Mostrando postagens com marcador antiracismo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador antiracismo. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Do racismo ambiental e da criminalização da pobreza é feita a vida das classes perigosas.

O racismo ambiental e a criminalização da pobreza andam lado a lado. A própria lógica do entendimento de negros e pobres como classes perigosas  e necessariamente obrigados a terem por perto uma observação feroz do poder público andou lado a lado com a expulsão destes de suas casas pobres ou quartos em cortiços sem nenhum tipo de cuidado no fornecimento de locais dignos de moradia em substituição à demolição de suas casas. Essa expulsão levou à ocupação de áreas vazias nos morros ou de terrenos mais distantes, estabelecidos obviamente como era o tom da época  sem nenhuma observação dos impactos possíveis.

Para a produção da cidade burguesa no fim do século XIX, início do século XX, a ação conjunta de criminalização da pobreza, higienismo e racismo ambiental criou uma reação em cadeia que juntava a culpabilização do pobre/preto pelas pestes da cidade, pelos crimes da cidade e o levaram à desmate de encostas, morros, beiras de rio, a servir como álibi pra empreiteiros e empresários do transporte ampliarem a qualquer preço uma rede de transportes que nunca se preocupou com desmate, poluição do ar, descarte de lixo, sujeira de rios,etc.

A mesma lógica jamais se importou com o peso da indústria na expansão Rio de Janeiro afora pro chamado subúrbio do progresso movido à poluição do ar das águas, desmate, em profunda ação destrutiva julgada procedente pela "criação de empregos" e "melhoria da vida das pessoas".

A cidade burguesa que nasce da expulsão de pobres/pretos do centro da cidade ou pra seus morros (Os palácios precisam de serviçais) continua em um ethos civilizatório baseado antes de mais nada na secessão e na expansão do progresso destrutivo para onde não reside sua elite. A cidade cindida pela cadeia de montanhas do  sumaré também divide-se não só entre ricos e pobres, mas entre  expostos ou não à degradação ambiental.

O ar pesado de Santa Cruz não é o mesmo ar beira-mar.

As encostas da zona sul sociológica tem a atenção de quem sabe como é difícil manter mucamas e porteiros de qualidade em seus prédios de luxo, já o entorno de Acari não tem a mesma atenção no impacto que a degradação dos rios ao redor leva à saúde da população.

À cidade burguesa é preciso uma cidade quilombo, mas esta não precisa dos mesmos cuidados.

As classes perigosas sabem viver na secessão, entender o tamanho da distância física e simbólica entre reis e escravos, e saber o quão é secundário em suas vidas sequer sonhar com uma política ambiental e social que não os inclua como secundários também ao poder público.

Às classes perigosas cabe produzir anualmente uma migração em massa da elite "descolada" à Oswaldo Cruz, numa visitação participante festiva aos primórdios da rede de transporte da capital, o trem, que apelidado de "do Samba" ganha cores brancas e felizes que o difere do cotidiano brutal a que são expostos os moradores que residem onde se deu o assentamento "à sua mercê" dos primeiros expulsos da política de Pereira Passos que não habitaram os morros do entorno dos Cortiços recém derrubados.

Às classes perigosas cabe o produzir da música de festa da elite, que aplaude com vontade, faz de conta que é turista, aquela música de pretos expulsos de suas primeiras casas, expulsos da parca qualidade de vida, expulsos de algum controle da qualidade do ar, das águas, das matas, das árvores.

À elite descolada já cabe a luta farta pela preservação da Lagoa Rodrigo de Freitas, da Floresta da Tijuca, sem olhar para o Borel, e se satisfazer pelo dever cumprido sem notar que elegem e  reelegem aqueles que liberam a instalação da CSA em Santa Cruz e envenena quem não faz samba ou tem trens com turistas em dois de dezembro.

À elite descolada cabe festejar que a cidade está "se modernizando", como festejava em 1904, como festejava ao estimular às classes perigosas a prática do football  que os livrava da insalubre herança colonial da proximidade de pretos e pretas pobres que precisavam de forte policia fiscalizadora agora que estavam livres do jugo dos feitores e da policia particular dos senhores de escravos.

De Pereira Passos a Pereira Paes cabe à cada classe da cidade um comportamento que não ouse fugir à regra "moderna" que diz que é "demagogia" qualquer atitude que enfrente a política de cisão de um estado feito pra expulsar pobre e preto pra debaixo do tapete da criminalização da pobreza e do racismo ambiental.

Expulsos de suas casas são ainda culpados de desflorestas encostas do único lugar possível de moradia que possuíam para construir suas pobres casas após receberem como proposta de habitação o cassetete dos soldados.

De Pereira Passos a Pereira Paes aos pobres cabe o samba, aos ricos cabem demolir a natureza e lançá-los à distância, pra posteriormente culpá-los da degradação ambiental de que são vítimas.

Do racismo ambiental e da criminalização da pobreza é feita a vida das classes perigosas.

sábado, 15 de dezembro de 2012

A felicidade do negro ainda é uma felicidade guerreira

Um dos meus diletos temas é a escravidão e a "desreificação" do negro. 

Não apenas por uma questão teórica incômoda que era a lógica do negro ser um tipo específico de animal, único, raro, quase um unicórnio legendário, por oscilar de forma bipolar entre o guerreiro zumbi e o manso pai João. Também por um incômodo presente na constância do entendimento crítico tanto de algumas alas da História quanto do Marxismo vulgar de entender o analisado, seja o povo ou o negro, seja a economia ou a música, como um ente desenraizado do cotidiano, algo que pode ser retirado do dia a dia, colocado numa espécie de mesa de laboratório e esquartejado numa síntese científica que ignora solenemente o tal concreto tão claro ao velho barbudo.

A leitura e o estudo de alguns historiadores brasileiros (Chalhoub e João José Reis em especial) trouxeram um profundo alento a este que vos atormenta com a má escrita, dado que humanizaram novamente a miríade de universos que é o "povo preto", categoria esta inclusive incapaz de denominar o quão é complexo entender a totalidade do que é o negro em terras brasilis, sem falar no negro como um todo.

Quando o negro nos livros deixa de ser "O Escravo" e começa a se chamar Bonifácio, algo de brilhante e agradável ao homem, ao humanista, surge no horizonte. Quando o negro volta a ser humano perde o sutil teor europeizante reducionista, mesmo que inadvertido, que lhe vestiam explicações como a de Fernando Henrique  e Gorender que o colocavam como uma espécie de mula que ao ser provocada em excesso virava Ogum.

À questão teórica se juntava o emblemático envolvimento deste que vos fala na percepção como suas das belezas das religiões afro-originárias e sua complexidade de explicação de um real que não cabia na "coisificação" dos criadores de um panteão tão rico quanto crescente, mutável, flexível, negociante, guerreiro, submisso, matreiro.

Este "povo preto" vivo em Orixás e danças, em Sambas, Maracatus, Funks, não cabia na lógica de submetê-lo a uma camisa de força que o aprisionava em uma submissão só entendida pelas formatações rígidas de um marxismo que vinha da Europa sem aclimatar-se aos dias tropicais da complexa realidade local.

O valor  da teoria que reificava o "povo preto" é inegável diante do contexto de pioneirismo de uma leitura que não se tornava uma defensora enrustida da escravidão como um "mal necessário" para a  construção do Brasil Grande e cujos reflexos tinham sido resolvidos pela "Democracia Racial", porém sua continuidade mantendo o negro em uma posição subalterna e incapaz da miríade de resistências que construiu uma abolição nada doada pela barba branca do Imperador é também uma redução do negro a um papel secundário de sua própria história, o que nem de longe encontra sustentabilidade em documentos.

No ínterim dos meandros da história o entendimento do negro em sua complexidade que ia além do Escravo e passava a se chamar Bonifácio também não nasce da iluminação da razão, mas através do entendimento imposto pelas lutas dos próprios negros no decorrer da história, colocando-se não como vítimas indefesas da crueldade branca, mas como resistentes, como guerreiros dos mais diversos planos e modos rumo à conquista de sua liberdade.

A liberdade ainda não veio como devia, a liberdade ainda não chegou e os feitores mudaram de roupa, tornaram-se Estado e são hoje os genocidas de jovens pretos nas grandes cidades Brasileiras, no entanto o povo preto continua em sua resistência aguerrida a resistir inclusive à sua categorização como "povo burro', incapaz de "saber votar", de "saber falar", de "se representar", a resistir à tentativa de roubá-lo de sua casa, de sua comunidade, de sua educação,d e seu trabalho. 

A resistência continua, porque a felicidade do negro ainda é uma felicidade guerreira

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A bestializada resistência de um povo

Fruto de um golpe militar, a República sempre teve em sua fundação a lógica de ter sido feita em cima de cavalos, com os punhos de renda de uma elite política.

A ideia de um governo sem povo transitava claramente na lógica positivista que reproduzia um simulacro de platonismo na ideia de uma ala iluminada da sociedade, uma ala intelectualizada e civilizada,  como "naturalmente" líder  da massa insalubre, negra, patética, bárbara.

A esta gente cabia ser liderada e acatar as decisões daqueles que embebidos dos ares e águas da Europa, tradutores de um positivismo higienista, seriam os naturais condutores da imensa nação mulata nos rumos de uma civilização branca e culturalmente europeia.

Faltou combinar com os russos, diria Mané.

Já nos primeiros três aninhos da recém promulgada república Canudos aparece como um fantasma pra lá de complicado ante olhos republicanos que achavam que se impõe um estado de cima pra baixo assim na mão grande.

Sertanejos liderados pro Antonio Conselheiro demonstravam que negros, mulatos, cafuzos, eram um pouco mais que frágeis vítimas da barbárie, sendo inteligentes resistentes às forças do coronelato do interior da Bahia e a um exército noviço que logo de início perde um de seus maiores ídolos à época.

Canudos demonstrou com quantos paus se faz uma resistência popular até o massacre final levado a cabo com extrema violência e crueldade por um exército apavorado.  Pavor este que durou até o alagamento da região pela criação do açude de Cocorobó (E acredito que ainda dure).

De 1893 até o massacre de 1897, Canudos escreveu uma sangrenta página na história do país e do Exército Brasileiro, onde a palavra resistência não pode mais se apagada. A inspiração de Canudos fez inclusive que o Exército Brasileiro centrasse prodigiosos esforços na ocupação da região do vilarejo para evitar que a Coluna Prestes ali passasse em sua grande marcha nordeste a dentro.

A resistência e o símbolo de Canudos fazia com que o Exército temesse que Prestes e sua coluna dele se alimentassem e conquistassem fôlego extra pra seu movimento revolucionário.

Os Bestializados de 1889 na verdade nem foram tão bestializados assim (como inclusive aponta José Murilo de Carvalho, autor do livro homônimo), pois resistiam aqui na luta contra os atropelos da recente república na implantação da política higienista com especulação imobiliária de remoções de pobres com demolição de cortiços, de movimentação sutil pelo branqueamento da população, de repressão feroz das "classes perigosas" (Já aquela época feitas de gente pobre e preta) e de pancada em cima do nascente movimento operário.

Já nos primeiros anos da república essa gente pobre e preta tida como perigosa saia de suas casas pra tornar difícil a vida dos governos de uma elite platônica doida pra tornar europeu um país pobre, preto, índio e com muito mais raça do que queria a elite branca lotada nos palácios.

Resistindo às vacinas, antes mesmo da revolta, à desocupação de cortiços, à criminalização da vadiagem, do samba, da capoeira, essa bestializada malta criava as raízes de uma cultura brasileira que tem mais de "Zumbi" que de "Pai João".

Foi essa gente que em 1904 resistiu à uma vacinação compulsória que trazia consigo um amplo arco de testes com métodos de vacinação que incluía a variolização e a morte como modus operandi. Foi essa gente que quebrou meia capital resistindo à uma política que tinha resistência inclusive entre as elites e à medicina da época e que também sabia que por trás do desejo de por um fim nas doenças havia um desejo de por um fim na ocupação de áreas valorizadas do centro da nova cidade aburguesada daquela gente cuja tez não condizia com a cor preferida da Belle Epoque.

Essa gente também resistiu bravamente aos desmandos  dos governos de Paraná e Santa Catarina e de 1912 a 1916  fez na guerra do contestado um movimento de resistência de uma massa de expulsos da terra para mais uma ferrovia do onipresente Percival Farquhar, movimento que se juntou ao monge José Maria e buscou uma saída coletiva para a miséria e o desalojo.

Claro que para a república e sua federação pobre quando se junta é motivo pra tomar bala. E assim foi, mas não sem resistência. E com isso nas mãos da jovem república repousa o sangue de seu próprio povo.

E durante toda a república os Bestializados resistiram a todo um conjunto de governos que se formaram em nome de uma política de cima pra baixo, alimentada de sangue preto e pobre, reprimido nos seus terreiros, sambas, festas, greves. De Deodoro a Dilma um sem número de assassinatos de operários, índios, mulheres, camponeses mancha as mãos de uma república que bestializa seu povo não na sua alienação, mas na sua transformação pela barbárie naquele que só consome, consumido pela falta de amplos direitos.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Por que apoiar a marcha das Vadias?

Uma coisa sempre me dá um enorme prazer e essa é o de ler algo que me ensina e de forma profunda. 

Um dia li em alguma das redes sociais (Ou terá sido em um ponto de ônibus? ou num muro?) a brilhante frase: "Nos ensinam 'não seja estuprada' ao invés de 'não estupre'".

Não preciso dizer o impacto, preciso? A ideia contida nesta simples frase é revolucionária,  simplesmente porque questiona o eixo de formação do masculino, inclusive da ideia de prazer e amor no homem, da lógica política de dominação presente no ethos ensinado aos meninos durante sua longa estrada de formação em homens.

Essa frase e logo depois a clareza de como é catalogadora, desumanizadora, reificadora a ideia de mulher como um ente a ser tutelado, aprisionado, controlado, regido por o máximo possível de limitações e culpabilizado por todos os atos, como se um demônio provocador dos crimes ao qual é submetida, inclusive o mais vil deles, o estupro, tornaram claro para mim a  necessidade de entender que qualquer ideia de revolução ou construção libertária que não passe pela emancipação de gênero, orientação sexual e anti-racista está fadada a ser apenas uma pincelada de transformação, como a Marianne que de nua, de seios à mostra, passa a ser uma séria senhoura após o estabelecimento da república Burguesa na França do XIX.

O Brilho da colocação da marcha das Vadias como uma reação muito bem vinda à lógica civilizacional de que mulher se veste como objeto de desejo e  por isso o estuprador tem o atenuante da sedução feminina, do encanto  e do  feitiço do diabo-mulher que "embriaga" o pobre homem, não é um brilho exclusivo ao gênero. 

É um brilho que contesta o sem número de noções limitadores do humano, reducionista do homem, do ser-humano com um sem número de determinações que ocultam conflitos de classe ao tornar inimigos homens e mulheres, negros e brancos, gays e heteros.  Fazendo membros da mesma classe serem soldados de uma luta fratricida, que torna-se uma cortina de fumaça da opressão maior de classe a que estão submetidos, também pela via da moral conservadora, a grande massa de seres humanos, independente de cor, gênero e orientação sexual.

O combate à profunda educação que torna a mulher um sub-humana dentro de uma sociedade que as divida também em classes, que combate a noção da mulher como um objeto à disposição da mão do homem é também um combate à separações internas às classes que as desunem e as tornam ferramentas de desmobilização da luta contra a opressão como um todo.

O combate a cada opressão é parte fundamental da luta contra a opressão de classe, e a luta contra as noções culturais que delimitam o humano a um ser hierarquizado e oprimido,submetido a outro, seja por cor, gênero ou orientação sexual, é parte fundamental do entendimento do outro como um ser como és, como tu, não um alienígena a quem se oprime, prende, rotula, estupra.

Apoiar a marcha das vadias é ir além da moral conservadora, burguesa enfim, e é reconstruir, revolucionar a moral, a noção do outro, a noção de gênero e de nosso papel na construção de um mundo que rompa de verdade com todos os grilhões que o prendem em uma relação de propriedade, que até no âmbito do amor, e das relações sexuais é um tipo de relação econômica e de posse.

Se a propriedade é um roubo, porque a propriedade sobre o outro não o é também? Como podemos nos apropriar da sexualidade alheia, do corpo alheio, da orientação sexual alheia?

Apoiar a marcha das vadias é mais que ser feminista, é ser humano, ser humanista, ser de esquerda.

Apoiar a marcha das vadias é deixar que Marianne, que de nua foi vestida como se a liberdade precisasse de um aspecto casmurro pra ser respeitada, pudesse andar novamente nua, novamente livre, novamente plena.

PS:  Marianne é a personificação da República Francesa e quando da Revolução Francesa era simbolizada de seios à mostra, como uma imagem que rompia com todos os parâmetros do antigo, do antigo regime e da moral aristocrática, porém ao se estabelecer a república burguesa ela foi paulatinamente vestida, pois não cabia bem um símbolo da república tão imoral.

domingo, 15 de abril de 2012

Circunstâncias

Não sou conhecedor da obra de Ortega Y Gasset, mas a frase repetida por professores,   "O homem é o homem e a sua circunstância", é elemento comum em minhas reflexões.

Não só pelo aspecto de óbvia referencia ao homem como não isolado, como não ele nele mesmo, alheio ao mundo, como parte de uma rede de circunstancias, de  multi significações, de um contexto, mas muito pela ideia mais simples do ser só existir em comparação com o todo a seu redor.

Sem o outro o que somos? E como entender o que não somos? Como saber do outro?

Claro que qualquer antropólogo de esquina tem lá suas respostas, já eu só tenho dúvidas, dores, amores e conversas, talvez pra boi dormir. 

Porque não sei o outro, não o entendo, talvez nem o aceite, e neste limite entre o raciocínio e o aceitar,  o entender e aceitar emocional, talvez viva o homem.

É nessa forma de choques, preços, decisões, mudanças, visões, percepções e quereres que vivemos e queimamos. Talvez em revoluções e revoluções, constantes, eternas, internas.

E o todo político disso? Quando somos nós mesmos armas de política e limites de experiencias políticas em que entendemos que amar é poder, se relacionar é poder, falar é poder, sentir é poder? Como fazer pra juntar o socialista, o anarquista, com o anti-machista quando reproduzimos o machismo na recusa à liberdade de amar?

Quando somos claros, até pra nós, ao nos posicionarmos como elementos de fomentação prática às mudanças? Sabemos se a nossa belíssima intenção é na prática um ato de reconstrução a partir da demolição de preconceitos, ações políticas danosas à nossa lógica ideológica?  Sabemos se o que fazemos é para o outro o que o vemos? ? Vemos o outro? Como o vemos?

O anti-racista quando vê um negro em sua direção à noite e se sente ameaçado é ele neste momento anti-racista, não vê no homem negro uma ameaça e se vê o que faz? Esse ver é um ver de uma ameaça independente da cor ou a cor, a pele, o fenótipo aumentam o peso da ameaça?

Ao amar  uma mulher entendemos as diferenças, os caminhos e o analisamos sob o o ponto de vista de nossa posição no mundo, na relação, nossa posição de gênero, nossas circunstâncias de gênero?

Não tenho respostas. Absolutamente nenhuma resposta. Tenho perguntas, pois o caminho que tracei me obriga a tê-las e estas dolorosas reconstruções a partir de novas circunstâncias me fazem um homem em transição permanente, temeroso de novas ações causando novas dores, amores, perdas, mas decerto compreendendo que o saber é em si transformador e que é uma arma de ação política direta.

Não um saber iluminista de púlpito, mas um ato de radical observação do real, entendimento das circunstâncias, percepção do real e de si mesmo nele. Este ato é em si perigoso, leva a mortos e feridos, leva a perdas, à distanciamentos, a medos e a "crimes", à destruição de laços se não observado que o caminho não é só um.

"O homem é o homem e a sua circunstância", uma frase, uma forma de ver o mundo, e talvez uma arma, espero que saibamos usá-la. 




terça-feira, 27 de março de 2012

Papéis

Uma das maiores limitações do escriba, talvez inclusive como analista e como profissional de História, mas principalmente como ser humano é a imensa dificuldade de despir-me de papéis pré-concebidos e herdados que trago em mim.

A opção pelo viés da intelectualidade, inclusive artística, por vezes me parece ser uma fuga via ciência do grau de enfrentamentos necessários para a revolução que prego externa, tornar-se interna.

Convivendo cada vez mais com a militância LGBTT e Feminista sou "bombardeado" cotidianamente com questionamentos das "caixinhas" que todos usamos pra pormos os outros e a nós mesmos em papéis pré-determinados que por vezes não só nos limita, mas nos oprime.

Talvez a opressão seja mais difícil de ser percebida em nós, ativa em nós, atuante em nós como adultos do sexo masculino e brancos, mas com certeza fica patente ao percebermos em nós a opressão como agente para como o outro, mesmo que minimizada por uma feroz auto-crítica.

Ao ler, ver e ouvir relatos feministas e LGTT a impressão final é que ainda sou parte de um mundo que deveria ser abolido, onde todo o arcabouço de categorias que construo como mundo são semi-inúteis. Não que isto tenha alguma carga dramática ou de terror intelectual, mas define a limitação do modo de pensar que causa inclusive "miasmas" internos que se traduzem na posse, no ciúme, em dores inventadas, em vergonhas, em machismos ocultos, homofobias enrustidas que apesar de combatidas por um humanismo adotado e que entendo feérico ainda existem e maltratam ao outro e a mim.

A gravação dos papéis em mim, em nós, são tatuagens de cultura que são preenchidas com todo o grau de conflito entre os grupos sociais dos quais participamos, entre gêneros, entre orientações sexuais, raça. Estes papéis são um dado, uma categoria a ser trabalhada sob pontos mais fortes do que os nitidamente racionais e construídos e demolidos talvez com simplicidade pela educação, mas antes de mais nada com uma necessidade de trabalhar com força e fome nos níveis emocionais, psíquicos e não com remedinhos delirantes, mas com uma profunda jornada de auto-conhecimento.

A certeza das categorias fixas em todos os níveis atrapalham mais que ajudam, no âmbito da construção do individuo atuam inclusive como arma de perpetuação de opressões.

É preciso que nossos papéis ganhem mais cor, mais abertura analítica, e também política, e para isso é preciso um olhar profundo até o dedão do pé, como diria Gonzaguinha.

PS: Uma das razões deste post é este vídeo imenso que vi e que me emocionou sim, mas antes de mais nada reforçou necessidades de auto-crítica: http://youtu.be/ctuUqzZEZKs

segunda-feira, 5 de março de 2012

De Tudo ao meu Amor Serei Atento


"De Tudo ao meu Amor Serei Atento" , um verso de Vinícius de Moraes.



Estranho neste espaço o amor vir e vir duas vezes. Talvez conquistando da aridez da História e da política o espaço exigente dos que não se prendem nas amarras dos versos e poesias.



Mas é o súbito do amor que garante seu espaço nessas entrelinhas transversais que antes de mais nada é fundador. Pois é o amor às gentes e às diversidades que construiu cada tijolo do espaço, como quem constrói um fortim de humanidades. Nada mais justo que um dia personificado se mostrasse como quem reconquista o espaço do individuo.



"De Tudo ao meu Amor Serei Atento" ,diz o verso. E à atenção dá um tom de ação, uma urgência de uso, utilidade, arma.



Como ser atento ao tudo, ao todo, se secessionamos? Como dividir em evangélicos, negros, pobres, ricos, velhos, novos, burros, gênios, limpos, sujos? como levar a cabo o ideal democrático, uma das faces do amor, se flexionamos a democracia em uma formação de castas submersa à máscara teórica disponível?



Como sermos o todo se não somos o dois? se não somos o outro?



Essa abordagem já foi feita teoricamente aqui de diversas formas, citando a disparidade do discurso com a prática que inclua a disputa política pelo convencimento do outro e não por sua classificação como lúmpen ou sub-humano desintelectualizado e "inconsciente' ou "alienado". Porém o que é isso sob o ponto de vista do subjetivo?



Como meio amar? como ser meio? Como ser meio humanista,. meio elitista, meio socialista?



Como amar um alguém e dizer que ama uma humanidade e ao mesmo tempo não amar o outro e buscar entender o outro para além de nossas próprias e comuns deficiências de percepção do outro como tal? Como se colocar ao lado da classe trabalhadora, mas condená-la se não ouvem Schubert ou Chico Buarque e ouvem Teló? como condená-las ao limbo dos idiotas se rezam, creem, doam seu dinheiro, fruto de seu trabalho, por sua fé? Como chamar seu deus de resultado de esquizofrenia e postar-se, a meu ver cinicamente, como seu aliado, amigo, amante?



Como ser um homem para uma mulher e recusar-se a não rotulá-la como biscate, puta, séria, trabalhadora, viva, morta, autêntica, burra? Como saber o que é o outro sem sê-lo?



Eu nasci em Deus, eu nasci de Deus. A fé é para mim  a estrutura básica do que sou. A história é vista com olhos de Exu. O amor é fruto dos braços de Oxum.  Jesus me levou pelas mãos muitas vezes, Marte idem. Ogum me dá a segurança de amar ao todo e largar-me no risco da insolvência pelo excesso de convicção que só os de Logunedé tem a sorte de manter.



Eu nasci amor, fruto de amorosa rede de gentes que carrego em cada letra. Gentes que suportam o fogo de meu pouco trato social e entendem mais do que mesmo eu consigo ver.



Me é incompreensível o humano sem a imensidão do coração tornado arma. Mesmo quando a fúria autoritária se apossa dos meus passos é o entendimento corpo e alma do humano como medida de todas as coisas, inclusive das divinas, que me conduz na busca do entendimento da diversidade, democracia e liberdade como valores máximos.



E se me é incompreensível o fundamentalismo com fé, idem o fundamentalismo sem ela. Me é incompreensível o elitismo que se coloca tutor do povo em relação à cultura, que trata o funk como sub música e samba seu avô pelas praças, assim como me é incompreensível amar uma mulher sem amar seus mundos, fundos, letras, pés, mãos, corpos, almas, cheiros e voos.



"De Tudo ao meu Amor Serei Atento" , um verso. Poderia ser um lema.

Uma lema pois que retornasse a percepção ideológica do amor como ente, parte fundamental de toda ideologia humanista, que retirasse o viés que exclui a reflexão sobre o outro do combate diário pela conquista do estado. A doação diária e sensível que faz a esquerda permanecer no combate contra a opressão capitalista, que luta contra o ethos de priorizar a propriedade por sobre a humanidade, o direito ao ter sobre o direito ao ser, este movimento é um movimento de amor, uma declaração de amor ao humano. E ouso dizer que mesmo os liberais em sua fundação humanista não são outra coisa em sua busca pela liberdade contra o estado senão apaixonados pelo humano como medida de todas as coisas. Anarquistas nem se fala, são verdadeiras Biscates ideológicas (sob o prisma do Biscate Social Clube) amam numa nice, sem crises.




Esta declaração de amor ao humano não se pode permitir racista, machista ou homofóbica. Não se pode permitir transigir com o excludente. Por isso o racismo e a misoginia me atingem, mesmo eu sendo o macho adulto branco (Sempre no comando, Caetano?) .



Sem que percebamos a dimensão do Amor, ou a subjetividade do sentimento de ação libertária como Amor, nas lutas diárias elas se transformam neste eterno arranca rabo de ocupação de espaços limitados e/ou a conquista de postos.



Não é a ideia que constrói a solidariedade intrínseca na construção de laços, é o respeito e o sincero abraço, é o riso, é o copo, é o saber-se igual, mesmo que diferente.



"De Tudo ao meu Amor Serei Atento" , um verso. Poderia ser uma práxis.




domingo, 4 de março de 2012

Amor em tempos de Hóstia

A complexidade de amar não é passível de manuais, retóricas reducionistas ou bambolês retóricos aplaudidos pelas claques e ruas do comum. Amar é intensamente ser o outro . É dois sendo um e um terceiro, o caminho feito de trocas entre seres que se amam.

Em suma: amar  não é pra principiantes. 

Amar concebe caminhos de cores, jeitos, odores e humores diferentes e em  geral surpreende. Quem ama costuma não matar, e também é em tese o exemplo perfeito da abnegação para com o outro. Quem ama não falha.

Amor se virtualiza, se concretiza, dança, rebola, diz, reclama, amor é. Amor não assume infalibilidades ou se constrói na onipotência monolítica. Amor é de filho a pai, de pai pra filho, de mãe a pai, de filho a filha, de homem a mulher, de homem a homem, de mulher a mulher, de homem a bicho.

O natural do amor nasce antes dos Deuses dizerem-se legisladores, antes da definição castradora de qualquer fé. O amor nasce com o Homem. Deus eu não sei.

A História do amor pode ser divertidamente explicada na historiografia a partir do advento da concepção de indivíduo, o que grosso modo se dá no período clássico e depois novamente no pós-renascimento. Após a compreensão do ser humano como passível de ser um, também se percebe a ideia da existência do outro. O Um é pai do Outro, e o amor nasce da percepção da completude da união de ambos. 

O amor, seja ele explicado pelo instinto do autor por por seus parcos conhecimentos de História, ao definir-se encontro não delimita quem se encontra. O encontro é a percepção da  junção de dois, seja lá quem forem e como se dá o encontro.

É ai que a porquinha fofa torce o volumoso rabo diante da retomada de um aparato formatador, castrador e, no popular, coxinha, na rotulação de comportamento seja via concepção funcionalista yuppie ou fundamentalóide cristã.

Pra generosos seres dito humanos que compreendem que códigos de importância específicas aos seus fiofós são obrigatoriamente de uso geral, o amor homo-afetivo, o amor advindo de encontros virtuais, o amor concebido  como para além das receitas caseiras do que é bunda gostosa ou não, o amor inter racial, ou seja lá que tipo outro de amor, tudo  isso é anátema dos brabos e alvo de ações lindinhas que vão da ridicularização à violência.

Dai que amar em tempos de hóstia adquire um aspecto mais complexo do que o fato claro do amor não ser coisa pra crianças, ele vira também um espaço de combate e de reforço corajoso à diversidade como uma bandeira necessária. Amar é também molotov.

Um beijo, um ir, um vir, um amor de mãe que faz sexo, um amor de quem se lê e se apaixona, um amor de homens irmãos ou homens que se comem, tudo é também  um enfrentar e um conquistar ao diverso o espaço de hegemônico.

O  amor de moças entre  moças, de gentes que se amam, o poli-amor ou até a mais perversa perversão, a monogamia, são bandeiras políticas também, assim como a legalização do aborto e a luta anti-homofobia.

A luta diária contra a camisa de força das forças mal amadas é quase uma luta pela legalização do amor. 

É preciso  buscar a expansão do amor, do amor como arma, como o dito por aquele que hoje é convocado pra sustentar atrocidades, mas que trazia como palavra  de fé o Amor: Não é hora de trazer  a mansidão é preciso trazer a espada.

Se só o amor constrói é preciso a virada à esquerda para antes de um novo alicerce ser construído sejam destruídos os muros de uma moralidade retrógrada, de uma compartimentação comportamental e de um fundamentalismo delirante e atroz assassino do diferente.

É preciso fazer do amor um aríete que impeça que as Borboletas fiquem sem janelas.



sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Quase não somos racistas

Não pretendia escrever sobre isso. Em primeiro lugar porque acho que a linha tênue do respeito político e à inteligência, da honestidade intelectual, não só foi ultrapassada com o advento das redes sociais como a rapaziada samba na cara da coerência a as referências, por mais flexíveis que sejam, ideológicas hoje mais parecem uma mistura de relativismo amplo com samba do crioulo doido (Ou do afro-descendente fora do eixo mental dito normal, se lhes parecer racista o uso do primeiro termo). Em segundo lugar porque minhas opiniões a respeito de homofobia, racismo e misoginia não são exatamente premiadas pelo auge da flexibilidade.

Não gosto nada de Paulo Henrique Amorim, do que se se convencionou chamar de "Blogueiros progressistas" (Que vai muito mais longe de blogs e tem uma cara tão corporativa quanto a jornalistada da mídia gorda), acho uma merda o naipe do jornalismo e do ativismo político ao redor do/da Cara, acho uma merda a Globo e congêneres, acho o Heraldo Pereira um jornalista tímido, pra ser um cara legal, e omisso também, especialmente diante do fato claro da organização onde trabalha defender a inexistência do racismo no Brasil, mas, no entanto, todavia e apesar de estar mais próximo dos "progressistas" , que ao menos em alguns pontos concordam comigo a cada seis meses, não posso nem sonhar em deixar passar uma declaração que chama o Heraldo de "negro de alma branca". 

Não se pode transigir com racismo, homofobia e misoginia.

Se Paulo Henrique Amorim não é racista, parabéns pra ele, mas nesta declaração ele foi sim e continua sendo ao ridicularizar a minha, a sua a nossa inteligência, assim como seus defensores, ao não reconhecer que, por baixo, usou uma terminologia racista, repetindo, RACISTA, para se referir a um colega de profissão.

Dizerem que o termo "Negro de alma Branca" é anti-racista é zoar, de boaça. Talvez em salvador ou em Brasília o seja, mas sempre ouvi o termo ou para se referir ao negro que não milita nos movimentos anti-racistas ou pra se referir "elogiosamente" ao negro que possui "qualidades" inatas aos Branquelos. Nos dois casos, na casa Grande ou na Senzala, o uso é racista. 

É racista porque reduz, porque ridiculariza o outro atribuindo a ele ou a omissão diante dos seus, a quem deveria automaticamente ser um militante solidário por ter uma cor da pele determinada, ou por atribuir a ele qualidades que são "alheias" a seu fenótipo. O uso para o negro não militante é racista por que reduz o sujeito a um negro "menor", o pelo sujeito que atribui ao negro qualidades por ter "alma branca" é por atribuir ao negro "de alma branca" qualidades que lhe são alienígenas por vetadas ao negro.

Paulo Henrique Amorim ao dizer que Heraldo Pereira era um "negro de alma branca" talvez não tivesse intenção nenhuma de incorrer em racismo, mas incorreu. PHA talvez estivesse ironizando um colega de profissão por este trabalhar na emissora que sustenta a tese de não sermos racistas, poderia fazer de outra forma, preferiu usar terminologia racista e dentro do contexto altamente interpretada como um ato tão racista quanto o termo possui de carga. 

Talvez se apenas corrigisse publicamente e considerasse um ato nada violento da auto-crítica pelo uso do termo nada estivesse tão quente e nenhum Blogueiro Progressista caísse no corporativo uso do termo "Esgotosfera" para se referir a quem não foi iniciado nas artes mágicas do babaovismo político e nem a máquina de defesa inconteste da grande tribo vermelha perdesse seu valioso tempo defendendo um jornalista adulto e experiente ao invés de, sei lá, tentar evitar maiores recuos do governo em áreas como os direitos LGBTT, Aborto, luta anti-racista,etc. Mas novamente se preferiu criar um Fla x Flu, um espantalho arrogante, onde o termo "inveja" aparece a rodo.

Da mesma forma que no episódio Feminazi a Milícia Progressista Governista prefere um embate estéril e histérico lotado de ad hominens ao simplesmente reconsiderar em auto-crítica o grau ensandecido de oposição apolítica à imprensa não governista que leva um de seus próceres a cometer um equívoco de tal monta.

Bastava a PHA reconhecer que fez merda. Ao não fazê-lo, diante do uso de um termo racista, amplia a consideração de que seu objetivo era exatamente o que pareceu. A defesa irracional e com tantas acrobacias aéreas, que chega a dar inveja à esquadrilha da fumaça, desafia a lógica e ao senso de ridículo. Grande parte da defesa do digníssimo gira em torno de suas qualidades pessoais, que honestamente não me interessam, e que  não deveriam interessar a ninguém.

Enquanto figura pública cometeu-se um ato público que incorreu no racismo, uma simples auto-critica lhe engradeceria. A resistência, inclusive coletiva, inclusive usando a vil tática do uso da empresa onde trabalha o ofendido como espantalho pra desqualificá-lo e aos críticos do ato de PHA, lhe e lhes diminui, como é comum recentemente a cada necessidade de defesa de um dos seus ou dos governos que apoiam.

Pouco se diz que o ofendido estava para obter, ou obteve, ganho de causa na justiça com relação ao fato ocorrido e que o jornalista PHA através de acordo conseguiu a cessão da  ação. Acordo esse onde reconhece que extrapolou e que não teve a intenção de ser racista, bastava inclusive dizê-lo publicamente a todos, mas ele, e seus defensores, preferiram a lógica da acrobacia para defender o indefensável.

É preciso sim batermos de frente com a lógica Kamel de "Não somos Racistas", inclusive em nós. E é complicadíssimo quando em um momento como esse, onde parte da "inteligentsia" que se toma por "progressista" cai em um "Quase não somos racistas" em nome do corporativismo.

Palavras tem peso e poder, precisamos aprender isso.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Sweet Dreams (Are Made Of This)

Os dias de hoje apresentam desafios a quem lida com política no cotidiano que superam as tradicionais , grandes ou pequenas, dissonâncias entre projetos político práticos e vertentes ideológicas. 

O avanço do fascismo aliado a uma nada suspeita burocratização que imobiliza os ditos movimentos e atores de esquerda são elementos super avisados no decorrer dos lindos anos 2000 pelas forças da "esquerda radical" e até por partes da esquerda nem tão radical assim representada pelo saudoso Leonel Brizola, avô do Excelente parlamentar Brizola Neto. 

Apesar de todos estes avisos foi preciso que em um Fórum Social Mundial Temático realizado em Porto alegre, na República do Rio Grande do Sul, o companheiro sociólogo socialista Boaventura de Sousa Santos tascasse um volumoso esporro pra o aviso ser notado pela esquerda que fingia não ver até onde ia seu "pragmatismo" e sua "responsabilidade'. 

Boaventura aproveitou o ensejo de #Pinheirinho para discorrer sobre o avanço do Fascismo social e as consequências disso diante da burocratização e do imobilismo da esquerda em sua maioria, e foi mais além, mencionou enfaticamente a falta de "traquejo" intelectual da esquerda, que fica presa mais do que nunca em uma linha de comando clara, com "procedimentos" claros, respostas rápidas e unitárias, saudosismo da unidade perdida,etc e tal. O companheiro encheu a boca pra dizer "A esquerda esqueceu-se de pensar".

E ai eu achei bacana que a esquerda radical, a partir disso, foi incluída como sócia-atleta da critica  pela esquerda governista.. Agora vai, tamo junto! E eu até concordo que a crítica seja compartilhada porque a  falha é global, mas sugiro que observem com mais calma porque já faz tempo que a esquerda radical avisa aos coleguinhas balouçantes das partes íntimas dos governos sobre os riscos dessa tática de  morde-assopra pro avanço do fascismo, ainda mais pós-carolização em 2010. 

Só que convém também trazer novos sócios pro papo, porque a fascistização social não parte só do tucanato delirante, parte dos aliados cheirosinhos do governo formoso e locomotivicio da Dona tia Dilmônica também curte a tese da borrachada como método de debate político, vide os Governos Deda e Wagner com estudantes  e as remoções no Paesquistão.

Mas não nos percamos acá na troca de dedurismo entre nossa amada e nueva solidariedade no preço a ser pago a partir da omissão bundona diante do coturno andar ensaiando uma volta. Bora fazer uma DR com relação à "A esquerda esqueceu-se de pensar". Até porque não foi só a Milícia progressista Governista que se esqueceu de pensar, há um modus non pensandi na esquerda como um todo que se arrepia com relação ao pragmatismo petemedebista, mas que também de uma aversão ao povo como ele é que chega a ofender meu lado antropólogo moderninho.

Quer  uma prova? o povo religioso pro marxismo ateu proselitista é maluco, esquizofrênico e "iludido" pelos pastores e padres maus. Ou sejam, se o cara não passou na universidade ele late em várias formas e linguagem au au, de pincher raivoso a Rotweiller biba. 

Toda a dimensão de construção de laços, de simbolismo, de honra, de tradição, de estruturação da realidade do cara se resume a um agá, o que a antropologia escreveu a respeito nos mais de cem anos dela é um imenso lixo porque não citou Marx mais de cem vezes.


Outra prova? Música popular é um lixo inventado pela CIA pra destruir a "verdadeira cultura popular" estuprada pela indústria cultural.  Ou seja, "Ai se eu te pego" é lixo, mas "Carolina com K" é genial e só o primeiro é produto da indústria cultural, embora qualquer historiador que lata também Pastor Alemão fluente saiba que Tonico e Tinoco, Gonzagão, era tudo os Teló do primeiros anos do século XX. 

Sem contar que "popular" ai esquece o que o povo ouve, porque, não entende o que tem no ouvir, porque se ouve, e  de novo os transforma em um bando de cãezinhos adestrados para a estupidez. 

O  mais engraçado ai é que por vezes o mesmo cara que bate no peito pelo PRO-UNI, ignora que os alunos do PRO-UNI, inclusive os mais safos e produtivos, fodões na teoria, curtem o bonde do tigrão e o "ai se eu te pego".

Além disso tudo toda a lógica de "Conscientização da classe trabalhadora"  parte do principio de estamentos hierarquicamente definidos, onde , o que não canso de repetir aqui, o povo é uma anta desnuda e nós os "iluminados". 

Não discutimos, não pensamos, não saímos de categorias definidas como pétreas há mais de cem anos, somos mecanicistas no marxismo, ignoramos outras contribuições científicas, somos arrogantemente encastelados em uma grande ordem semi religiosa de repetição ad infinitum de fórmulas pseudo-científicas que não resistem em sua maioria às bancas mais frágeis da academia. 

Somos alienados, alienados eruditos, mas alienados. Somos alienados do real, somos cegos ao mundo, pretendemos sermos líderes de pessoas que estranhamos ao vermos dançando, que tratamos por sem cultura, sem luz, sem alma. E é aí que perdemos pro fascismo social, porque ele não esquece que as pessoas pensam, ele inclusive adora  usar as emoções pra embotar este pensamento e tirar o pior de cada um.

É claro que para que revertamos esta situação temos de escolher entre fingir que não vemos e continuar na ladainha de disputa territorial em nome do aparatismo ou correr atrás de forma humilde e clara, pesquisando, lendo, refazendo nossas formas de ação,etc.

Isso nem atrapalha o âmbito eleitoral em si se for feito de forma decente e clara, é preciso a reflexão para que construamos um projeto de esquerda que queira saber o país para além da construção do Bolsa-Família. é preciso refletir pra resgatar a utopia disputando consciências de gente que conhecemos e não de  um gado amorfo criado por uma erudição elitista.

Doces sonhos são feitos disso.