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terça-feira, 5 de junho de 2012

Goya: representando tensões conscientes e inconscientes de um mundo em transformação

Texto feito para um trabalho da disciplina História da Arte que cursei neste semestre com o professor Leonardo na Universidade Estácio de Sá de Madureira e que achei bom pra postar aqui.


Misa Satânica - Goya

Anticlerical, crítico e em um mundo em profunda transformação, Goya foi um artista revolucionário em um contexto espanhol de profunda opressão tanto cultural, quanto política e religiosa.

Em um quadro de uma monarquia absolutista mantendo pesado jugo sobre uma sociedade profundamente empobrecida pela sustentação da nobreza e uma Igreja Católica cujo domínio econômico-político e cultural era exposto claramente no poder da mais dura inquisição que a Europa conheceu, Goya conseguiu levar a cabo uma obra que revoluciona arte e dá margem à percepção da mudança do imaginário da época, que de absolutista passa pela via das revoluções Inglesa e Francesa a um mundo onde a burguesia torna-se atriz principal do poder.

Goya representa as contradições da sociedade espanhola, o peso da profunda hierarquização, do papel da igreja como dominante da cultura e do imaginário da sociedade, com profunda qualidade.

Saturno - Goya
O viés revolucionário não só expõe qual um grito de desabafo o quão era sufocante o país decadente chamado Espanha em uma Europa que a cada dia respirava mais e mais o ideal liberal de liberdade e que estava prestes a ver um de seus principais países, e uma das principais casas absolutistas, a França a cair sob o peso da revolta, mas avança, expõe também o impacto inconsciente do domínio político-cultural.

Os aspectos artísticos de sua obra levam a questão da opressão para além do impacto direto, também por ele representado, da opressão visível, mas retrata também da opressão indireta, da opressão pela visão do subalterno e vulnerável como atração circense (como em O Asilo dos Loucos), da opressão que libera demônios (Como os que atingiram Goya em seu colapso nervoso que acabou por deixá-lo surdo), da opressão que ostenta luxo enquanto oculta venalidade (como na pintura A Família Real) e a opressão de uma fé que se diverte ao ver o desespero e histeria diante dos parcos períodos de liberdade carnavalesca que a população miserável tinha às mãos ( Pintura O enterro da Sardinha).

A Familia Real - Goya
O reflexo artístico das contradições da época e da Espanha não se restringe às questões técnicas como a utilização do claro e escuro, das cores e formas de forma a revelar destaques, contradições e variações “impressionistas” , mas vão além ao optar pela reflexão do povo como parte fundamental de sua obra. A busca pela retratação do povo , presente não só nos retratos das Majas, mas também na pintura O Fuzilamento de 3 de Maio onde retrata o opressor francês de costas e o povo tendo face, é uma opção que representa bastante o ideário do autor, simpatizante do Liberalismo em uma Espanha absolutista e conservadora.

O Fuzilamento de 3 de Maio - Goya

A própria desilusão com o papel Francês (de certa forma Liberal) na opressão às revoltas populares na Espanha sob domínio de Napoleão, não escapa a Goya que foi testemunha ocular de uma tragédia que gerou 74,000 mortos só em Madri e Saragoça. As gravuras Os desastres da guerra e Isto é pior são exemplos claros de um clima de profundo desespero.

Esse desespero não vem de um niilismo determinista, mas de um humanismo que entra em choque com com uma realidade de profunda opressão, inclusive opressão vinda da origem de uma das revoluções que levaram a cabo as transformações liberais sonhadas pelo pintor.

O enterro da Sardinha - Goya 
Se o Partido Liberal se identificava com a revolução Francesa, e portanto se Goya se identificava, isto não poderia cegar-lhe ao ponto de negar a crítica ao que via.

Mesmo com a vitória da Inglaterra nas guerras napoleônicas, a restauração da monarquia absolutista na Espanha e a manutenção da opressão, dos tribunais e da inquisição que fazem Goya retirar-se da vida pública e adoecer em exílio voluntário no interior, tiram-lhe o espírito humanista e a ideia de que é possível manter um ideário de liberdade, mesmo vendo contradições, talvez até por isso.

O desespero da demolição de suas convicções pelo real apresenta a Goya um espírito de continuo relato do real, de representação artística de sue cotidiano de forma a tanto desabafar seu desespero quanto de gritar aos quatro ventos a existência da demolição dos sonhos, é uma denuncia antes de mais nada. Goya sofre, mas mantem-se vivo, mantém-se ativo e produzindo, revelando, mesmo de forma abstrata, uma realidade contraditória e opressiva, onde o povo a que ama continua sendo alvejado pela hipocrisia e opressão. Nas Pinturas Negras Goya expõe o desespero, mas não a impotência do autor.

Isto é o pior - Goya
A busca de representar a expressão do rela a partir de si, a partir dos seus sonhos, medos e desesperos torna-se ai uma forma de luta política que o impede de por fim à sua vida de desilusões e o permite manter o espírito de viver a concretude e expô-la, usando o que puder para isso, mesmo que não seja de forma direta e “natural”.

Goya termina sua vida em Bordeaux após escapar à terceira citação no tribunal da Inquisição Espanhola, e passa a pintar de forma exuberante representações das forças da Natureza, em O Gigante e a simplicidade e vivacidade da vida da população, tema que sempre lhe foi caro.

O sonho da razão produz monstros - Goya
Aos oitenta e um anos, um ano antes de sua morte, e entendendo-se como ainda um aprendiz Goya pintava litografias, como as que fez de um homem caminhando onde escreve “Ainda estou aprendendo” ao lado de sua assinatura, demostrando uma energia que superou tragédias e dramas pessoais.

As pinturas de Goya são mais que representações de tempos conturbados, mais inclusive que representações de seu espírito conturbado, mas de uma alma em profunda agitação e com uma profunda necessidade de expor o que via, sentia, defendia, amava.

Goya não era apenas revolucionário pela forma com que pintou, e só isso já o tornaria genial, mas também pela forma com que não se entregou ao desespero e expôs esta recusa em sua obra.



O Gigante - Goya

domingo, 15 de abril de 2012

Circunstâncias

Não sou conhecedor da obra de Ortega Y Gasset, mas a frase repetida por professores,   "O homem é o homem e a sua circunstância", é elemento comum em minhas reflexões.

Não só pelo aspecto de óbvia referencia ao homem como não isolado, como não ele nele mesmo, alheio ao mundo, como parte de uma rede de circunstancias, de  multi significações, de um contexto, mas muito pela ideia mais simples do ser só existir em comparação com o todo a seu redor.

Sem o outro o que somos? E como entender o que não somos? Como saber do outro?

Claro que qualquer antropólogo de esquina tem lá suas respostas, já eu só tenho dúvidas, dores, amores e conversas, talvez pra boi dormir. 

Porque não sei o outro, não o entendo, talvez nem o aceite, e neste limite entre o raciocínio e o aceitar,  o entender e aceitar emocional, talvez viva o homem.

É nessa forma de choques, preços, decisões, mudanças, visões, percepções e quereres que vivemos e queimamos. Talvez em revoluções e revoluções, constantes, eternas, internas.

E o todo político disso? Quando somos nós mesmos armas de política e limites de experiencias políticas em que entendemos que amar é poder, se relacionar é poder, falar é poder, sentir é poder? Como fazer pra juntar o socialista, o anarquista, com o anti-machista quando reproduzimos o machismo na recusa à liberdade de amar?

Quando somos claros, até pra nós, ao nos posicionarmos como elementos de fomentação prática às mudanças? Sabemos se a nossa belíssima intenção é na prática um ato de reconstrução a partir da demolição de preconceitos, ações políticas danosas à nossa lógica ideológica?  Sabemos se o que fazemos é para o outro o que o vemos? ? Vemos o outro? Como o vemos?

O anti-racista quando vê um negro em sua direção à noite e se sente ameaçado é ele neste momento anti-racista, não vê no homem negro uma ameaça e se vê o que faz? Esse ver é um ver de uma ameaça independente da cor ou a cor, a pele, o fenótipo aumentam o peso da ameaça?

Ao amar  uma mulher entendemos as diferenças, os caminhos e o analisamos sob o o ponto de vista de nossa posição no mundo, na relação, nossa posição de gênero, nossas circunstâncias de gênero?

Não tenho respostas. Absolutamente nenhuma resposta. Tenho perguntas, pois o caminho que tracei me obriga a tê-las e estas dolorosas reconstruções a partir de novas circunstâncias me fazem um homem em transição permanente, temeroso de novas ações causando novas dores, amores, perdas, mas decerto compreendendo que o saber é em si transformador e que é uma arma de ação política direta.

Não um saber iluminista de púlpito, mas um ato de radical observação do real, entendimento das circunstâncias, percepção do real e de si mesmo nele. Este ato é em si perigoso, leva a mortos e feridos, leva a perdas, à distanciamentos, a medos e a "crimes", à destruição de laços se não observado que o caminho não é só um.

"O homem é o homem e a sua circunstância", uma frase, uma forma de ver o mundo, e talvez uma arma, espero que saibamos usá-la. 




sábado, 3 de setembro de 2011

A vida não está a venda

A vida não está a venda, mas parece que governos, empresários, jornais e TVs discordam. 

A ideia de educação posta na mesa é a de treinamento para o trabalho; Jornais e revistas publicam "estudos" e "orientações" de "especialistas" que dizem que quem muda de emprego é mais infeliz, que temos de dizer por patrão quando namoramos pessoas do trabalho, que temos de confiar na empresa nossos assuntos pessoais, que a empresa tem todo o direito de fuçar nossa vida pessoal, inclusive nas redes sociais; Telefônicas e Operadoras de TV e banda larga tratam nossa comunicação como se fosse uma dádiva pela qual pagamos pra ter, permitindo toda sorte de abusos que impedem nossa livre utilização da tecnologia e do serviço, público e sob concessão diga-se de passagem,  a contento, como agravante de atendimento e prestação de serviços piorarem se o cliente é de baixa renda; Os Governos e agencias "reguladoras" ignoram toda a sorte de mau atendimento e prestação de serviço e aumentam a presença das teles e outras concessionárias  como a Light, no mercado, priorizando a presença de empresas privadas e péssimas fornecedoras em planos como o PNBL ou o Luz pra todos. 

Esses são apenas alguns elementos elencados pelas recentes experiencias pessoais com os assuntos de cada chiadeira. A vida em vários níveis é posta sob o tacão de uma tecnocratização do viver e sob o critério do mercado, cujo serviço é prestado de acordo com o pagamento e de acordo com os interesses da prestadora.

Como eu vendo a força de trabalho a empresa tem o direito de usufruir minha vida como lhe convém, dando pitacos, "orientando" o viver. Com eu pago pouco meus serviços de luz, telefonia e internet, quando existem, podem ser piores e com atendimento pior. Comi eu não moro nos grandes centros ou nos centros dos grandes centros posso ter os planos de governo terceirizados para que a execução seja feita de forma mais barata e de qualquer jeito, já que conto menos no bolo de faturamento e não tenho muita noção de como é um serviço bom, seja de energia elétrica ou banda larga. Como eu sou só voto não preciso, e nem posso, reclamar do que acontece no dia a dia do governo com relação à regulação de serviços que atingem meu dia a dia, pois o mais importante é o "progresso" do país.

Daí Belo Monte tem de acontecer porque o país precisa, e o país pode mandar miseráveis e índios para a casa do famosíssimo caralho, eles são restos e perdas aceitáveis para o desenvolvimento. Assim o Plano Nacional de Banda Larga pode ser entregue às mesmas Teles que tratam o cidadão como um estorvo, o atendem de forma ridícula, lhe dão serviço falho, porque é pra pobre que nunca teve acesso e nem vai perceber que é tratado como lixo. Da mesma forma a Copa 2014 tem de acontecer porque é melhor para a imagem do pais no exterior, foda-se se pobres tem de sair da frente, serem jogados que nem lixo na casa do famosíssimo caralho, sem transporte, água, luz, internet, nada. E por um parcial fim eu tenho de aceitar que meu patrão seja uma mistura de pai com grande irmão, porque cê sabe,né? Emprego tá difícil.

 A educação que deveria ser a formadora de pessoas, cidadãos para uma sociedade justa, plena e com consciência do que é é um produto secundarizado, um treinamento de trabalhadores, uma formatação de não-gentes suscetíveis à crença imediata na palavra de especialistas e pastores, patrões, deputados e prefeitos e dóceis e obedientes cordeiros na fila indiana do dia a dia. Os professores são proletários das letras, que ao invés de serem uma massa crítica de formação são treinados de modo geral a serem uma massa de repetição da negação do esforço intelectual do aprendizado para a criação de robôs programados, jesuiticamente orientados à decoreba irrefletida.  Massacrados os professores, proletários da educação, são todos os dias mau pagos, mau vistos, tidos como párias, tidos como mercadorias indesejáveis, porém necessárias, nesse mundo supermercador de ilusões.

A escola é uma necessidade chata voltada apenas pra tornar o individuo apto a ser mandado e por isso ele odeia aquele que todo o dia vai a ele encher o saco. E por isso ama os heróis do fogo, os heróis da pátria em suas manifestações, enquanto o professor é um sujeito que quando não reclama é péssimo e quando reclama atrapalha o transito.

A vida é vendida por várias esferas da sociedade, governos, empresários, jornais e revistas. Nossa vida é vendida e viramos boiada caminhando a esmo.  A escola que deveria nos formar virou curso de especialização em ser boi, os jornais e revistas são meios de propaganda da ideia de que somos bois, nossa luz e internet são geridos por empresas que nos tangem como gado quando nos presta seu mau atendimento, os governos nos tratam ou como idiotas ou como sacos de pancada quando reclamamos. A obrigação dos governos virou dádiva, a obrigação das empresas virou produto, a obrigação dos jornais virou exceção.

A resistência a isso ainda existe, está por ai, mesmo que partidos de esquerda ainda permaneçam achando que são a luz a um povo que precisa ser "conscientizado", mal sabendo perceber que a inconsciência está nas cúpulas burocratizadas que não vêem nem seu povo filiado quanto mais o grande povo que está aí só precisando ser ouvido. A resistência à venda das vidas está nas ruas, na nossa cultura, na nossa polifonia. 

Para ouvir a resistência é preciso cuidado e calma.Cuidado pra não cair nos cantos das sereias que com belos discursos, e por vezes atuações, escondem autoritarismos e hierarquias que nos aprisionam e Calma para não assustar com o desconexo barulho que vem a nossos ouvidos. Não, não é caos, é a voz da vida, da polifônica vida coletiva, onde a síntese é autoritária e cujo objetivo maior é ser múltipla.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Egipte-se

 A revolução no Egito ganhou tantas interpretações à direita e à esquerda que comentá-las seria escrever um tomo imenso, uma lista telefonica. Sou simpático às mais diretas ao assunto que consideram a Revolução como ela é, um movimento de massa que vai mais do que um quebra quebra na praça Tiradentes.

 Os efeitos desta revolução, no entanto, são impossíveis de prever com exatidão e os clichês superlativos otimistas ou pessimistas sobre o fim da revolução em ditadura militar e/ou queda de um "muro de berlim" árabe a meu ver são filhos diretos do mesmo equivoco, consideram tanto a revolução como fato acabado como a consideram como um fruto da mesma linha de processo histórico do ocidente.

 A população nas ruas viu o Exército por o pau na mesa e achou pequeno. Não parece achar que o poder "macho" dos homens de farda seja algo que a ameace diretamente, dada sua força como massa mobilizada, ao mesmo tempo isso não a garante como vencedor,a mas como protagonista de um filme que parece novo  aos olhos de quem achava normal tanto um ditador útil longe de casa quanto o fato de ir pra rua pra além de acordos ser um problema.

O Exército pode transformar essa mobilização em uma piscina de sangue e ossos, ou a população pode transformar o exército em um aliado, o tempo dirá! A rede de relações entre massa mobilizada e instituições, a audiencia internacional, o apoio de outras lutas, a repressão pela reação de países aliados a novo Faraó, tudo isso são fatores nada esquecíveis de um processo que está longe de terminar.

 Tudo indica que a força ganha pelas massas pode sim derrotar a ala mais reaça do exército, mas não garante, ao memso tempo nada pode indicar que essa mudança em Tunísia, Egito e, quem sabe, Argélia vá realmente levar a cabo uma réplica de 1989, e mesmo que aconteça não dá pra cravar que será algo além da farsa Brumarista.

É preciso estar atento e forte, não há tempo de temer muita coisa, nem de festejar bebendo demais e acordar na ressaca da derrota. O Egito não fará uma queda de "muros de berlim", fará sua própria história, seu próprio muro, sua própria trajetória, que de qualquer forma, renova as almas militantes diante de um "Yes We Can" sem terno. 

 Enquanto o mundo explode e estamos na lida, egiptemo-nos! Mas sem o ceticismo que imobiliza ou o otimismo que relaxa, apenas com a força que transforma, mas não tenha medo: Egipte-se.