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segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Da cidade Febril à cidade partida

Para quem milita contra a criminalização da pobreza e os projetos higienistas presentes ainda hoje no discurso da "modernidade" que grassa nas bocas, mentes e corações de políticos "jovens" do PT, PMDB e mais classicamente Tucanos do velho e bom PSDB de Guerra, o livro "Cidade Febril" de Sidney Chalhoub, publicado pela Companhia das Letras, é uma importantíssima ferramenta de acumulo de informações sobre a invenção da tradição do discurso higienista como embasador da perseguição, criminalização e justificação de atentados aos direitos humanos das pessoas pobres.

Ao nos apresentar o fato notório que desde o Império há um discurso que culpa a pobreza (Nada coincidentemente ligada à pele preta) tanto pela sua condição quanto pelos perigos das grandes cidade, assim como por doenças e problemas de saneamento, Chalhoub nos dá precioso meio de identificarmos como se cria um discurso "modernizante" que através dos tempos ecoa velhos preconceitos e nada "modernos" ou "novos", métodos de construção de uma modernização conservadora, de uma modernização de fundo tecnocrático, tecnicista, que despolitiza o cotidiano e a vida da sociedade, em nome de verdades absolutas "cientificistas" que consideram tudo o que estiver fora de sua "verdade" um absoluto inexistente.

Embasados pelo discurso que culpava a moradia das pessoas pobres como culpadas pelo contágio da Febre Amarela, vilã escolhida sob o manto da omissão com que tratavam a mortandade dos pobres e pretos por tuberculose, os motores da construção da nova cidade burguesa, construída sobre os escombros da cidade "colonial", iniciavam sua fome de derrubada de um "velho" muito similar ao pobre e no erguer de um "novo" muito similar à interesses de um já nascente mercado imobiliário.

No discurso dos médicos higienistas estava a base cientifica que muito interessava a construção civil da época e a indústria de transportes, assim como o embasar de um discurso de controle social que usaria um trabalho feito por um alto funcionário da polícia de Paris, M.A.Fregiér, pra justificar a construção de uma ideia de "classes perigosas" perigosamente vinculada, pra não dizer ostensivamente e conscientemente, à noção de "classes pobres", que no Brasil ganham o adendo de "população negra".

Também havia muito interesse dos mesmos especuladores para sustentar uma ação que continha a limpeza social, a sanitária e a "estética" da cidade, em nome de um conceito de civilização que tinha como ideia da cidade perfeita uma cidade sem negros, sem pobres e sem o contágio que para os philosophos  da época (Usando um termo do próprio autor) eram quase inerentes a pobres e pretos e suas moradias.

A própria opção pelo combate à febre amarela, doença que vitimava muito mais imigrantes e brancos do que negros, em detrimento de uma política de combate à tuberculose, que vitimava mais negros que os demais, dadas as condições de alimentação e abrigo das pessoas pobres, em sua maioria negros, tem em si a opção quase óbvia e sinceramente assumida de tentar facilitar à natureza o branqueamento da população.

Há inclusive uma declaração abertamente neste sentido emitida surpreendentemente por Rui Barbosa, autor de monta e vinculado a uma ideia de liberdade e república (que parece para ele não significar a mesma coisa com negros) e que é um poço de afirmação de que para a sociedade brasileira da época, e ouso dizer que ainda hoje, o branqueamento era não só preciso, como necessário e a qualquer custo.

Rui Barbosa dizia sobre a febre amarela:

                          É um mal que só a raça negra logra imunidade, raro desmentida apenas no curso das mais violentas epidemias e em cujo obituário, nos centros onde avultava a imigração européia, a contribuição das colônias estrangeiras subia a 92 por cento sobre o total de mortos. Conservadora do elemento africano, exterminadora do elemento europeu, a praga amarela, negreira e xenófoba, atacava a existência da nação em sua medula, na seiva regeneratriz do bom sangue ariano, com que a corrente imigratória nos vem depurar as veias da mestiçagem primitiva, e nos dava, aos olhos do mundo civilizado, os ares de um matadouro da raça branca. (CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril. Companhia das Letras. Rio de Janeiro,2011. página 95).

Esses dizeres, se não repetidos com esta clareza que a um homem de seu tempo como Rui Barbosa era permitida, são a fundação de um discurso de culpabilidade de parte da população no que diz respeito aos "dramas da civilização", leia-se civilização branca, repetidos até hoje. 

Se antes o uso da febre amarela como um problema aos planos de branqueamento da população era farto e com isso se sustentava uma política que unia o bota abaixo, o derrubar das casas de pobres, o policiamento indicando que pobres e negros eram a classe perigosa, como forma de ação civilizatória, este mesmo discurso retorna com o mesmo tipo de cerco quando as remoções sob alegação de "salvar vidas em área de risco", a pacificação das áreas onde vivem os mais pobres (e pretos), levando com elas a similaridade de uma especulação imobiliária que ocupava as áreas demolidas dos cortiços (preocupantemente ocupadores de valorizadíssimas áreas para os planos dos empreendedores), a internação compulsória das vítimas da epidemia do crack.

E em tudo isso há um leve cheiro de um tradição reinventada e cuja diretriz é uma percepção de uma noção de civilidade sem direitos humanos estendidos a quem não for branco.

É impressionante também como operações de guerra se assemelham. Em 1892 a vítima foi o Cortiço "Cabeça de Porco", e em 2011 foi o Pinheirinho, em 2012 está sendo a Providência, o Terreirão e outros tantos cantos onde os interesses do estado mal ocultam interesses poderosos privados. 

A tradição inventada para a corte no século XIX, não se resume à ela em pleno século XXI, como não se resumia no século XX, e ocupa cadeiras que vão desde os famigerados tucanos até os ex-esquerdistas e hoje neoPTistas do antigo Partido dos Trabalhadores.

À esta tradição é que deve ser feita nossa resistência para que a "modernidade" e o "aprendizado" que o sistema procura nos convencer ser um avanço em direção a um "progresso" demolidor de civilizações e direitos, não nos torne vítimas de um cientificismo tecnocrático que mal oculta seu racismo, seu horror ao povo que diz defender e suas ações de "melhoria da vida" que são tão parecidas com as ações dos elitistas racialistas do Império que parece que não se segue apenas uma tradição, mas na verdade uma compreensão do mundo que hoje se tornou crime ser repetida em voz alta.


sábado, 1 de setembro de 2012

A quem interessa a polêmica do Horto/Jardim Botânico em plena campanha eleitoral do Rio?



Publicação e divulgação amplamente autorizada e recomendada.

Os ataques mentirosos e de caráter ideológico lançados por um pequeno número de moradores do bairro do Jardim Botânico, mas com poderosos e nada ingênuos apoios de corporações privadas de comunicação, representam mais um lamentável episódio do histórico de Racismo Ambiental e de limpeza étnica que tem ganhado força e legitimidade no Rio de Janeiro nos últimos anos. 

Mas não é estranho, nem surpreendente, numa questão tão séria e complexa, que inclui um polêmico Projeto de Lei municipal assinado por dois vereadores do PT (incluindo o atual candidato a Vice-Prefeito Adilson Pires), os petardos só sejam apontados para as candidaturas do PSOL à prefeitura e à câmara dos vereadores.

Trata-se de um movimento muito claro de setores do PV e do próprio PT, a quem interessa largamente a perpetuação do regime de exceção e das práticas de remoção proto-fascistas já amplamente documentadas na própria câmara de vereadores e denunciadas em nível nacional e internacional por diversas instituições de inabalável credibilidade. Denúncias que essa mesma mídia corporativa nacional tem feito questão de tornar invisível, pois é sócia de todos os grandes projetos que visam tornar o Rio de Janeiro um playground privilegiado das classes mais abastadas do mundo.

Esse lamentável período de nossa história dá margem a declarações como a que vimos nesta sexta, em entrevista à Folha/UOL, onde o atual prefeito destila o seu cinismo e maucaratismo afirmando que nenhum "escândalo" de corrupção surgiu em seu governo. Decanta, o ignóbil governante, essa vergonhosa conclusão como se o fato decorresse de suas aptidões pessoais, já não suportadas sequer pelo seu staff pessoal. Omite, com isso, o débil alcaide, a fulminante blindagem institucional perpetrada por seus fiadores políticos junto ao Poder Judiciário (com as famosas pressões "não-republicanas") e a diversos promotores públicos estaduais que, por uma mera questão ideológica, de um conservadorismo que remonta ao período da República do "Café-com-Leite", simplesmente abdicam das suas atribuições constitucionais e calam-se de forma vexatória diante dos mais graves crimes ambientais e contra os direitos humanos já empreendidos nesta cidade desde a abertura democrática dos anos 1980.

Que fique claro, para os militantes das causas sociais, dos direitos humanos e pela Justiça Ambiental que ainda titubeiam sobre suas opções no Rio: a luta política não cessa durante a campanha eleitoral. Muito ao contrário, para os que detém o poder da imprensa e o caráter da impudência, esse é o melhor momento para aproveitar nosso refluxo momentâneo e avançar vigorosamente sobre lutas centenárias. A omissão neste momento não pode ser tolerada.

Jorge Borges 
Publicação e divulgação amplamente autorizada e recomendada.


Nota da Superintendência de Patrimônio da União: Esclarecimento sobre o Jardim Botânico
A propósito da matéria “Jogando no time adversário” publicada no jornal O Globo de hoje, 19.08, a Secretaria de Patrimônio da União do Ministério do Planejamento esclarece que: 

A SPU não defende interesses privados, mas sim a efetivação da função social da propriedade pública federal – patrimônio de todo o povo brasileiro. Foi solicitada a suspensão das ações de reintegração de posse na área da União para trazer tranqüilidade às cerca de 500 famílias de baixa renda que nela vivem, algumas há mais de 100 anos.

Está em curso um projeto de regularização fundiária de interesse social que inclui tanto a regularização das famílias de baixa renda como a dos limites do próprio Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro. 

A ocupação na área remonta à própria criação do Instituto. As ações de reintegração de posse foram iniciadas na década de 80. A execução destas ações trouxe insegurança às famílias de baixa renda que estão em processo de regularização fundiária (Lei 11.481 de 2007), amparada na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade. 

Não é uma ação inédita, nem é um caso isolado. Em outubro de 2007, a SPU, em providência similar, pediu a suspensão de ações de reintegração de posse à Procuradoria Geral da União de famílias que ocupam imóveis residenciais da extinta Rede Ferroviária Federal em todo o território nacional, para proceder a um estudo das condições das famílias que residem nesses locais e promover a regularização fundiária de interesse social. 

A ação de regularização fundiária do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro e da comunidade do Horto está sendo implementada pela SPU – Secretaria do Patrimônio da União em parceria com a UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro e apoio do ITERJ – Instituto de Terra do Estado do Rio de Janeiro. 

A parceria resulta na produção de dois instrumentos: um cadastro sócio-econômico (já em fase de conclusão) que permitirá identificar as famílias por seu perfil social e de ocupação; e um cadastro físico que possibilitará identificar as ocupações existentes dentro da área de interesse do Jardim Botânico e discutir soluções para a realocação de famílias que vivem em área considerada atualmente de interesse ambiental. 

A SPU implementa ações para reorientar a gestão do patrimônio para cumprir sua missão institucional de “conhecer, zelar e garantir que cada imóvel da União cumpra sua função socioambiental em harmonia com a função arrecadadora, em apoio aos programas estratégicos para a nação”. Atenciosamente, Eliana de Araújo Chefe da Assessoria de Comunicação Social do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.


 
Jorge Borges
Geógrafo, Assessor Técnico

Twitter: @jorgeborgesrj

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O Valor da Merenda Escolar

Depois da repercussão diária das falas de Freixo, tratadas de forma reles e desonesta por uma milicia organizada que apoia o atual prefeito, com táticas inclusive similares aos vários apoiadores virtuais de Dilma pós-2010, resolvi escrever um texto curto a respeito da lógica presente na maior parte dos argumentos.

A merenda escolar é parte do investimento em educação, faz inclusive parte importante dos investimentos em inclusão social e saúde, dado que é fundamento da alimentação de milhões de crianças pobres, muitas vezes tendo sido a única refeição garantida da maioria.

Esse quadro de única refeição se alterou com o bolsa-família, programa de sucesso do governo Lula, mantido pelo governo Dilma e até o momento único programa literalmente popular mantido por este governo mesmo em meio à violenta marcha conservadora a que abraçou.

Lula sabia da importância da alimentação para que algum tipo de programa popular tivesse sucesso de ser implementado e com algum ganho de qualidade de vida à população. Por isso investiu inicialmente no programa Fome Zero, que fracassou, e que gerou o que posteriormente tornou-se o Bolsa-Familia após intervenção de gestão qualificada do atual candidato a prefeito de Belo Horizonte Patrus Ananias.

Parte do Fome Zero que não foi levado a cabo após a transferência da gestão do programa para a direção dos programas de renda mínima era o estímulo à agricultura familiar e o uso de alimentos por ela produzidos na merenda escolar.

No programa de Governo da candidatura Marcelo Freixo esse eixo retorna com o acréscimo salutar da defesa de subsídios à agricultura familiar para a produção de alimentos orgânicos para consumo na merenda escolar após sugestão de apoiadores na plataforma colaborativa de debate do programa. 


- O Rio de Janeiro propôs isenções fiscais para instalar a indústria da CSA, em Santa Cruz. Se fizesse isso para estimular a tradição pesqueira, artesanal e agrícola da região geraria muito mais empregos. E, como se não bastasse, a prefeitura está cobrando IPTU de área agrícola. Não vamos fazer isso porque não tem sentido — disparou Freixo. — Propomos um diálogo com os municípios vizinhos para que a produção de orgânicos abasteça a rede municipal de educação e ainda sirva como forma de trabalhar a educação alimentar nas escolas. Esta é uma política que a prefeitura pode adotar para profissionalizar e organizar a agricultura familiar.

Qual o que? Os ataques nos comentários e nas redes sociais foram dos mais desqualificadores aos mais delirantes, utilizando uma colocação prática, um programa de governo para o acusar de "delírio de candidato zona sul".

Existem algumas pérolas que convido aos leitores a irem nos coments da matéria para se divertirem com o grau de selvageria tragicômica da situação.

Engraçado que a promessa demagógica do atual prefeito de colocar o Rio de Janeiro em primeiro no Ideb até 2016 não é tratada como delirante, não é tratada como "promessa".

Interessante também é que os subsídios às empresas de ônibus que praticam um serviço de péssima qualidade, tratam os usuários como gado, aumentam de preços sem melhorar o serviço, reduzem o número de ônibus mesmo com redução de custo via BRS, nada disso é questionado, mas alimento pra criança em escola pública, a maioria pobre, é "delírio zona sul" na ponta dos dedos dos que, pasmem, se dizem defensores de um governo "popular".

Mais interessante ainda é que os subsídios à implementação da TKSA, siderúrgica que possui denuncias contra si que vão de trabalho escravo a uso de milícias como segurança de suas obras e agora de suas instalações além de mais de uma autuação por crime ambiental devido à lançamento de partículas metálicas na atmosfera, algo que atinge diretamente a população de Santa Cruz, nada disso é questionado, mas subsídio ao desenvolvimento da agricultura familiar para melhorar a merenda de crianças pobres? Qual o que? anátema!

Os subsídios à TKSA a princípio são estaduais, mas será que a Prefeitura do Rio de Janeiro não tem nenhum tipo de forma de pressão para buscar  o impedimento dos subsídios e até a suspensão da instalação de uma siderúrgica cuja relação emprego gerado/Danos sócio ambientais tem péssima relação custo-benefício para a cidade e sua população? 

Será que à prefeitura do Rio de Janeiro interessa mais se omitir diante do descalabro que foi a implementação deste câncer em forma de siderúrgica e responsável pelo aumento de 67% das emissões de carbono da Capital conforme a Fundação Osvaldo Cruz, e ainda foi subsidiada pelo Governo do Estado do rio de Janeiro cujo timoneiro é o companheiro de PMDB de Paes, o Senhor Sérgio Cabral Filho?

Será que o que mais ofende aos partidários do Governo Paes, aos partidários do Governo do PMDB, aos Petistas aliados ao PMDB é o subsídio à agricultura familiar para a merenda escolar e não o subsídio à máfia dos transportes e À empresas que ampliam os gastos com reparação ambiental e com saúde do Município?

Será que a guinada ideológica ou a salvaguarda do aparato estatal é mais importante que um norte de princípios ideológicos, éticos até, e cuja priorização é diretamente dada ao povo e suas crianças, sem intermediários?

Diante do que li, diante do que se põe à mesa pelos comentários nas redes sociais e sites de notícia  mais vale subsidiar empresários que crianças pobres para a massa de apoiadores do Governo Paes, petistas incluídos, o que diz muito sobre eles e sobre o governo.

A lógica de cidade espetáculo e capitalistizada, amplamente liberal, com um estado gerenciador de eventos a substitui o princípio ético do governo e  do estado pata a população, detentora do poder e em cujo nome o poder deve ser exercido.

Subsídios à agricultura familiar, que provavelmente são menores e mais eficientes que à máfia dos transporte ou à siderúrgica envenenadora, são tratados como "promessas" comparáveis à levar a praia à Tijuca. Já dizer que dobrará a nota do Ideb do Rio de Janeiro, sem nenhum tipo de investimento assinalado, sem nenhuma guinada do programa em atual execução (dado que o prefeito é candidato, mas não deixa de ser prefeito) é tratado como "proposta".

A lógica da defesa irracional dos governos se prende no "preço" dos alimentos para crianças, mas não "preço" (De financeiro a socio-político) de mega empreendimentos ancorados em remoções, subsídios à empresas de transporte sem nenhum compromisso com o cidadão e a empresas poluidoras, (Da TKSA às empresas do Grupo Eike Batista).

Encontro de Marcelo Freixo com educadores
As prioridades dizem muito sobre a política.

O Valor da merenda escolar é parte definidora dos valores dos grupos políticos e entender seu valor talvez seja mais importante que saber seu preço.

sábado, 28 de julho de 2012

Das primaveras

Uma cidade que precisa de sua primavera.

Essa foi a  primeira frase que pensei há dias para um texto político que desse conta de uma ideia que toma forma a cada dia mais: O Rio de Janeiro é o carro-chefe da construção de um país cuja história faz o estado brasileiro ser especialmente liberal, um marco do liberalismo não em sua face utópica, mas em sua face concreta, real, de gerente do capital para o capital e cuja população é ou alimento pra máquina de produção ou anátema,barreira, e estorvo.

A historia do Rio de Janeiro se confunde com a história do Brasil por motivos óbvios, sendo uma de suas primeiras capitais e tendo sido distrito federal até a construção de Brasília em 1961, foi no Rio de Janeiro que a face do estado como gestor do capital se fez de forma clara, principalmente em suas administrações municipais, que de Pereira Passos a Eduardo Paes pouco transformaram a opção preferencial pela ausência de pobres à vista.

Se de início com Pereira Passos foi sob a alegação da "higienização" do Rio de Janeiro, considerado inóspito para os diplomatas que vinham ao distrito federal em missão oficial e temiam aqui residir, para que as doenças como a febre-amarela se findassem, hoje é para a "modernização" da cidade para recebimento de mega-eventos que "internacionalizam" a cidade como cidade-palco perfeita. Em ambos os casos a dinâmica de administração do estado para sua população é tomá-la como coadjuvante do processo de mudanças urbanísticas e sociais em que o povo em sua maioria é apenas espectador inativo, muitas vezes de seu difícil deslocamento e da remoção de sua casa para a construção de algum empreendimento imobiliário onde ele nãos erá beneficiado.

Em sua caminhada histórica de representante maior do liberalismo enquanto aparato estatal gerente do capital, o estado Brasileiro em suas três esferas fez do Rio de Janeiro o lugar onde o presidente dizia que os problemas sociais eram problema de polícia e nomeava Pereira Passos para que erguesse uma nova cidade sobre os escombros do bota abaixo e baseada nas botas de uma polícia colocada estrategicamente em um corredor polonês que impedisse a invasão da população pobre à área de residência dos ricos (assunto do qual já tratei aqui e que também pode ser visto neste artigo de Gizlene Neder) e que hoje o mesmo estado utiliza a cidade como laboratório das políticas de benefício à empreiteiras e de beneficio duvidoso à população pobre que é removida de sua casa sob alegações de área de risco para locais longínquos e sem infra-estrutura adequada de transporte, por exemplo e muitos apresentando problemas sérios. 

O Minha Casa, Minha vida não apresenta nenhuma variação digna de nota dos programas habitacionais anteriores e obedece a lógica de afastamento da população de seu local de moradia de origem.

Além disso, as UPPs acabam entrando só em sua face repressora, longe do prometido pelo poder público que insistia que haveria a ocupação social pelo estado, reeditando a opção pelo policiamento da pobreza e criação de um corredor, desta vez olímpico, de vigilância da população pobre que se por um lado se vê livre do tráfico, por outro é vigiada cotidianamente e tem sua liberdade de ir e vir, de manifestação cultural severamente reduzida pela força de ocupação do estado como se vê na proibição do funk nas áreas sob ocupação.

A população do Rio se vê assim cotidianamente e historicamente como coadjuvante na sua própria cidade, vitima de sua divisão entre as zonas habitadas pela classe mais alta, que concentra serviços e equipamentos urbanísticos e fiscalização constante da prefeitura, e as zonas habitadas pelas classe trabalhadora, onde transporte, saúde, educação, lazer são parcos, onde a fiscalização da prefeitura é ausente, onde ônibus e carros agem como querem e desejam, onde não há espaço organizado para o transito da população e onde o poder público só aparece pela via de cabos eleitorais, ou coisa pior, e onde o clientelismo é o mote da ação política.

Se na zona sul, cenário preferencial de "venda" da cidade, a limpeza urbana, o transporte público, a fiscalização da ocupação do espaço público são funcionais e rígidos, nas zonas norte e oeste a lei do mais forte é por vezes quase literal e a ação da prefeitura vai de conivente a omissa e até lixeiras nas ruas são uma honraria e uma raridade.

A própria lógica de intervenção urbana parte do princípio do embelezamento e de priorização de "melhorias" que andem lado a lado com investimentos privados no mercado imobiliário, opta-se por mega empreendimentos de construção civil e menos investimentos em transporte coletivo e público, com redução da presença de carros, opta-se sempre por benefícios ao capital antes do benefício ao cidadão e assim se constroem menos metrôs e mais "transoestes" reforçando a opção rodoviária engarrafadora, se faz mais corredores de ônibus com transporte sobre trilhos cada vez piores e mais caros.

É assim no Rio de Janeiro, mas isso é uma referência para o país e não só hoje.

A lógica de "estamos utilizando o estado para transformar a vida das pessoas" e que tem do lado anúncios de mega obras, esquece que a mudança na vida das pessoas é muito mais superficial e ligada ao consumo do que estrutural, já que as pessoas continuam morando mal, se deslocando mal nas cidades, tendo péssimo ensino (Inclusive superior nos PROUNIs e às vezes nas Universidades públicas), péssima saúde  e uma segurança pública que trata o pobre, o negro, o mulato, como criminoso de per si e a ocupação do espaço público como ofensa.

É nesta conjuntura, em que regredimos nos avanços cidadãos para sermos cada vez mais reféns da mesma velha lógica de estado liberal de Rodrigues Alves a Dilma Roussef e de Pereira Passos a Eduardo Paes, e onde a primeira ideia de primavera sob foi a liderança mítica de um Lula pré-abraço em Maluf, que temos a chance de levar a cabo um movimento que contamine a política de novo com o impeto da mudança onde a frase de Brecht em que "nada deve parecer impossível de mudar" seja muito mais que um ornamento em uma bela camisa, mas que seja um refrão de mudança na prática, no cotidiano, no dia a dia, na vida, na alma, nos olhos das pessoas.

Precisamos da primavera para sair da cidade partida rumo a um repartir da cidade entre todos os seus moradores. 

Precisamos desta primavera para retomar a cidade, ocupá-la de cidadania, de orçamento participativo, de opção preferencial pela vida e não pela civilização do automóvel, por uma saúde e uma educação debatida, definida, construída pelo todo da população.

Precisamos desta primavera para que até nossos adversários esqueçam da opção preferencial pelo voto a qualquer preço e retomem a defesa de bandeiras que não permitam a presença de Bolsonaro no parlamento.

Precisamos da primavera carioca, nós do Rio, vocês de São Paulo, todos nós do país todo.




quarta-feira, 4 de julho de 2012

Em qual cidade do Rio de Janeiro você vive?

Loja de carros em Vila Valqueire
Hoje ao circular em Botafogo sem carros na calçada quase, com guardas municipais circulando, com obediência de motoristas a sinais (Com exceções raras) limpeza urbana, lixeiras em toda a rua, percebi com mais ênfase que a tal cidade partida sobre a qual teorizava Zuenir Ventura e que mencionei aqui indicando outras fontes que discutiam o problema da divisão não só social da cidade do Rio de Janeiro, é não só um fato, mas uma opção do poder público.

Há, por exemplo, lojas de automóveis tanto na zona sul do Rio quanto na zona norte, especialmente onde moro, em Vila Valqueire, mas o respeito levado a cabo pelos lojistas na área nobre da cidade é completamente diverso do que se vê no cotidiano do subúrbio, onde a prefeitura só aparece para retirar camelôs das praças  e multar carros particulares deixando os carros das lojas ocuparem às vezes  a mesma calçada ou lado da rua onde os carros particulares estavam estacionados.

Loja de carros em Vila Valqueire
Se na zona sul há um certo respeito levado a cabo pelos utilizadores de veículos não é exatamente pela bondade humana, mas pela presença ostensiva do aparato do estado, seja a policia militar seja a guarda municipal, pelas ruas. 

Em Vila Valqueire o que se vê é a Guarda Municipal conversando com lojistas, parceiros que são, seja lá qual for o eixo de união entre o poder público e o empresariado local que tem o bairro como seu e ocupa os espaços das calçadas impedindo doentes, cadeirantes, mães com bebês e o transeunte comum de passar sem ter de pedir licença aos senhores do espaço.

O choque de ordem? A secretaria de ordem pública? Estão do Méier e Tijuca pra frente impedindo o vendedor ambulante de trabalhar, a cervejinha ao redor do estádio e claro atuando pelo lado bom que é dar Às calçadas ao pedestre, coma  exceção de locais onde o restaurante "tradicional" tem uma liberação "branca" de ocupar a calçada.

Loja de carros em Vila Valqueire
Já em Valqueire o choque de ordem é dirigido ao senhor que mantinha brinquedos para as crianças em uma praça mal aparelhada e mal cuidada, ao vendedor de pastel tradicional, ao comerciante popular de ervas e outros atores cujo peso em relação ao shopping de automóveis é semi nulo. O lojista das lojas de automóveis tudo pode, esse não é incomodado e reza a lenda que por associações estranhas é avisado quando da atuação da tal "secretaria da ordem pública" e do "choque de ordem" com antecedência que o permita fingir que não burla as leis.

Lixeiras? No subúrbio não precisa conforme o prefeito. Se na zona sul é uma a cada poste no Valqueire é uma a cada duas quadras.

A ordem pública segundo a prefeitura é localizada nas proximidades de onde reside o prefeito e a rede de televisão que o apoia.

Além de não ser discutida com a população e obedecer a ditames relacionados à valorização da mesma velha zona sul e aos pontos apontados pela Rede Globo, o tal choque de ordem não tem nenhum cuidado de esconder preferências por uma ordem que restrinja a cidade a quem não mora nela ou a quem consome, especialmente se for turista ou morar nos bairros onde a ordem significa limpeza de pobres da linha de visão.

Aqui no Valqueire e ao redor de Madureira constroem belos parques, removendo favelados, e fazem obras de última hora de recapeamento enquanto o sujeito pra ir pro trabalho fica mais de três horas no ônibus, recebendo poeira de obras executadas como que feitas sem planejamento e sabendo que todo o embelezamento tem o período tradicional de duração até no máximo alguns meses apos as eleições.

Em qual cidade do Rio de Janeiro você vive?

terça-feira, 15 de maio de 2012

Humano, demasiado humano

É comum chamarmos de monstros os vilões, os estupradores e ladrões, os assassinos. É comum também animalizarmos os adversários e os canalhas, eles são cachorros, burros, amebas, assim como  pessoas violentas e assassinos são feras.

É comum, muito comum. É humano sair, é humano interpretar o outro como o não-eu, como um externo a mim. É humano também devorar o outro, aquele não-eu,, destruí-lo, exclui-lo do espaço legitimo de convivência e debate político, seja pela via da violência, seja pela via do fundamentalismo, da interrupção do diálogo, pela mentira. 

A defesa do espaço conquistado, seja ele uma caverna ou uma sinecura governamental é quase um elemento atávico no humano. A defesa de uma posição politica, de um ponto de conquista de espaço, de território de ação política imediata, mesmo que imaginário, leva a embates e muitas vezes em coisa pior.

É por isso que é comum  a intolerância, a loucura coletiva em torno de posições, de espaços fechados, de debates interrompidos, de uma busca de soluções definitivas para essa rede de complexidades chamada real. O fundamentalismo e a intolerância são tão humanos e cotidianos, frequentes quanto a poesia, o amor e o desejo de paz mundial.

Eu mesmo não sou dos mais tolerantes entes humanos a passear por essa rocha, não sou muito fã de debates acalorados com golpes abaixo da linha da cintura, de polianices ou delíriuns tergiversandis construídos em torno do que considero mentira das brabas. 

A política não é a mãe das boas maneiras e nem filha da pureza, é uma selva bacana onde eu e minha laia rolando na relva (rolava de tudo) brigamos com piratas pirados. 

A política não é pura, nunca foi, é luta, considero que de classes, é pancada, é briga por espaço. A tal ética política ou "grande política" é a meu ver uma escolha baseada em limites humanos do chafurdar no eixo de um dos mais humanos elementos presentes na sociedade: A busca pelo poder. 

Ou seja a "Grande política" busca o poder tanto quanto os Serviçais da Grande ordem Vermelha, às vezes pelo mesmo método, mas em geral rola uma tentativa de não viajar na maionese e embarcar na canoa do poder de certa forma esquecendo pra onde ia. 

Porque é comum a  rapaziada ir com tanta sede ao pote no "Vamo mudar a porra toda!" que quando chega lá ,ao atravessar o rubicão da feérica luta do "bem contra o mal" do imaginário da trupe, acaba se perguntando "Que que a gente veio fazer aqui mesmo?" e ai pergunta pro PMDB. 

Todo mundo sabe que o PMDB, a Morte e os impostos são coisas inevitáveis na vida humana, nem que seja pra produzir medo, mas o comum ato de torná-lo conselheiro já é aquele transtorno por esforço repetitivo que faz esse demasiado humano mundo da política  um terreno que oscila entre o perigoso e o perigoso terreno da galhofa.

Então a rapaziada da "Grande Politica" é no fundo o "Movimento de evitar o PMDB" e tenta assim manter algumas bandeiras humanistas e tradicionalmente arrebatadas das mãos burguesas pela esquerda no alto, longe da mão do PMDB, que tem mania de tomar tudo.

Tudo muito humano, demasiado humano. 

E é nessa bagaça, nessa busca interminável pelo PMDB, ops, pelo poder que a galera fica, numa disputa interminável onde a esperança equilibrista parece professor municipal do Rio, sobrevive, mas ninguém sabe muito bem como.

Este escriba entende a disputa, respeita polianas, respeita a necessidade de defesa do ganha pão por políticos, parlamentares, assessores e aspones virtuais, só não entende a PCdoBzação do PT, a transformação dessa massa politizada que tomou as ruas e elegeu a Erundina em 1988 em uma galera com discurso de quinta série, com uma "argumento" que começa com "disputem eleições e ganhem para que eu possa discutir política com vocês" e termina com aquela sensação no interlocutor que o PT virou a maior UJS do mundo.

Tudo muito humano, tudo muito tipico e talvez tudo muito sintomático do motivo pelo qual o PMDB é uma espécie de igreja católica apostólica romana do mundo político, que parece estar ai desde Noé, dominando tudo e transformando tudo à sua volta em pequenos simulacros menos competentes de sua arte de sobrevivência.

Sei que deve ser difícil, complexo e brabo pro petista médio, aquele que compra pão na padaria, que veste as havaianas da humildade, que mete o pé na estrada pra fazer o seu,o meu, o nosso, trabalho de militância (No caso deles desconfio que com mais sustança financeira, digamos assim), votar no PMDB, ser base do PMDB, balançar bandeirinha do PMDB, dizer que é bom, que faz tchu, que faz tcha, que balança a pema, balança sem parar.

Sair do "Lula lá brilha uma estrela" pro "Agora é Paes" deve doer, especialmente nos mais velhos, alquebrados pelas dores do pragmatismo. Mas confesso que surpreende que estes mesmos, estes que se mexeram pra eleger a Erundina, o Patrus, o Tarso, o Olivio, pra por o Chico Alencar como fenômeno eleitoral, pra construir a candidatura Vladimir Palmeiras driblando o Zé Capiroto, desafiando o mal, estes mesmos sujeitos que tavam lá, que viram que era bom, não se contentam somente em ir lá balouçar a pema do PMDB, mas também enveredaram no perigoso terreno da vergonha alheia ao chamar de aventura algo que é muito similar a seu passado.

Chamar uma opção inclusive de agregação de valores à esquerda como um todo de "Santo das esquerdas" desagregadas, como se essa desagregação destas fosse bom, fosse legal,é de doer as bolas.

Surpreende que a tática atual destes seres tenha sido o ad hominem a Marcelo Freixo, tenha sido a escolha pela infantilização do debate, pela arma do medo de chamar uma candidatura que se busca de esperança como "aventura" (Regina Duarte, quem diria, transferiu o medo a sue algoz), como uma "Sebastianisse" de uma esquerda abandonada e "irrelevante". 

Surpreende mais ainda porque Freixo, sua candidatura, não se constituem como um discurso revolucionário de esquerda, que fuja tanto assim do discurso governista em seu cerne, no que se propõe, como "Salvadores do povo", apesar de ser um discurso radical que aponta as contradições deste discurso de "salvamento" pelas geladeiras e "carinhos".

Surpreende por ver um partido usar contra adversários, que inclusive tem em si seu dna, o discurso usado contra ele, apontado contra ele, quando da constituição do que seria o maior partido de esquerda da Ameŕica Latina.

Terá o PT, e seus correligionários, como Greta Garbo, acabado no Irajá?

A opção preferencial pelo PMDB deixou de ser um ato pragmático para ser um ato simbiótico, como a opção em BH pelo PSB em uma espécie de Dona Flor e seus dois maridos com o PSDB?

Será que esse humano, demasiado humano, desejo de conquista do poder tenha tornado o PT e sua militância uma espécie de Smeagol a falar para si mesmo em um delírio lisérgico que o inimigo de sua conquista do "precioso" domínio global da cena política é qualquer coisa que lhe lembre quem ele foi?

A política não é pura, nunca foi, e nem é justa, ou doce, ou adulta, ela é feroz, humana, demasiado humana, mas acho que já teve mais compostura.





domingo, 31 de julho de 2011

Por uma Copa de um povo de um lugar!


A isenção não existe, a paixão sim!

A rua é ar puro no coração de quem luta, e se todo dia o sol levanta e a gente canta o sol de um novo dia, o sol canta mais alto e melhor quando a rua é tomada por seu dono, mesmo em em numero menor do que deveria e maior do que se esperava.

A Marcha por uma copa do povo foi um momento de suspiro, de folego,de incêndio,de iniciação de rua pra muita gente e de uma vida em um modelo onde a cadeira de casa e o teclado são substitutos dos velhos protestos de ruas, canais únicos em tempos sem internet pra a indignação popular. 

Nestes tempos de twitter e Facebook o sujeito pode xingar muito no twitter ao invés de encher o saco na rua, o que é saudável, mas que talvez torne necessário uma reflexão sobre a necessidade da co-existência entre teclado e rua e mais ainda da eficácia de ambos. A necessidade de "eficiência" do protesto é medido em números de tuítes e de pessoas na rua e por isso a ausência de uma percepção de quem pode gritar muito no twitter por vezes acha desnecessário gritar muito na rua e quem grita muito na rua talvez não grite da maneira que quem grita muito no twitter curte ouvir.

A rua alegra, mas marchar cansa.. e o teclado talvez ajude a formulação de idéias mais de fôlego, mas talvez torne todos os protestos apenas comentários não lidos.. a junção de ambos é fundamental para que a cada dia mais pessoas cheguem às ruas e mais rueiros cheguem no #ForaRicardoTeixeira virtual.

A Marcha de ontem, dia 30 de Julho de 2011, foi a meu ver uma das melhores marchas recentes pois ajuda a entender o mundo sem a centralização do carro de som e  dois formatos diferentes de manifestação que por vezes entram em conflitos, mas que pra mim se complementam: A marcha organizada com o carro de som centralizador e a marcha descentralizada, "caótica" e espontânea. 

Há uma nítida ausência de saco de parte do chão para com os discursos, especialmente para com a falta de diálogo de muitos deles, mas também há uma percepção clara do carro de som (como vamos chamar a organização da marcha) que é arriscoso uma marcha sem um controle mínimo, ainda mais com o risco da PM usar nossa cara como pele de tamborim.

O carro de som é útil pra organizar a marcha, pra evitar conflitos inúteis, mas como instrumento de controle que por vezes se transforma em "comando", ao menos pra parte da organização que acha que a marcha é de gado, entra em conflito com o espírito rebelde que caminha. O aspecto do marchador, o cara que tá pulando, cantando e curtindo o protesto, é interessante porque é dele o rompimento e por vezes o risco de porradaria descontrolada com a polícia, o que deslegitima pros demais caminhantes enrustidos a idéia de participar da marcha. Mas antes de mais nada é preciso entender o caminhante que quer ir além, que quer romper, que quer mudar. Esse espírito é o que faz a marcha ser mais do que gritar muito no twitter e por isso a organização deve ter o feeling de acompanhar isso, mesmo que com criticas à posturas mais arriscadas e agressivas de parte da heteroglossia do coletivo.

O Carro de som centraliza, mas inibe, e a inibição nem sempre é bem vinda. A marcha por vezes é anárquica e por isso talvez corra riscos desnecessários, é importante perceber a diferença e mais ainda entender que é essa diferença que faz a política funcionar, ainda mais em tempos de descentralização e capilarização da opinião via a liberdade da rede.

O dito acima é uma tentativa de análise sobre o que aconteceu quando o carro de som foi impedido de continuar na marcha devido às limitações do evento do sorteio dos grupos das eliminatórias para a copa. A partir deste momento a marcha foi feita com o "comando" a pé e dando orientações ao todo da marcha, mas parte dela se rebelou com as orientações e ocupou a pista do Aterro tornando a marcha algo "dividido" com parte em cada lado da pista central do aterro e uma "rebelião" pacífica, rompeu com o "comando".

Diga-se de passagem que parte dos rebeldes eram os "comandados" pela figura que arrogantemente disse que "ali tinha comando", ou seja, provocou com vara curta nego muito puto dentro da roupa. A organização foi tudo, menos centralizadora em excesso e autoritária e deve ser elogiada por isso. A questão é que o carro de som por si só como linguagem é centralizador e a rebeldia com sua ausência é quase imediata. E foi por isso que de repente levou à divisão da marcha.

A cada dia é um aprendizado depois de anos de ausência de passeatas de rua e de movimentos que buscam o crescimento delas. Talvez a "divergência" seja um sinal, uma linguagem nova, uma forma de entendimento que não precisa da convergência centralizadora.

A vivacidade de Marcha e seu protesto com alcance bem maior do que o esperado para um número que diante de outras marchas pela história é irrisório, ão sinais, são elementos de discussão, aprendizado e felicidade pela retomada das ruas e pela voz dada a um protesto que é calado pela mídia.

Em uma cidade controlada por uma mistura de estado policial miliciano e  empreendimentos imobiliários, haver quem resista, mesmo que ainda em pequeno número, é fundamental, seja ele centralizador no Carro ou anárquico no chão.

PS: Não falei das marchas pela liberdade ou das vadias porque não conseguir ir até elas. Mas elas podem ser incluídas facilmente na análise acima, a colocação de que foi a melhor marcha em tempos é impressionista.

PS2: Vídeo que fiz da Marcha:



quinta-feira, 28 de julho de 2011

Você pensa que a Copa é nossa?

Os governos falam o tempo todo que a Copa e as Olimpíadas trarão benefícios para o Rio e para o Brasil. Mas benefícios pra quem? O custo de vida e o aluguel não param de aumentar, famílias são removidas das suas casas, ambulantes e camelôs, proibidos de trabalhar. 

Mais: eles estão gastando dinheiro público nas obras e apresentaram uma lei para não prestar contas depois. Pra piorar, a Fifa, a CBF e o seu presidente, Ricardo Teixeira, organizadores da Copa, sofrem várias denúncias de corrupção.Tudo indica que com a Copa e as Olimpíadas vamos repetir em escala muito maior a história do Pan-americano de 2007: desvio de dinheiro público, obras grandiosas, mas inúteis depois das competições, benefícios só para os empresários amigos do poder e violação dos direitos de milhares de brasileiros.As remoções de famílias atingidas pelas obras estão acontecendo de forma arbitrária e violenta. Essa situação já foi denunciada inclusive pelas Nações Unidas. Os jogos estão sendo utilizados como desculpa para instalar um verdadeiro Estado de Exceção, com violação sistemática dos direitos e das leis.Deste jeito, qual será o legado dos megaeventos? A privatização da cidade, da saúde e da educação? A elitização do futebol e dos estádios? O lucro e os benefícios com isenções e empréstimos subsidiados com o nosso dinheiro para empreiteiras? O lucro da copa é dos empresários, mas a dívida é nossa. Vamos permitir que as histórias da Grécia e da África do Sul se repitam?Junte- se a nós! Vamos juntos mudar este resultado, venha lutar.

Venha bater uma bola com a gente no Largo do Machado

dia 30 de julho a partir das 10hs

indo em direção à Marina da Glória 

terça-feira, 19 de julho de 2011

Morro da Providência: A Praça não é mais do Povo


No Rio Olímpico, ocupação militar para garantir a limpeza social
 
Na manhã desta terça-feira, 19/07/2011, recebemos relatos e fotos dos companheiros da Rede Contra a Violência e do Coletivo Pela Moradia.
 
Funcionários da empreiteira contratada pela prefeitura do Rio de Janeiro contaram com a ajuda de policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) instalada no Morro da Providência, no Centro da cidade, para tomar a praça Américo Brum, situada no interior da comunidade. A praça ganhou repercussão pública em 2008, quando três jovens foram sequestrados por militares do exército, que então ocupavam a favela, e levados para outra comandada por uma facção rival, na qual foram mortos.
 
A área está sendo requerida pela prefeitura para ali ser instalada a base do teleférico que será construído na localidade, uma das obras inseridas no plano de reurbanização da comunidade, bem como no projeto "Porto Maravilha", de revitalização da região portuária. Tal obra implicará na remoção de dezenas de famílias. Em conjunto com as moradias que a prefeitura alega estar em áreas de risco, o número das construções a serem removidas chega próximo de 700 construções. Como tem ocorrido em outras áreas da cidade (atualmente, aproxidamente 150 favelas encontram-se ameaçadas ou em processo de remoção), não há diálogo com os moradores locais, que não sabem exatamente o que vai lhes acontecer. A prefeitura não apresentou em detalhes o projeto de reurbanização, muito menos explicou a necessidade de construção de um teleférico. Apenas marcou as casas das pessoas com a inscrição "SMH". A falta de informação marca a relação do poder público com os moradores, que questionam a necessidade da remoção de moradias.
 
Hoje, pela manhã, os moradores haviam programado um café da manhã, como uma forma de protestar contra o fim da praça Américo Brum e pela não remoção das moradias. Entretanto, com a ajuda de policiais da UPP local, os responsáveis pela obras invadiram a praça e a cercaram, impedindo a entrada dos moradores. É importante destacar que esta é a única área de lazer na Providência, utilizada largamente pelas crianças de jovens da localidade. Apesar disso, em nenhum momento foi discutido com os moradores a necessidade de acabar com este espaço de convivência, muito menos se seria reconstruída em outro lugar. Simplesmente chegaram, cercaram e impediram as pessoas de a utilizarem. A prefeitura sequer respeitou o período de férias escolares. Muitos jovens, com esta ação arbitrária, ficarão sem um espaço no qual podem se encontrar e se divertir, já que não há outro local próximo e gratuito para atividades de lazer. Não bastasse o desreito ao direito à informação e à moradia, o poder público municipal desrespeitou o direito ao lazer, tão importante para a sociabilidade de crianças e jovens.
 
Os moradores estão realizando, neste momento, um protesto no local. Consideram injusta a forma de tratamento da prefeitura e exigem que sejam ouvidos pelo poder público.
 
Mais informações: 7113-7273 (Rosiete)
Comissão de Comunicação da Rede contra Violência
 
As palavras e imagens já dizem tudo. O Rio de Janeiro está, pouco a pouco, rasgando sua história, submetendo seu próprio povo à mesma fórmula que já levou países como a Grécia e a Espanha à situação pré-falencial. A transferência de recursos públicos de forma indiscriminada e sem controle para grandes corporações, está levando a um ciclo de intervenções urbanísticas desnecessárias, caras e cuja manutenção será uma incógnita.
Veja-se, por exemplo, esse teleférico do Morro da Providência. Para quê? Quanto custará sua instalação? Quanto custará sua manutenção? Qual será o custo social do desalojamento de quase 10.000 pessoas só para realizar esse sonho psicótico da atual administração municipal?
 
O Rio de Janeiro vive um dos momentos mais obscuros de sua história e as repercussões desse período podem atingir diretamente a identidade de quem aqui vive. A intervenção da PM na Praça Américo Brum, na manhã de hoje só demonstra que as tais Unidades de Polícia Pacificadora constituem, na verdade, uma "paz sem voz". E paz sem voz, não é paz...
 
 Fotos - Resistência na Providência! por Luiz Baltar
Fotos da manifestação contra a demolição da Praça Américo Brum, no Morro da Providência:
 

Jorge Borges
Geógrafo, Assessor Técnico
 
Twitter: @jorgeborgesrj
Skype: jlborgesrj