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terça-feira, 20 de novembro de 2012

A guerra aos brancos e outras Histórias


A tradição de rebelião de escravos no Brasil é assunto que por vezes não sai da romantização do Quilombo de Palmares, inclusive com dramatização em folhetins televisivos de “versões” menores e açucaradas do feito do povo de Zumbi e Ganga Zumba. A compreensão do Escravo como mais que um sujeito passivo da ação opressora não é assunto corrente nem mesmo na educação formal. Exceto na academia as lutas dos negros escravos, africanos ou não e da população como um todo é colocada em situação hierárquica inferior às “grandes” lutas e revoltas.

Pra cada Revolta dos Malês temos mil Farroupilhas, para cada Sabinada, milhares de Inconfidências Mineiras. Fora da exploração parcial do feito de Palmares temos poucas menções que indiquem algum tipo de busca de uma ressignificação do passado com os dados contidos em diversas pesquisas produzidas cotidianamente nas universidades e que demolem qualquer tipo de formato monolítico do papel do escravo como vítima passiva dos senhores e do sistema.

Em “Revoltas Escravas no Brasil” de João José dos Reis temos um belo exemplo do trabalho que ajuda a reconstruir a imagem do Escravo como sujeito ativo de sua história. Ao apontar a tradição rebelde na Bahia com o listar de diversas revoltas, espontâneas ou planejadas, naquela outrora província e hoje estado, antes mesmo da eclosão da Revolta dos Malês em 1835.

Um dos exemplos é o da situação de Salvador no período da Revolta de 1807, onde diversos quilombos e terreiros nas matas das cercanias da cidade ajudavam a desenvolver uma coletividade africana relativamente autônoma alimentada pelo constante fluxo de escravos que habilmente usavam a maior liberdade que a escravidão urbana proporcionava.

Essa comunidade africana, e é importante notar que era majoritariamente africana, era resultado indireto da expansão da economia canavieira que demandou ampliação da importação de africanos para alimentar as plantações com mão de obra. A organização destes Quilombos não obedecia a lógica tradicionalmente vendida como de pequenos estados, como se fossem cópias fiéis de Palmares, mas possuíam um tipo de ocupação com poucos moradores fixos e um fluxo constante de escravos que buscavam escapar por algum tempo do cotidiano de exploração a que estavam diretamente expostos. Além disso possivelmente buscavam a convivência com outros africanos por algum tempo.

A maioria dos escravos voltavam a seus senhores, retornando à sua rotina habitual após a “folga” obtida pela fuga temporária. Os que ficavam corriam o risco de serem pegos por capitães do mato em busca de recompensas ou pelas constantes batidas policiais. Assim como os Quilombos, os Terreiros, onde as manifestações religiosas e profanas eram o mote de atividade, eram parte dessa rede instável de comunidades que surgiam, e apareciam , animadas pela contraditória facilidade com que a proximidade de Salvador permitia tanto o surgimento quanto o aparecimento da repressão.

A instabilidade não impedia no entanto que quilombos e terreiros fossem menos ativos e importantes no cotidiano de Salvador no início do Século XIX, sendo destino constante de escravos e homens livres pobres em busca de cura, convivência com suas divindades e conselhos dos sacerdotes presentes em cada local.

A repressão levada a cabo pelo Conda da Ponte, João de Saldanha da Gama Mello e Torres Guedes de Brito, contra essas comunidades, buscava, segundo suas palavras, combater a indulgência de senhores que permitiam uma vida africana que afrontava a ideia de “civilização” do então Governador e Capitão Geral da Capitania da Bahia e de parte da sociedade baiana da época. A severidade com que era feita a repressão, a prisão de lideranças não tardou a levar à comunidade negra africana de Salvador a organizar uma revolta planejada contra o Governador e sua política de repressão. A ação de repressão provocava uma reação.

O nível de organização da revolta não era pequeno, o planejamento de um primeiro levante para 28 de Maio de 1807, durante as celebrações do Corpus Christi, já dá uma boa ideia de como o entendimento das fragilidades do inimigo não era pequeno. A presença muçulmana já se fazia presente e a organização partia também de objetivos religiosos e buscava a fundação de um reino nos sertões da Bahia. Outra parte dos seus planos incluía o incêndio da cidade baixa, a casa da alfândega e uma igreja no bairro de Nazaré. Os Rebeldes eram Haussás, etnia muçulmana que foi vitima de uma guerra promovida pelo Xeque do grupo étnico Fulani, também muçulmano, contra os grupos Haussás, a quem acusava de serem pagãos e muçulmanos relapsos. Ambos os grupos viviam no Sudão Central, norte da atual Nigéria.

Essa presença e evidências do papel da religião na revolta, como a presença dos amuletos muçulmanos, o planejado incêndio da igreja de Nazaré e a fogueira de imagens, a intenção encontrada em alguns documentos da tomada de poder em Salvador com a colocação como Governador de um líder, chamado de “bispo” pelas autoridades brancas e que podia tratar-se de um imã muçulmano, a quem também desejavam incluir no cargo religioso mais alto da cidade, são elementos que indicam a junção de objetivos políticos com objetivos religiosos.

Os rebeldes organizaram-se a tal ponto de organizar em cada freguesia da cidade a presença de um “capitão” que teria a incumbência de organizar a revolta em cada localidade, essa rede permitiria um ataque na cidade que , nas palavras do Conde da Ponte, levassem ao sucesso amplo da “guerra aos Brancos” com a provável execução destes e criação em Salvador de um reino islâmico africano com junção nas mãos do Governador dos poderes políticos religiosos.

O movimento foi traído por um escravo fiel a seu senhor e as ações para a interrupção do programado levante se iniciaram no dia 22 de Maio de 1807 e acabaram por prender a maior parte dos conspiradores e levá-los a julgamento com diversas punições que incluíam a morte de alguns.

As características desta revolta, que nunca chegou a acontecer, impressionam pela similaridade com uma revolta mais famosa e mais ampla que ocorreria quase trinta anos depois, a Revolta dos Malês , assim como outras tantas rebeliões que ocorreram nessa nada tranquila província da então colônia. A presença da ideologia e de uma liderança religiosa, da concentração em torno de um grupo étnico que planejava ou não associar-se a outros, são elementos comuns nas rebeliões posteriores e especialmente na mais famosa delas.

Outro elemento importante é notar que as rebeliões, que já ocorriam frequentemente, concorrem tanto no imaginário escravo da época como na política pendular de repressão dura ou amena, negociada, a partir do contexto que incluía a independência do Haiti a partir de uma revolta escrava de grandes proporções e que havia ocorrido entre 1791 e 1804, com vitória da população negra.

Após a independência haitiana, a política de concentração de escravos nas grandes cidades do Brasil tornava-se uma grande “dor de cabeça” para os governadores e na Bahia especialmente um fator de grande preocupação. A política de repressão às rebeliões e de administração dessa população negra variava de acordo com o governador e tinham por objetivo administrar também a relação entre estas rebeliões e um possível “novo Haiti” em terras brasileiras. A possibilidade de uma revolta de monta assustava as elites coloniais, não só brasileira diga-se de passagem.

As revoltas escravas não eram raras, muito pelo contrário e não eram apenas ações isoladas, rebeldias desorganizadas e explosivas, muitas vezes possuíam organização e objetivos claros. Os rebeldes e a população africana não estava isolada, sem conhecimento do cotidiano, sabiam das histórias de escravidão e resistência que ocorriam no mundo. Sabiam de seu papel, buscavam resistir para conquistar seu espaço ou negociar para obterem ganhos. Sabiam do Haiti, sabiam da repressão, sabiam se defender, sabiam atacar.

As revoltas escravas não forma poucas, nem apenas produzidas para fundação de reinos ou repúblicas africanas, algumas vezes apenas para reduzirem castigos ou ganharem dias de folga, outras vezes com um enorme grau de organização, planos definidos e uma busca de eficiência invejável, mas todas todas elas tinham pro protagonistas os negros, os escravos que são continuadamente invisibilizados na história oficial, ocultos para que seus descendentes nãos e vejam como eles, atores principais de sua história.



sábado, 3 de setembro de 2011

A vida não está a venda

A vida não está a venda, mas parece que governos, empresários, jornais e TVs discordam. 

A ideia de educação posta na mesa é a de treinamento para o trabalho; Jornais e revistas publicam "estudos" e "orientações" de "especialistas" que dizem que quem muda de emprego é mais infeliz, que temos de dizer por patrão quando namoramos pessoas do trabalho, que temos de confiar na empresa nossos assuntos pessoais, que a empresa tem todo o direito de fuçar nossa vida pessoal, inclusive nas redes sociais; Telefônicas e Operadoras de TV e banda larga tratam nossa comunicação como se fosse uma dádiva pela qual pagamos pra ter, permitindo toda sorte de abusos que impedem nossa livre utilização da tecnologia e do serviço, público e sob concessão diga-se de passagem,  a contento, como agravante de atendimento e prestação de serviços piorarem se o cliente é de baixa renda; Os Governos e agencias "reguladoras" ignoram toda a sorte de mau atendimento e prestação de serviço e aumentam a presença das teles e outras concessionárias  como a Light, no mercado, priorizando a presença de empresas privadas e péssimas fornecedoras em planos como o PNBL ou o Luz pra todos. 

Esses são apenas alguns elementos elencados pelas recentes experiencias pessoais com os assuntos de cada chiadeira. A vida em vários níveis é posta sob o tacão de uma tecnocratização do viver e sob o critério do mercado, cujo serviço é prestado de acordo com o pagamento e de acordo com os interesses da prestadora.

Como eu vendo a força de trabalho a empresa tem o direito de usufruir minha vida como lhe convém, dando pitacos, "orientando" o viver. Com eu pago pouco meus serviços de luz, telefonia e internet, quando existem, podem ser piores e com atendimento pior. Comi eu não moro nos grandes centros ou nos centros dos grandes centros posso ter os planos de governo terceirizados para que a execução seja feita de forma mais barata e de qualquer jeito, já que conto menos no bolo de faturamento e não tenho muita noção de como é um serviço bom, seja de energia elétrica ou banda larga. Como eu sou só voto não preciso, e nem posso, reclamar do que acontece no dia a dia do governo com relação à regulação de serviços que atingem meu dia a dia, pois o mais importante é o "progresso" do país.

Daí Belo Monte tem de acontecer porque o país precisa, e o país pode mandar miseráveis e índios para a casa do famosíssimo caralho, eles são restos e perdas aceitáveis para o desenvolvimento. Assim o Plano Nacional de Banda Larga pode ser entregue às mesmas Teles que tratam o cidadão como um estorvo, o atendem de forma ridícula, lhe dão serviço falho, porque é pra pobre que nunca teve acesso e nem vai perceber que é tratado como lixo. Da mesma forma a Copa 2014 tem de acontecer porque é melhor para a imagem do pais no exterior, foda-se se pobres tem de sair da frente, serem jogados que nem lixo na casa do famosíssimo caralho, sem transporte, água, luz, internet, nada. E por um parcial fim eu tenho de aceitar que meu patrão seja uma mistura de pai com grande irmão, porque cê sabe,né? Emprego tá difícil.

 A educação que deveria ser a formadora de pessoas, cidadãos para uma sociedade justa, plena e com consciência do que é é um produto secundarizado, um treinamento de trabalhadores, uma formatação de não-gentes suscetíveis à crença imediata na palavra de especialistas e pastores, patrões, deputados e prefeitos e dóceis e obedientes cordeiros na fila indiana do dia a dia. Os professores são proletários das letras, que ao invés de serem uma massa crítica de formação são treinados de modo geral a serem uma massa de repetição da negação do esforço intelectual do aprendizado para a criação de robôs programados, jesuiticamente orientados à decoreba irrefletida.  Massacrados os professores, proletários da educação, são todos os dias mau pagos, mau vistos, tidos como párias, tidos como mercadorias indesejáveis, porém necessárias, nesse mundo supermercador de ilusões.

A escola é uma necessidade chata voltada apenas pra tornar o individuo apto a ser mandado e por isso ele odeia aquele que todo o dia vai a ele encher o saco. E por isso ama os heróis do fogo, os heróis da pátria em suas manifestações, enquanto o professor é um sujeito que quando não reclama é péssimo e quando reclama atrapalha o transito.

A vida é vendida por várias esferas da sociedade, governos, empresários, jornais e revistas. Nossa vida é vendida e viramos boiada caminhando a esmo.  A escola que deveria nos formar virou curso de especialização em ser boi, os jornais e revistas são meios de propaganda da ideia de que somos bois, nossa luz e internet são geridos por empresas que nos tangem como gado quando nos presta seu mau atendimento, os governos nos tratam ou como idiotas ou como sacos de pancada quando reclamamos. A obrigação dos governos virou dádiva, a obrigação das empresas virou produto, a obrigação dos jornais virou exceção.

A resistência a isso ainda existe, está por ai, mesmo que partidos de esquerda ainda permaneçam achando que são a luz a um povo que precisa ser "conscientizado", mal sabendo perceber que a inconsciência está nas cúpulas burocratizadas que não vêem nem seu povo filiado quanto mais o grande povo que está aí só precisando ser ouvido. A resistência à venda das vidas está nas ruas, na nossa cultura, na nossa polifonia. 

Para ouvir a resistência é preciso cuidado e calma.Cuidado pra não cair nos cantos das sereias que com belos discursos, e por vezes atuações, escondem autoritarismos e hierarquias que nos aprisionam e Calma para não assustar com o desconexo barulho que vem a nossos ouvidos. Não, não é caos, é a voz da vida, da polifônica vida coletiva, onde a síntese é autoritária e cujo objetivo maior é ser múltipla.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

O Hip Hop e os Malês no Estado de Direita.

Não sou nenhum fã histérico de HipHop,embora ouça Racionais MC e curta muito O Levante, do grande Gas-Pa,mas chama muito a atenção o engajamento do HipHop Carioca nas lutas populares, legalização das drogas, contra a criminalização da pobreza e no anti-racismo em contraste com uma cena Funk majoritariamente pop e vazia de maiores discussões políticas,salvo,com louvor, o povo da APAFUNK,que em busca da manutenção de uma raiz funk reivindica uma política de criação colada no embate contra a violência policial,a epxlorçaão do trabalho,o racismo edemandas vivas das favelas e periferia.

Enquanto isso o coletivo Lutarmada,em especialoLevante, que ouço mais,combate com força a pasmaceira da música de bundinhas e atolamentos, amores emos e chororôs acostumados com almofadas róseas. É Rap da Revolução pra lá e Estado de Direito, estado de Direita pra cá e pau na orelha da pasmaceira. Mc Nissin abre Batalhas de MCs cantando consciência política pra galera que aprende um engajamento sem caretice.

Essa galerasai do comum ao entrar pro combate com uma arte que se encaixa onde lhes querem gueto e abre os portões na porrada pra se proclamar Comunidade, reafirmarem-se como pretos e pretas, conscientes, lutadores, Graças ao HipHop.

Relembram os Malês que não queriam os palácios dos senhores em 1835 e uma vida igual àquela de quem os chicoteava,mas queriam um estado deles, com a cara deles, conquistado por eles. Em um país que acredita em Dom Sebastião com barba e macacão de metalúrgico e tem a cara de pau de se propor, ainda, "pacífico", "paz e amor", relembrar lutadores que perderam sua vida em uma luta contra a escravidão,antes disso virar moda com camélias na lapela numa corte muito da cara-de-pau, e com a ousadia de quem quer mais do que o impossível,pode ser a chave pra entendermos e agradecermos a novos lutadores que na linhagem dos Malês propõem a consciência pra conquistar o poder.

E é na linhagem do HipHop mais carioca que nunca, das favelas de um Rio cheio de pacificações ditatoriais e tiros em moleques na escola, que os Malês renascem pra tocar o terror na cidade das novelas.