visual e filosófica, é claro, tem efeito imediato.

O combate no entanto não é a única forma de resistência. A resistência se dá também pela afirmação de identidade, pela negociação, pela organicidade e organização de grupos.

Estudando a escravidão no Brasil a gente percebe que a visão do combate como forma de libertação parte da visão da liberdade como um horizonte perceptível para o escravo, como se um objetivo a ser alcançado, quando em um sistema escravista a concepção de liberdade só era possível para quem algum dia foi livre antes. 

Ou seja, o africano ao chegar tinha a ideia de liberdade clara, por ter sido livre, mas o escravo, nascido na escravidão, não tinha em seu horizonte um conceito de liberdade como opositor à seu estado de escravo, a escravidão era para ele natural.

A ideia de liberdade era tida como um conceito universal, mas esse conceito universal partia da concepção alienígena ao escravo, especialmente o crioulo, e também partia do princípio que havia uma identidade negra concreta, uma consciência "negra" que unificava africanos e  crioulos em um só desejo de se libertar do jugo do senhor.

A própria ideia de uma consciência unificada parte de uma natural união entre africanos e crioulos a partir da unidade fenotípica, ou seja, a partir da ideia de que por serem negros se uniriam por uma identidade de cor de pele, ignorando diferenças entre nações africanas e mesmo entre concepções de realidade entre africanos, nascidos livres e transpostos à força para a condição de escravos, e crioulos, nascidos escravos e imersos na naturalização da escravidão, no entendimento da escravidão como algo dado.

Mesmo a liberdade como um conceito unificador parte do princípio que coletivamente era algo claro no horizonte da razão da diversidade do povo preto aqui vivente. O que se esquece é que quando o Malê falava em liberdade não incluía automaticamente o Mina ou o Nagô, nem tampouco entendia o crioulo como não escravizável, sendo todos negros.

Por isso o escândalo em torno da descoberta de negros escravos possuidores de escravos ou negros forros que adquiriam novos escravos ou de revoltosos escravos africanos que entendiam a escravização de escravos crioulos em um reino africano na América como algo extremamente natural se sua nação fosse liberta. Esse escândalo parte da ideia da liberdade como valor universal para aquela população e não como o contrário, como a liberdade sendo um valor alienígena dentro de um sistema existente durante mais de trezentos anos.

Além disso, o escândalo de negros escravizando negros, usado de forma hipócrita para justificar a escravidão pela direita moderna, também parte da ideia de que a cor da pele unificaria naturalmente as nações africanas aqui escravizadas ou que um sistema longevo que permeava todas as camadas da sociedade durante trezentos, mundialmente falando,  não seria entendido como um sistema que construísse  uma leitura do real, reproduzida geração a geração e criando muros invisíveis nas cidades e nas consciências de negros, brancos, livres ou escravos.

A própria ideia de que a cor da pele produz identidade automática é de certa forma racista, pois não parece perceber que Alemães, Portugueses, Espanhóis, Catalães, Bascos, Irlandeses e Ingleses podem ser brancos, mas não esquecem suas diferenças nacionais e culturais.

Dentro desse entendimento a lógica da resistência muda de eixo para toda e qualquer ação que permitisse algum tipo de cunha no mecanismo de opressão a que estava exposto o escravo, africano ou crioulo, e por isso que o escravo crioulo tendo a escravidão como fator natural, dado, constituía essa resistência nas confrarias religiosas, nas associações que lhes permitisse via união organizada, organicidade, mecanismos de minimização da opressão e ganhos reais, inclusive de status social, e de ação coletiva que inclusive tomasse para si a tarefa de libertação de alguns dos associados escravizados sob o jugo de senhores especialmente cruéis.

Pelas irmandades e associações os escravos conquistavam inclusive uma humanidade retirada deles em sua condição de peças, de um tipo de vida com status análogo do de um animal de carga, de trabalho. Demarcavam também diferenças entre crioulos, nascidos no Brasil, e  africanos e como essa diferença era entendida no plano social, com os Crioulos tendo proeminência nas associações.

Neste aspecto se não podemos unir no mesmo saco de gatos africanos e crioulos, nem mesmo as diversas nações de africanos, a consciência da situação de sofrimento e de necessidade de colocação, inclusive como humanos, em uma sociedade escravista fez dos pretos crioulos mestres em um tipo de resistência que lutava entrincheirada na própria sociedade que o escravizava e utilizando os mecanismos dela para a conquista de espaços próprios de ação, de melhoria de vida, inclusive de uma libertação dentro da concepção pertinente ao tempo e à sociedade: Tornando-se senhor de escravo.

Essa ideia de resistência era uma ideia concebida no interior da sociedade, não se entendia fora dela, aliás a própria ideia de uma outra sociedade era um horizonte distante, a sociedade dada, escravista, era aquela e a resistência construída em seu interior entendia-se como a resistência possível.

A resistência enquanto rompimento era uma lógica de pensamento que se excluía de uma sociedade que era, ela mesma, estruturada na lógica da escravidão como algo dado, era como se se exilasse do cotidiano, das relações sociais presentes, sem no entanto uma utopia estruturadora de uma nova sociedade, no máximo uma busca de reprodução dos também escravistas, e parte do sistema internacional que mantinha a escravidão, reinos africanos.

Em um paralelo analógico, forçado inclusive, podemos dizer que a lógica de resistência enquanto construção da revolução socialista, dentro da sociedade Brasileira, mesmo com uma utopia estruturadora, se encaixa mais no âmbito da exclusão do discurso do cotidiano do diálogo popular, da lógica de convencimento do povo e não porque a resistência não é possível, mas porque o discurso se exclui da possibilidade imaginada, da ideia de construção de algo que avance mais, pois a própria ideia de sociedade se baseia na ideia que o capitalismo é dado, de que nosso cotidiano não é possível fora da lógica de capital.

Neste entendimento podemos, também analogicamente, entender que o horizonte do consumo como alcance libertador possível é análogo ao da conquista do direito de ser senhor de escravo na sociedade escravista. 

Esse fator hoje ocorre não porque é impossível de ser mudado, mas porque a sequência de derrotas do discurso e pensamento de esquerda no âmbito da política, com inclusive a opção preferencial pela acomodação feita pelo PT a partir de 1996/98, tornou o discurso hegemônico neo-liberal como algo dado, natural, eterno e imutável, sendo impossível alcançar mudanças fora dele.

É primordial nesse sentido entender que para a reconquista do horizonte utópico que permita no longo prazo um avanço político estruturado para a superação do sistema é primeiro necessário reconhecer que hoje a utopia precisa de um horizonte reconstruído ainda dentro dos marcos possíveis, reformistas mesmo, mas construídos pela radicalização da cidadania e da democracia, pela ampliação da participação popular e re-estatização do estado. 

É preciso a reconquista do universo da utopia, a reconstrução da possibilidade de se pensar o novo, de se construir o novo. 

Para que se entenda que nada deve parecer impossível de mudar é preciso que consigamos romper a barreira da naturalização do capitalismo no horizonte, de redução do impacto do capitalismo no horizonte da sociedade, no horizonte popular. 

Para que se entenda que nada deve parecer impossível de mudar é imprescindível que consigamos convencer o mundo de que nada deve parecer natural.

Assim como para o escravo a escravidão era dado, mesmo assim a resistência era feita pela construção de mecanismos de organização é pela organização e superação das barreiras intestinas da sociedade, dos muros invisíveis, que podemos construir novamente o horizonte da utopia e assim como o abolicionismo, abrir as portas para a liberdade como horizonte possível.


Para que a revolução se torne um valor cotidiano é preciso que reconstruamos o cotidiano político, esfacelado pelo ethos neoliberal.

Para construirmos o verão é preciso tornar possível a primavera, no Rio, no Brasil, no mundo.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Qualquer coisa de intermédio

A identidade do indivíduo não é algo exatamente simples de identificar, quanto mais a de um grupo ou de uma sociedade.

A miríade de formas identitárias que influenciam a construção das identidades não permite que se entenda de forma simplória o que é uma pessoa,um grupo, um coletivo,uma sociedade

O existir como homem, mulher, trans*, negro, branco, indígena, morador de Madureira, Ipanema, Porto Alegre, Pelotas, não obedece a uma simples determinação geográfica, étnica, de gênero, transgênero ou de cerne biológico.

Identidades individuais ou coletivas não nascem apenas de motivações isoladas, são um conjunto de inter influências que são também traduzidas politicamente e também se organizam e traduzem na relação com o outro, na chamada alteridade.

Identidades são construídas sim, mas antes de serem construídas no laboratório das boas intenções são interações construídas coletivamente, socialmente, historicamente e se alteram para além do controle bem intencionado da intelectualidade menos atenta a limites que permeiam nossa cultura de análise da realidade.

Universalizar conceitos pode ser mais arriscado que pular sem paraquedas do alto do Everest, ainda mais se o lastro concreto não tem uma base maior do que um palpite bem intencionado.

A identidade da população negra  como Povo Negro, por exemplo, é uma modernidade  construída no decorrer dos anos  do século XX em especial e lutou, se bobear ainda luta, contra a carga pejorativa desta categoria enquanto termo aplicado à escravos e redutor da diversidade que existia para além do fenótipo.

A categoria Negro reduzia toda a população de pele negra a membros de uma só identidade, estuprando a diferenciação entre Minas, Iorubás, Gêge, Daomé, Sudaneses, Criolos (negros nascidos no Brasil),etc.  A categoria Negro no século XIX também reduzia livres e escravos a uma mesma população, ignorando suas diferenças.

Salvo engano esta carga negativa ainda persiste e ainda divide opiniões entre a população negra mesmo após todo o trabalho militante que buscou agrupar todas as lutas dos afro-brasileiros via Movimento Negro Unificado. E mesmo após todos estes anos ainda existem lutadores que buscam a construção de outra identidade das lutas anti-racistas sob a categoria povo Preto.

Essa identidade negra ou preta  é um exemplo de como categorias construídas socialmente, com base em um misto de ação intelectual e militante, da base popular e da base intelectual, não tem nem elas mesmas uma unanimidade na construção de si mesmas como termo síntese das lutas de uma determinada população. 

E nem considerei a população não militante que não utiliza este tipo de categoria explicativa como definidora de identidade e utiliza as diversas outras categorias sociais que são utilizadas para definir a população afro-brasileira, como negão,  crioulo, pretinho, neguinho, pessoa de cor,etc, e não as tem como pejorativa como a população militante. Também não considerei quem não entende essa luta como válida, nem tampouco vê a si mesmo como alvo da discriminação e/ou opressão.Tampouco considerei questões culturais, que variam demais pra fora do confortável eurocentrismo de parte das ciências, inclusive as humanas.

Ou seja, a lógica da formação de identidades, especialmente sob o ponto de vista político, não é 
bolinho.

Podemos usar também a lógica de categorização do real a partir do feminismo também e vamos dançar em cima de categorias que incluem ou não a luta de classes,o viés racial,etc, e esta dança vai conter contradições, diversidades e como movimentos organizados têm imensa complexidade na construção de suas própria identidades, mesmo com lastro social, histórico, mesmo com amplo apoio coletivo, numérico até, e mesmo assim com tudo isso não conseguem nessa complexidade inibir o fato de apesar de parte da identidade tornar-se hegemônica ela não é unanime.


A ideia de construção da identidade coletivamente não é exatamente uma forma de imposição ou artificialização da identidade, ela é feita a partir de decisões coletivas que se organizam na luta concreta e pelas oposições e relações com a alteridade, inclusive com opositores, se consolida como identidade hegemônica.

Ninguém define uma população como Negra, por exemplo,  e sai assoviando.


A lógica vanguardista  de adotar soluções de cima pra baixo como elemento de alteração do real é um vício que não anima apenas marxistas-leninistas ferrenhos, ele tem seus efeitos nos mais fiéis fãs de Foucault, que mesmo ignorando a complexa teoria do amado mestre, insistem em construir uma luta que se propõe concreta através de uma visão que entende o real como uma forma de texto que alterando o verbo altera a correlação de forças.

Além dessa visão vanguardista levar a uma ideia de que o mundo pode ser alterado como uma espécie de frase de efeito ou numa crença de que "as palavras tem poder", há também um outro aspecto dela que é a lógica de que as pessoas, populações inteiras até, precisam da luz  da intelectualidade "capacitada".

Essa lógica da tutela pela vanguarda  de populações inteiras é muito presente na ideia de que o povo precisa da vanguarda  para ter "consciência", como se o intelectual fosse um anjo que desce da super estrutura trazendo a semente do pé de feijão pra João, enquanto este intelectual está mais pro sujeito que ri do pobre João quando este vende a vaca para ter uma semente mágica, mesmo depois do pé de feijão o levar a um reino onde o pobre João conquista sua riqueza.

À ideia da formação política se acrescenta um pouco assumido senso de que o outro não raciocina ou que lutas precisam de nós para terem visibilidade e que para isso é necessário mais do que discutir possíveis transformações de percepção do real, mas impor uma percepção do real de cima pra baixo, considerando esta imposição uma lógica quase que zapatista de libertação.

Se parte da construção artificial da identidade ou do que é o outro para depois impor esta percepção ignorando as reações da alteridade, consideradas como anátemas por desafiar algo tão legitimamente endossado no mar das boas intenções.

É a partir daí que a lógica do intelectual na torre de marfim se constrói com toda força e vapor. Porque a percepção da vanguarda de que o real é o que ela pensa ser fica mais forte do que a identificação de demandas concretas, inclusive sob o ponto de vista cognitivo e que tenham eco inclusive entre a população que se pretende atingir.

Na sanha de construir um novo mundo se busca construir um novo outro, só que ignorando que este outro já existe, em um mundo que já existe.

Se parte para uma idealização hegeliana, uma construção quase que platônica de uma realidade paralela, um mundo hermeticamente fechado, travado na ideia de sua sensacional clareza de percepção do real e voraz classificador de qualquer reação concreta como anátema, como inimiga, mesmo se esta for construída por dúvidas pertinentes, racionais, científicas até, politicas até, no campo próximo ideológico.

Na sanha de ser o outro pelo outro se esquecem do alto da vanguarda  a mediação entre identidades, a ideia do intermédio, do pilar da ponte de tédio que vai de si mesmo ao outro (Obrigado Mário de Sá Carneiro). 

Ao esquecer que na relação de alteridade não se é nem a si mesmo, tampouco o outro, e se é um misto social de construção de identidades e ações, a vanguarda  trai a si mesma na sanha da transformação global e acaba sendo um pastiche de transformação chamado gueto.

Isso vale na luta operária, na luta LGBT, na luta Feminista, em qualquer luta.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O nome é Utopia, mas pode chamar de esperança.

A dimensão da utopia na política é também a dimensão da transformação.

A lógica dos tempos céticos em que vivemos, tempos forjados na destruição da razão como geradora da redenção do homem como ente controlador de seu destino para além do jugo da divindade, é a lógica da práxis, do cotidiano árduo e da conquista do direito ao controle da vida através do combate. 

A redenção não é bem vista no pós-1945. Se Deus morreu em Nietzsche, a razão saiu estropiada depois do racionalíssimo holocausto e das bombas extremamente científicas que caíram sobre o Japão. 

As duas saídas do homem, ou via pensamento mágico ou pensamento científico, aprontaram das suas e deixaram o pobre filho de Adão ao léo.

Se a fé recebia o poderoso dedo da razão ao clamar "inquisição!", teve sua revanche aos gritos de "holocausto!".

No meio deste Fla x Flu, uma humanidade atônita se entregava ao ceticismo, ao consumismo, ao hedonismo e por vezes deixava a dimensão da utopia como formadora de esperanças e de energia transformadora largada num canto qualquer de seu quarto de dramas e decepções.

A utopia no entanto, residente no plano das transformações, se debatia desesperada diante das paulatinas surras que tomava desde 1924 quando a hegemonia do pragmatismo Stalinista exilava-a em Gulags concretas ou psíquicas, auxiliando a construção de um tipo de mundo onde o resultado imediato e concreto, testado, sustentava a lógica política em detrimento da inovação e da transformação. 

Todo pensamento que buscasse um tipo de ação que rompesse com o limite do imediato, confundido propositalmente com práxis, era tratado como tolice.

Anarquistas? Nefelibatas! Trotkistas? Sonhadores histéricos!

E tantas outras denominações políticas, tantos outros grupos foram reduzidos à "irrelevância" por uma "práxis" que se colocava como "transformadora" enquanto sustentava ações de curto prazo, de resolução imediata,de pouco rompimento e muito etapismo, de pouco confronto e  muita construção de aparato que contivesse a massa partidária à mão.

Foi assim no Stalinismo e é assim agora novamente.

O Stalinismo foi além dos limites da URSS, se manteve em partidos denominados comunistas, mas também penetrou na maior experiencia de esquerda mundial do pós-1980, o PT, e hoje sustenta a lógica militar, anti-utópica, desqualificadora e rebaixadora da política, ultra-fanática e formadora de um irracionalismo clubista que beira o patético.

É nesse momento que qualquer movimento de reconstrução da dimensão utópica na política, com todas as falhas possíveis de qualquer ação plena de diversidade, é tratado por simpatizantes e militantes do "maior partido de esquerda da América Latina" que conduz o leme do governo que "mudou a história deste país" como ação da direita, mesmo quando o governo que apoiam age de forma truculenta com trabalhadores em greve repetindo os feitos do governo neo-liberal do PSDB nos idos dos anos 1990.

É nesse momento em que a ação truculenta da militância petista, das direções petistas que se afastam das bandeiras originais do partido em nome da manutenção de cargos e salários na burocracia e de simpatizantes carentes do carisma sebastianista de uma liderança forte (Seria melhor com boots do exército, mas na ausencia...) vê diante de si algum tipo de alternativa surgindo.

Diante de uma alternativa que apesar de recuperadora da dimensão do sonho e da utopia, tem respostas claras, técnicas, baseadas na busca da inovação pela ação coletiva, politicamente coletiva e embasada por especialistas das maiores universidades do país; tem ações concretas politicamente relevantes e prática parlamentar de alta densidade; tem penetração, capilaridade, na juventude e na inteligentsia; tem apoio de artistas, sindicatos e professores, diante de tudo isso o outrora "maior partido de esquerda da América Latina" age como infante e junto com sua horda de "simpatizantes" das redes sociais só consegue balbuciar o rebaixamento político.

Diante do que deveria ser um constrangimento, que é o apoio a um ex-adversário nada confiável e que tem contra si indícios do apoio nada velado ao crime organizado para-estatal (As famosas milícias), o Partido dos Trabalhadores age como uma horda ameaçada. Ao invés de debater democraticamente as dissenções internas, a direção ameaça militantes de expulsão por se recusarem ao apoio a um ex-adversário que atacou virulentamente o partido e sua máxima figura pública. 

Ao invés de buscarem reduzir o prejuízo político múltiplo de seguirem apoiando figuras "aliadas" como Maluf e Sérgio Cabral, buscam construir espantalhos que se valem de artifícios que vão da mentira à irracionalidade infantilóide.

Como não conseguem um debate de pulso sobre política de esquerda diante das trapalhadas do ministério da Educação com os profissionais federais de educação, diante da capitulação e absorção da prática da privatização que tanto condenavam, preferem incentivar uma mitologia sobre os "votos do PSOL com o PSDB/DEM", enquanto o PT age como PSDB, vota com o DEM e PSDB várias vezes (Enquanto o PSOL nenhuma ou rara vez calhou de votar) e se alia eleitoralmente a DEM e PSDB em diversos lugares, em especial em São Paulo e Rio grande do Sul.

Como não há para onde fugir diante da guinada de centro-direita do governo do PT, os coordenadores das ações virtuais e cotidianas preferem agir como incentivadores da impossibilidade de qualquer discurso ou debate que possibilite um retorno à dimensão da utopia como incentivadora da inovação.

É por isso o esforço cotidiano de satanização do PSOL e nítido apavoramento diante das denuncias de Jean Willys, que expõe as omissões (Pra dizer o mínimo) do Governo Dilma/Lula diante da questão LGBT, das ações de Chico Alencar na questão da educação e no combate à corrupção, do exímio trabalho de Ivan Valente na questão do código florestal e na educação na câmara e de Randolfe tanto no combate à corrupção quanto nos debates sobre educação no Senado.

É por isso que as candidaturas de Renato Roseno e  Marcelo Freixo, especialmente esse, leva-os ao ápice da irracionalidade cotidiana e ao ataque sistemático baseado em mentiras, em deturpações e na impossibilidade de enxergarem a própria incompetência diante da dimensão transformadora da inovação, da utopia.

Porque a utopia, ainda mais a utopia que aposta em inovações, que aposta no papo reto, que aposta na horizontalização e na busca do impossível como meio de levar o improvável ao plano da realização, como um certo partido fez em 1989, essa utopia, apavora quem se agarra no limite, no quadrado mágico da estagnação

A utopia para o burocrata é como a luz para os habitantes da caverna de Platão: cega e intimida.

Porque a utopia, caracterizada como impossibilidade pelo "realista", é na verdade a dimensão da transformação e da construção coletiva, da destituição dos "sábios" e "líderes", do destronar de reis e construção da ponte do poder nas mãos do coletivo, do todo, do horizontal.

A utopia para o socialista é a ideia de que juntos construímos qualquer coisa e não a ideia de que há um sonho a ser alcançado, porque o poeta já dizia: Um sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Sonho que se sonha junto é realidade.

E a realidade transformada, a retirada de âncoras, o vislumbre da liberdade possível, palpável, concreta e construída por mais mãos que o costumeiro, construída pela infinitude de mãos que caracteriza a utopia, esse descontrole organizado chamado democracia radical; A realidade transformada, a ameaça de transformação, apavora o burocrata, apavora o autoritário. 

Por isso a dimensão da utopia na política é também a dimensão da ameaça e por isso por menor que esta seja ela é tratada como um dragão e combatida diuturnamente com a ânsia dos que buscam castrar o sonho para manter os muros altos pintados do cinza da imutabilidade.

Diante da ameaça da utopia a burocracia apavorada ostenta o orgulho ufanista, a estatística de "popularidade" enquanto a utopia só tem às mãos as fotos de gente nas ruas, o sorriso no rosto e a certeza de que, mesmo se perdermos, estamos no caminho certo.

O nome é Utopia, mas pode chamar de esperança.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

De perto, ninguém é normal

Uma velha discussão política no Brasil é a da nossa singularidade. Ela aparece em vários espectros da ideologia, seja no aspecto de esquerda onde se coloca que "temos nossa maneira de lidar com alianças e com o estado" seja pela direita que a usa para colocar que a política aqui deve ser mais dura com manifestações para tentar "educar nosso povo para a civilização política".

Em ambos os casos existem outros exemplos claros. Temos a defesa por parte da esquerda que "A população latino-americana entende um governante forte e carismático como fundamental e por isso as relações clássicas 'republicanas' talvez não se apliquem por aqui" e pela direita de que "O Brasil tem um atraso fundamental civilizatório e precisa de um 'choque' de xxxxxx" onde está o xxx preencha com "capitalismo", "ordem", "civilização" ou outro termo que se lembrem.

A singularidade Brasileira em ambos os casos, ou para destacar diferenças qualitativas e/ou de excepcionalidade ou  para desqualificar métodos democráticos de relação entre classes e de disputa de poder ou mesmo ainda desqualificar a luta do povo como "desordem", serve para adequar ações políticas de forças x ou y à uma realidade que só existe aqui e que por isso torna necessárias medidas de exceção, sejam elas morais,  de política de alianças ou de força.

A questão básica é que a defesa da singularidade parte de uma premissa óbvia para a sustentação de  falácias.

É óbvio que o Brasil é singular! Como o é a Argentina, o Peru, o Japão, o Chipre, os Estados Unidos, Pernambuco, Amazônia, Pelotas ou Madureira, assim como toda a unidade geográfico-populacional existente nesse mundo de meu deus e que se organizam socialmente em um espaço e com uma determinada ação política que mistura a organização institucional, questões culturais, tradições, língua,etc.

Essas singularidades no entanto não estão isoladas de questões que se consagraram com os modelos de estado ditos "burguesas" que se tornaram hegemônicos no planetinha especialmente a partir do imperialismo punk rock do fim do século XIX onde o capitalismo se espalhou fortemente no planeta se tornando hegemônico e derrubando formas de organização políticas diferentes das Europeias e tornando o modelo de estado baseado em três poderes e constituição quase que presente em todo o mundo.

Na América por exemplo, isso é muito, mas muito anterior, sendo por baixo um modelo que já é estabelecido no início do Século XIX quando dos movimentos de independência, sendo porém possível falar que a lógica de estado europeia já é presente desde antes, dado que a América era colonia de estados europeus e reproduziam em menor escala estes estados aqui.

Tradições foram inventadas e reinventadas, desde a autoritária caudilhesca centralizadora até a republicana, que se organizaram em torno das singularidades e construíram repostas próprias diante dos modelos de estado e se construíram entre oposições e situações com sua relação entre singularidades espaciais e culturais e o estado que foi se organizando entre essas pressões até hoje.

Se temos a singularidade de buscar líderes autoritários e centralizadores carismáticos, ele é tão singular quanto o sebastianismo luso, a forte presença fascista e carismática italiana ou o franquismo espanhol.

Há algo tão caudilhesco quanto o culto ao presidente dos EUA e a tradição de eleição para este cargo de membros da elite estadunidense, seja ela rural ou não, com raras exceções? Há algo tão republicano quanto a política chilena na maior parte de sua história? A construção de partidos comunistas no Brasil e Argentina e relações tão similares em sua repressão como a que ocorreu nos EUA e na Europa às forças socialistas não são exemplo de nossa tradição comum republicana?

A própria construção histórica das lutas da classe trabalhadores de imensa semelhança com as lutas ocorridas na Europa e EUA é uma singularidade? Ou talvez a singularidade seja menos exceções relacionadas a uma "impossibilidade" de construção de ações políticas que sejam pautadas em uma tradição democrática, de esquerda, republicana e ideológica e mais nossa forma particular, como a  de todos, de lidar com nossas tradições e contradições, línguas, carinhos, amores e debates, ou seja, nossa cultura dentro da tradição republicana?

A busca de nossa singularidade não pode ter em mente que nossa singularidade traz naturalizações políticas ou morais ou nos torne portadores únicos dela, enquanto cada cultura é singular diante das outras e isso também serve para a política.

É preciso sim saber a singularidade de cada local, de nosso país, língua e povo, sem no entanto esquecer que construímos um estado a partir delas, com elas e que este estado é também palco de disputas, de questões ideológicas e que é sim um estado que se encaixa em um modelo de estado burguês que não é nada singular e cujas relações internas e externas a ele se tratam também em tradições importadas e mantidas no cotidiano político transformadas sim pelas nossas singularidades, sem no entanto terem sido apagadas.

Não temos os políticos mais ladrões e nem o estado mais perdulário, não somos os singulares ineptos para a prática democrática e nem os únicos a terem parte da população amante de líderes carismáticos de esquerda ou direita, não somos os únicos que compramos ou vendemos votos e nem tampouco os poucos e parcos enfrentadores de crime organizado enfiado em política ou que possuímos escândalos de corrupção e nem precisamos mais ou menos de ditadores de esquerda ou direita para resolver todos os nossos problemas.

Uma pesquisa básica na história dos países do mundo, e eu fiz recentemente uma boa leitura da história dos EUA, aliada ao acompanhamento das notícias internacionais nos dão uma dimensão de imensa solidariedade nossa com problemas e dilemas da maioria dos países do mundo, ao menos os ocidentais. E ai nossa singularidade cai, para o drama dos ufanistas do mal e do bem e para o alívio de quem não se acha tão marciano assim.

É preciso entender que nossas particularidades e singularidades não nos mudam de planeta e que a defesa delas para além do razoável também serve a ideologias, a interesses políticos imediatos, a lógicas partidárias que no fundo são só a velha e boa puxada de brasa para sua sardinha.

É preciso estar atento a isso para não incorrermos em uma lógica atávica de nossa inadequação para a democracia, para as transformações. É preciso entendermos que nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.

Até porque de perto, ninguém é normal.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Dos 18 Brumários e outras histórias

Existem muitas similaridades na história recente do PT e a da Social-Democracia europeia, incluindo o Labour Party. Existe também similaridades entre PT e PSOL, em seu modus operandi e construção de tática e estratégia política e político-eleitoral. Essas semelhanças tendem a parecer uma repetição como farsa de histórias anteriores e suas similaridades podem trazer uma sombra de inexorabilidade nos atos, nas ações políticas, na política de alianças que por sua vez tem muito menos de determinismo histórico do que de manutenção de uma cultura de organização que acaba por repetir-se pela ausência de outras formas entendidas de ação.

As Social-Democracias europeias e o PT não atuam de forma similar na migração de partidos anti-ordem para partidos da ordem porque um lei natural assim determina, mas pelo compartilhamento de tanto métodos de organização partidária quanto de métodos de profissionalização da militância, de quadros e aparelhamento do aparato do estado, sindicatos, movimentos e organizações estudantis. 

Esse modelo de organização tática, com diferenças claras de contexto, conjuntura e particularidades regionais, acabam por afastar o corpo da militância "espontânea", não orgânica, e o militante ideológico, que entende por norte um conjunto de bandeiras e políticas cujo papel de transformação é mais importante que o da manutenção. 

E a questão da oposição entre transformação e manutenção é bastante simples de entender, o partido ao estruturar-se dentro do aparato do estado ou de aparatos sociais que são parte integrante da sociedade atual, e regidos pelo sistema político-ideológico e cultural atual, acabam substituindo o objetivo de transformação e superação do sistema pela redução de danos deste até o momento em que começam a defendê-lo de forma a evitar transformações consideradas radicais, mesmo que dentre elas estejam conquistas que são ainda bandeiras levadas a cabo por liberais quando das revoluções burguesas e abandonadas por estes, recuperadas pela esquerda e de novo abandonadas.

No caso das Sociais-democracias europeias a defesa da austeridade liberal e no caso do PT na defesa de mega-empreendimentos abertamente criticados por ambientalistas, na venda da defesa dos direitos LGBTT e das mulheres, no abandono de limites à aliança partidária e na participação (alguma vezes comandando) e apoio a governos que atuam atacando direitos da população mais pobre.

O preocupante disso tudo é que o espaço de atuação das forças de esquerda acaba reduzido a uma órbita de partidos que paulatinamente se afastam das lutas da esquerda, mantém refém a seu redor militância de esquerda valorosa e duvidosa do papel de alternativa desempenhado por partidos que não estão no círculo vicioso da burocratização, como o PSOL.

O PSOL não assume definitivamente o papel de alternativa à este processo de burocratização do PT exatamente por repetir alguns modelos de organização e de alianças que acabam por levar a dúvidas a quem está desiludido com as movimentações do Partido dos Trabalhadores. 

Ao mesmo tempo que o PSOL é valoroso defensor das bandeiras de esquerda abandonadas pelo PT, seus governos e muitos de seus militantes, atua no plano as alianças mantendo um perigoso desprezo à simbologia da busca do apoio do PV, que inclusive apoiou Serra. 

O PSOL também tem um perigoso domínio interno das figuras e aparatos parlamentares (excelentes parlamentares,é bom ressaltar)  e quadros que representam uma elite partidária muito mais afeita à decisões em petit comitée  do que a decisões coletivas que dependem de processos mais demorados e que envolvam um conjunto de militantes, que por irem além da claque também se tornam valorosos e incansáveis lutadores por participarem de todos os escopos das lutas e bandeiras (E candidaturas) levadas a cabo pelo partido.

A ausência de instâncias orgânicas estabelecidas e funcionais, com uma ampla capilaridade, não é falha, é também uma concepção de partido que estabeleceu um partido parlamentar e com perigosa tendência à burocratização. Isso vem menos pro uma maldade atávica e mais por uma similaridade de organização tática e estratégica, que acaba por criar elementos que parecem leis deterministas e  naturais. De tanto repetir uma mesma forma de "cortar uma madeira" cria-se um modus operandi que acaba por empiricamente reproduzir resultados similares.

Em um momento onde Lula rifa sua figura histórica ao ostentar o apoio de Maluf a Haddad em SP, onde a militância de esquerda entristece-se de ver o PT se transformar e mais que um partido da ordem, mas em um igual ao que combateu-se por anos e a candidatura Marcelo Freixo se liga a uma recuperação da esperança de uma luta aberta contra o sistema e que contenha o novo, o entusiasmo e a coragem para mudar o Estado, o sistema e a cultura do país, é fundamental termos em mente a reflexão sobre o que se quer e se fará  da forma-partido para que ela antes de tornar-se assassina de esperanças, se torne um catalisador das mesmas.

É neste quadro que é preciso e possível buscar mudanças que não torne a história da esquerda uma espécie de trabalho de sísifo sustentado em eternos 18 brumários.

PS: Não inclui Marina Silva ai, mas devia.. a lógica que gira em torno de seu modus operandi político-partidário não é muito diferente, e isso merecia uma análise mais acurada.  Vejamos se futuramente sai.