segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Nomadismo e Dandismo


Os últimos anos, em nossos territórios, têm sido uma magnífica vitrine para as espécies mais curiosas de oportunismo. Os gerentes do momento, na empolgação da vitória, exigiam apoio incondicional, jogando com o pavor da aberração tucana e da devastação que ela havia deixado pra trás. E contra a tucanada, a favor da ordem & progresso, os gerentes exigiam “pragmatismo”.
Mais do que qualquer outra, “pragmatismo” se tornou a palavra de ordem do dia, sendo invocada para justificar o aperto de mãos com o coronelismo semi-feudal & o abandono de qualquer projeto de reforma agrária, os acenos para privatizações tímidas ao ponto de precisarem de novos apelidos (concessões!), o etnocentrismo renovado em Belo Monstro, e toda uma série de sintomas familiares, demasiado familiares.
Sejam pragmáticos!”, “Parem de sonhar!”, “Não se pode fazer política sem concessões!”, e toda uma coleção de enunciados do tipo, eram sons que jorravam dos ex-trabalhadores.
Os novos donos do realismo não demoraram em distribuir acusações de lacerdismo, esquerdismo, mania de princípios e outras mais aos poucos que se atreviam a fazer oposição de esquerda ao governismo. A esquerda fomos transformados em cavaleiros morais, nem mais, nem menos, enquanto o pesado fardo de uma “esquerda possível”, que conhece “a vida como ela é”, cabia aos gerentes.
Na “vida como ela é” era preciso aceitar todas as contradições postas na mesa (dos coronéis aos banqueiros, passando pelos herdeiros do ARENA) para promover o maior programa de expansão e consolidação jamais visto deste lado da galáxia.
Aos opositores, restava uma classificação pantanosa: das mil e uma flexibilidades admitidas na hora de negociar a “governabilidade”, nem meia foi usada como medida para os hereges. Aqueles que desafiavam a chefia da casa agora estavam todos com a direita, preto no branco.
O que se não se lembraram de dizer pra si mesmos é que pragmatismo – essa arte de avaliação de uma ação por suas consequências, já que “o único critério de verdade é a prática”! – não é oportunismo, que realismo não é realpolitik, que princípios e programa não são a mesma coisa. E vamos lembrando de que o mesmo grupo que hoje prega o abandono dos princípios em política em nome do oportunismo invocava, não tem muito tempo, o monopólio da moralidade política.
Justificado com uma filosofia da omelete (afinal, se queremos um governo de esquerda é preciso quebrar alguns ovos!), o sacrifício de ações necessárias e da maior parte do antigo programa político do movimento, da reforma agrária à reforma urbana, era condição necessária para a redução da pobreza e a integração social.
As palavras de ordem dos novos publicitários da situação, em todos os níveis de defesa do falso pragmatismo, falam sempre em “redução da pobreza” e “consumo de massas” nos tons mais histéricos que podem.
Um escrito recente, por exemplo, fala no asco da “velha” classe média diante das turbas incluídas no mercado consumidor, que gloriosamente “começaram a fazer turismo, a comer iogurte, beber vinho, fazer escova progressiva ou cirurgia plástica, a comprar carro, computador, tablet, tudo o que agora podem e têm direito”. E se sustentando na mágica da subida do consumo de massas, condena uma suposta pedagogia iluminista a ser aplicada ao povão, finalmente alforriado das mazelas existenciais que o perseguiam.
Belo exemplo da nova casta de publicitários da gerência: o “monstro” popular, massa selvagem e nomádica, criado pelo último ciclo econômico, é a libertação das massas em seus instintos primários e livres, contra o moralismo religioso da antiga classe média, punhado de brancos proto-fascistas.
O que dessa vez esqueceram de dizer pra si mesmos, quando requentam a tática das falsas oposições (pragmatismo X lacerdismo, dessa vez apresentado como massas-nômades X elites-sedentárias), é que popularidade não é sinal de nada além de popularidade. Como não é raro dizer por aí, também os líderes fascistas alcançavam patamares inacreditáveis de aprovação popular. Mais do que isso, a jogada dos publicitários da vez poderia passar quase despercebida: confundimos o povo por vir, como movimento de mobilização e libertação, com o “monstro” que descobre os prazeres do iogurte e do tablet.
Não se trata, jamais, de recusar o acesso das massas aos bens sociais, pelo que já queremos evitar que nos chamem de direitistas de última hora. De modo algum. Só perguntamos se o que queríamos no início era uma sociedade de consumidores, nada mais do que uma sociedade de consumidores.
O delírio que nos querem fazer engolir é o de que consumo de massas e reconstrução social são uma e a mesma coisa. Assim como a eles, o conservadorismo senhorial da classe média nos enoja. Mas também nos enoja o oportunismo desenvolvimentista, que divide lençóis com EBX, Odebrecht, ruralistas e companhia, que sacrificou um programa de ação concreto construído ao longo de uma história de lutas e ruas.
Os publicitários leem, tão de perto quando conseguem, certos pensadores franceses de 68, mas cabe lembrar que o ídolo dos publicitários, Deleuze, não era apenas um gênio da especulação selvagem. Era um gênio da especulação selvagem que até o fim da vida reivindicava a urgência de um pensamento de esquerda, do anticapitalismo, do “devir revolucionário” como acontecimento, que tinha como companheiro de escrita um militante radical vindo do extinto PSU francês.
Aprendem a reproduzir uma boa métrica, imagens barrocas e enunciados libertários – todos eles filhos de uma geração rebelde que pretendeu pensar maio de 68 e a “imaginação no poder” –, e querem fazer com que agora passem a maquiar o “monstro” consumidor.
A libertação da gerência é a expansão da liberdade de consumo a todos, projeto bastante magro pra quem quis atualizar uma real ruptura social. Resta saber se é este o grande ganho civilizatório que justifica a ruptura não com o status quo, mas com todos os movimentos que construíram esse projeto e agora se veem jogados nas sarjetas da história recente, dos órfãos de Pinheirinho aos movimentos camponeses.
A experiência não acabou, e os últimos minutos da prorrogação sugerem que as coisas não vão tão bem assim. O “monstro”, infelizmente, pode ter começado a sugerir a que veio. Sua coroação política mostra bem a maravilha produzida pelos que o amamentaram, acreditando que a integração do corpo social pelo consumo poderia substituir a integração pela expansão do espaço público e dos direitos sociais conquistados.
O suposto nomadismo das massas libertas se monstra cada vez mais como o sonho paradoxal de um dandismo intelectual que no seu romantismo tomou iogurte por moradia, tablet por terra.
Podem ser alegadas suas boas intenções, é verdade. Mas sabemos das estreitas relações que as boas intenções têm mantido com o inferno. O “monstro” são as massas consumidoras, o projeto dos ex-trabalhadores termina em uma sociedade de consumidores, e a nova cabeça do monstro, nascendo ao lado de Lula, não é o PT, é Russomanno.

Oscar Ginsberg
Oscar Ginsberg é um pseudônimo de um pensador tímido com ligações perigosas com os Iluminatti, meu amigo e companheiro de militância.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Das resistências e primaveras

Quando a gente fala em resistência se pensa imediatamente em resistência armada, pedras, tiros, coquetel molotov. 

A resistência tem imediatamente a marca de impedir sob quaisquer meios que o outro, o opressor, nos estupre, avilte, domine. Ela é a marca da ação, ela é a marca da força em sentido invertido, mesmo que derrotada, esmagada.

Essa percepção não está incorreta, não parte de uma visão tosca, míope ou reducionista, resistir é também combater e o ato do combate tem em si mesmo a eloquência visual e filosófica, é claro, tem efeito imediato.

O combate no entanto não é a única forma de resistência. A resistência se dá também pela afirmação de identidade, pela negociação, pela organicidade e organização de grupos.

Estudando a escravidão no Brasil a gente percebe que a visão do combate como forma de libertação parte da visão da liberdade como um horizonte perceptível para o escravo, como se um objetivo a ser alcançado, quando em um sistema escravista a concepção de liberdade só era possível para quem algum dia foi livre antes. 

Ou seja, o africano ao chegar tinha a ideia de liberdade clara, por ter sido livre, mas o escravo, nascido na escravidão, não tinha em seu horizonte um conceito de liberdade como opositor à seu estado de escravo, a escravidão era para ele natural.

A ideia de liberdade era tida como um conceito universal, mas esse conceito universal partia da concepção alienígena ao escravo, especialmente o crioulo, e também partia do princípio que havia uma identidade negra concreta, uma consciência "negra" que unificava africanos e  crioulos em um só desejo de se libertar do jugo do senhor.

A própria ideia de uma consciência unificada parte de uma natural união entre africanos e crioulos a partir da unidade fenotípica, ou seja, a partir da ideia de que por serem negros se uniriam por uma identidade de cor de pele, ignorando diferenças entre nações africanas e mesmo entre concepções de realidade entre africanos, nascidos livres e transpostos à força para a condição de escravos, e crioulos, nascidos escravos e imersos na naturalização da escravidão, no entendimento da escravidão como algo dado.

Mesmo a liberdade como um conceito unificador parte do princípio que coletivamente era algo claro no horizonte da razão da diversidade do povo preto aqui vivente. O que se esquece é que quando o Malê falava em liberdade não incluía automaticamente o Mina ou o Nagô, nem tampouco entendia o crioulo como não escravizável, sendo todos negros.

Por isso o escândalo em torno da descoberta de negros escravos possuidores de escravos ou negros forros que adquiriam novos escravos ou de revoltosos escravos africanos que entendiam a escravização de escravos crioulos em um reino africano na América como algo extremamente natural se sua nação fosse liberta. Esse escândalo parte da ideia da liberdade como valor universal para aquela população e não como o contrário, como a liberdade sendo um valor alienígena dentro de um sistema existente durante mais de trezentos anos.

Além disso, o escândalo de negros escravizando negros, usado de forma hipócrita para justificar a escravidão pela direita moderna, também parte da ideia de que a cor da pele unificaria naturalmente as nações africanas aqui escravizadas ou que um sistema longevo que permeava todas as camadas da sociedade durante trezentos, mundialmente falando,  não seria entendido como um sistema que construísse  uma leitura do real, reproduzida geração a geração e criando muros invisíveis nas cidades e nas consciências de negros, brancos, livres ou escravos.

A própria ideia de que a cor da pele produz identidade automática é de certa forma racista, pois não parece perceber que Alemães, Portugueses, Espanhóis, Catalães, Bascos, Irlandeses e Ingleses podem ser brancos, mas não esquecem suas diferenças nacionais e culturais.

Dentro desse entendimento a lógica da resistência muda de eixo para toda e qualquer ação que permitisse algum tipo de cunha no mecanismo de opressão a que estava exposto o escravo, africano ou crioulo, e por isso que o escravo crioulo tendo a escravidão como fator natural, dado, constituía essa resistência nas confrarias religiosas, nas associações que lhes permitisse via união organizada, organicidade, mecanismos de minimização da opressão e ganhos reais, inclusive de status social, e de ação coletiva que inclusive tomasse para si a tarefa de libertação de alguns dos associados escravizados sob o jugo de senhores especialmente cruéis.

Pelas irmandades e associações os escravos conquistavam inclusive uma humanidade retirada deles em sua condição de peças, de um tipo de vida com status análogo do de um animal de carga, de trabalho. Demarcavam também diferenças entre crioulos, nascidos no Brasil, e  africanos e como essa diferença era entendida no plano social, com os Crioulos tendo proeminência nas associações.

Neste aspecto se não podemos unir no mesmo saco de gatos africanos e crioulos, nem mesmo as diversas nações de africanos, a consciência da situação de sofrimento e de necessidade de colocação, inclusive como humanos, em uma sociedade escravista fez dos pretos crioulos mestres em um tipo de resistência que lutava entrincheirada na própria sociedade que o escravizava e utilizando os mecanismos dela para a conquista de espaços próprios de ação, de melhoria de vida, inclusive de uma libertação dentro da concepção pertinente ao tempo e à sociedade: Tornando-se senhor de escravo.

Essa ideia de resistência era uma ideia concebida no interior da sociedade, não se entendia fora dela, aliás a própria ideia de uma outra sociedade era um horizonte distante, a sociedade dada, escravista, era aquela e a resistência construída em seu interior entendia-se como a resistência possível.

A resistência enquanto rompimento era uma lógica de pensamento que se excluía de uma sociedade que era, ela mesma, estruturada na lógica da escravidão como algo dado, era como se se exilasse do cotidiano, das relações sociais presentes, sem no entanto uma utopia estruturadora de uma nova sociedade, no máximo uma busca de reprodução dos também escravistas, e parte do sistema internacional que mantinha a escravidão, reinos africanos.

Em um paralelo analógico, forçado inclusive, podemos dizer que a lógica de resistência enquanto construção da revolução socialista, dentro da sociedade Brasileira, mesmo com uma utopia estruturadora, se encaixa mais no âmbito da exclusão do discurso do cotidiano do diálogo popular, da lógica de convencimento do povo e não porque a resistência não é possível, mas porque o discurso se exclui da possibilidade imaginada, da ideia de construção de algo que avance mais, pois a própria ideia de sociedade se baseia na ideia que o capitalismo é dado, de que nosso cotidiano não é possível fora da lógica de capital.

Neste entendimento podemos, também analogicamente, entender que o horizonte do consumo como alcance libertador possível é análogo ao da conquista do direito de ser senhor de escravo na sociedade escravista. 

Esse fator hoje ocorre não porque é impossível de ser mudado, mas porque a sequência de derrotas do discurso e pensamento de esquerda no âmbito da política, com inclusive a opção preferencial pela acomodação feita pelo PT a partir de 1996/98, tornou o discurso hegemônico neo-liberal como algo dado, natural, eterno e imutável, sendo impossível alcançar mudanças fora dele.

É primordial nesse sentido entender que para a reconquista do horizonte utópico que permita no longo prazo um avanço político estruturado para a superação do sistema é primeiro necessário reconhecer que hoje a utopia precisa de um horizonte reconstruído ainda dentro dos marcos possíveis, reformistas mesmo, mas construídos pela radicalização da cidadania e da democracia, pela ampliação da participação popular e re-estatização do estado. 

É preciso a reconquista do universo da utopia, a reconstrução da possibilidade de se pensar o novo, de se construir o novo. 

Para que se entenda que nada deve parecer impossível de mudar é preciso que consigamos romper a barreira da naturalização do capitalismo no horizonte, de redução do impacto do capitalismo no horizonte da sociedade, no horizonte popular. 

Para que se entenda que nada deve parecer impossível de mudar é imprescindível que consigamos convencer o mundo de que nada deve parecer natural.

Assim como para o escravo a escravidão era dado, mesmo assim a resistência era feita pela construção de mecanismos de organização é pela organização e superação das barreiras intestinas da sociedade, dos muros invisíveis, que podemos construir novamente o horizonte da utopia e assim como o abolicionismo, abrir as portas para a liberdade como horizonte possível.


Para que a revolução se torne um valor cotidiano é preciso que reconstruamos o cotidiano político, esfacelado pelo ethos neoliberal.

Para construirmos o verão é preciso tornar possível a primavera, no Rio, no Brasil, no mundo.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Qualquer coisa de intermédio

A identidade do indivíduo não é algo exatamente simples de identificar, quanto mais a de um grupo ou de uma sociedade.

A miríade de formas identitárias que influenciam a construção das identidades não permite que se entenda de forma simplória o que é uma pessoa,um grupo, um coletivo,uma sociedade

O existir como homem, mulher, trans*, negro, branco, indígena, morador de Madureira, Ipanema, Porto Alegre, Pelotas, não obedece a uma simples determinação geográfica, étnica, de gênero, transgênero ou de cerne biológico.

Identidades individuais ou coletivas não nascem apenas de motivações isoladas, são um conjunto de inter influências que são também traduzidas politicamente e também se organizam e traduzem na relação com o outro, na chamada alteridade.

Identidades são construídas sim, mas antes de serem construídas no laboratório das boas intenções são interações construídas coletivamente, socialmente, historicamente e se alteram para além do controle bem intencionado da intelectualidade menos atenta a limites que permeiam nossa cultura de análise da realidade.

Universalizar conceitos pode ser mais arriscado que pular sem paraquedas do alto do Everest, ainda mais se o lastro concreto não tem uma base maior do que um palpite bem intencionado.

A identidade da população negra  como Povo Negro, por exemplo, é uma modernidade  construída no decorrer dos anos  do século XX em especial e lutou, se bobear ainda luta, contra a carga pejorativa desta categoria enquanto termo aplicado à escravos e redutor da diversidade que existia para além do fenótipo.

A categoria Negro reduzia toda a população de pele negra a membros de uma só identidade, estuprando a diferenciação entre Minas, Iorubás, Gêge, Daomé, Sudaneses, Criolos (negros nascidos no Brasil),etc.  A categoria Negro no século XIX também reduzia livres e escravos a uma mesma população, ignorando suas diferenças.

Salvo engano esta carga negativa ainda persiste e ainda divide opiniões entre a população negra mesmo após todo o trabalho militante que buscou agrupar todas as lutas dos afro-brasileiros via Movimento Negro Unificado. E mesmo após todos estes anos ainda existem lutadores que buscam a construção de outra identidade das lutas anti-racistas sob a categoria povo Preto.

Essa identidade negra ou preta  é um exemplo de como categorias construídas socialmente, com base em um misto de ação intelectual e militante, da base popular e da base intelectual, não tem nem elas mesmas uma unanimidade na construção de si mesmas como termo síntese das lutas de uma determinada população. 

E nem considerei a população não militante que não utiliza este tipo de categoria explicativa como definidora de identidade e utiliza as diversas outras categorias sociais que são utilizadas para definir a população afro-brasileira, como negão,  crioulo, pretinho, neguinho, pessoa de cor,etc, e não as tem como pejorativa como a população militante. Também não considerei quem não entende essa luta como válida, nem tampouco vê a si mesmo como alvo da discriminação e/ou opressão.Tampouco considerei questões culturais, que variam demais pra fora do confortável eurocentrismo de parte das ciências, inclusive as humanas.

Ou seja, a lógica da formação de identidades, especialmente sob o ponto de vista político, não é 
bolinho.

Podemos usar também a lógica de categorização do real a partir do feminismo também e vamos dançar em cima de categorias que incluem ou não a luta de classes,o viés racial,etc, e esta dança vai conter contradições, diversidades e como movimentos organizados têm imensa complexidade na construção de suas própria identidades, mesmo com lastro social, histórico, mesmo com amplo apoio coletivo, numérico até, e mesmo assim com tudo isso não conseguem nessa complexidade inibir o fato de apesar de parte da identidade tornar-se hegemônica ela não é unanime.


A ideia de construção da identidade coletivamente não é exatamente uma forma de imposição ou artificialização da identidade, ela é feita a partir de decisões coletivas que se organizam na luta concreta e pelas oposições e relações com a alteridade, inclusive com opositores, se consolida como identidade hegemônica.

Ninguém define uma população como Negra, por exemplo,  e sai assoviando.


A lógica vanguardista  de adotar soluções de cima pra baixo como elemento de alteração do real é um vício que não anima apenas marxistas-leninistas ferrenhos, ele tem seus efeitos nos mais fiéis fãs de Foucault, que mesmo ignorando a complexa teoria do amado mestre, insistem em construir uma luta que se propõe concreta através de uma visão que entende o real como uma forma de texto que alterando o verbo altera a correlação de forças.

Além dessa visão vanguardista levar a uma ideia de que o mundo pode ser alterado como uma espécie de frase de efeito ou numa crença de que "as palavras tem poder", há também um outro aspecto dela que é a lógica de que as pessoas, populações inteiras até, precisam da luz  da intelectualidade "capacitada".

Essa lógica da tutela pela vanguarda  de populações inteiras é muito presente na ideia de que o povo precisa da vanguarda  para ter "consciência", como se o intelectual fosse um anjo que desce da super estrutura trazendo a semente do pé de feijão pra João, enquanto este intelectual está mais pro sujeito que ri do pobre João quando este vende a vaca para ter uma semente mágica, mesmo depois do pé de feijão o levar a um reino onde o pobre João conquista sua riqueza.

À ideia da formação política se acrescenta um pouco assumido senso de que o outro não raciocina ou que lutas precisam de nós para terem visibilidade e que para isso é necessário mais do que discutir possíveis transformações de percepção do real, mas impor uma percepção do real de cima pra baixo, considerando esta imposição uma lógica quase que zapatista de libertação.

Se parte da construção artificial da identidade ou do que é o outro para depois impor esta percepção ignorando as reações da alteridade, consideradas como anátemas por desafiar algo tão legitimamente endossado no mar das boas intenções.

É a partir daí que a lógica do intelectual na torre de marfim se constrói com toda força e vapor. Porque a percepção da vanguarda de que o real é o que ela pensa ser fica mais forte do que a identificação de demandas concretas, inclusive sob o ponto de vista cognitivo e que tenham eco inclusive entre a população que se pretende atingir.

Na sanha de construir um novo mundo se busca construir um novo outro, só que ignorando que este outro já existe, em um mundo que já existe.

Se parte para uma idealização hegeliana, uma construção quase que platônica de uma realidade paralela, um mundo hermeticamente fechado, travado na ideia de sua sensacional clareza de percepção do real e voraz classificador de qualquer reação concreta como anátema, como inimiga, mesmo se esta for construída por dúvidas pertinentes, racionais, científicas até, politicas até, no campo próximo ideológico.

Na sanha de ser o outro pelo outro se esquecem do alto da vanguarda  a mediação entre identidades, a ideia do intermédio, do pilar da ponte de tédio que vai de si mesmo ao outro (Obrigado Mário de Sá Carneiro). 

Ao esquecer que na relação de alteridade não se é nem a si mesmo, tampouco o outro, e se é um misto social de construção de identidades e ações, a vanguarda  trai a si mesma na sanha da transformação global e acaba sendo um pastiche de transformação chamado gueto.

Isso vale na luta operária, na luta LGBT, na luta Feminista, em qualquer luta.

sábado, 1 de setembro de 2012

A quem interessa a polêmica do Horto/Jardim Botânico em plena campanha eleitoral do Rio?



Publicação e divulgação amplamente autorizada e recomendada.

Os ataques mentirosos e de caráter ideológico lançados por um pequeno número de moradores do bairro do Jardim Botânico, mas com poderosos e nada ingênuos apoios de corporações privadas de comunicação, representam mais um lamentável episódio do histórico de Racismo Ambiental e de limpeza étnica que tem ganhado força e legitimidade no Rio de Janeiro nos últimos anos. 

Mas não é estranho, nem surpreendente, numa questão tão séria e complexa, que inclui um polêmico Projeto de Lei municipal assinado por dois vereadores do PT (incluindo o atual candidato a Vice-Prefeito Adilson Pires), os petardos só sejam apontados para as candidaturas do PSOL à prefeitura e à câmara dos vereadores.

Trata-se de um movimento muito claro de setores do PV e do próprio PT, a quem interessa largamente a perpetuação do regime de exceção e das práticas de remoção proto-fascistas já amplamente documentadas na própria câmara de vereadores e denunciadas em nível nacional e internacional por diversas instituições de inabalável credibilidade. Denúncias que essa mesma mídia corporativa nacional tem feito questão de tornar invisível, pois é sócia de todos os grandes projetos que visam tornar o Rio de Janeiro um playground privilegiado das classes mais abastadas do mundo.

Esse lamentável período de nossa história dá margem a declarações como a que vimos nesta sexta, em entrevista à Folha/UOL, onde o atual prefeito destila o seu cinismo e maucaratismo afirmando que nenhum "escândalo" de corrupção surgiu em seu governo. Decanta, o ignóbil governante, essa vergonhosa conclusão como se o fato decorresse de suas aptidões pessoais, já não suportadas sequer pelo seu staff pessoal. Omite, com isso, o débil alcaide, a fulminante blindagem institucional perpetrada por seus fiadores políticos junto ao Poder Judiciário (com as famosas pressões "não-republicanas") e a diversos promotores públicos estaduais que, por uma mera questão ideológica, de um conservadorismo que remonta ao período da República do "Café-com-Leite", simplesmente abdicam das suas atribuições constitucionais e calam-se de forma vexatória diante dos mais graves crimes ambientais e contra os direitos humanos já empreendidos nesta cidade desde a abertura democrática dos anos 1980.

Que fique claro, para os militantes das causas sociais, dos direitos humanos e pela Justiça Ambiental que ainda titubeiam sobre suas opções no Rio: a luta política não cessa durante a campanha eleitoral. Muito ao contrário, para os que detém o poder da imprensa e o caráter da impudência, esse é o melhor momento para aproveitar nosso refluxo momentâneo e avançar vigorosamente sobre lutas centenárias. A omissão neste momento não pode ser tolerada.

Jorge Borges 
Publicação e divulgação amplamente autorizada e recomendada.


Nota da Superintendência de Patrimônio da União: Esclarecimento sobre o Jardim Botânico
A propósito da matéria “Jogando no time adversário” publicada no jornal O Globo de hoje, 19.08, a Secretaria de Patrimônio da União do Ministério do Planejamento esclarece que: 

A SPU não defende interesses privados, mas sim a efetivação da função social da propriedade pública federal – patrimônio de todo o povo brasileiro. Foi solicitada a suspensão das ações de reintegração de posse na área da União para trazer tranqüilidade às cerca de 500 famílias de baixa renda que nela vivem, algumas há mais de 100 anos.

Está em curso um projeto de regularização fundiária de interesse social que inclui tanto a regularização das famílias de baixa renda como a dos limites do próprio Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro. 

A ocupação na área remonta à própria criação do Instituto. As ações de reintegração de posse foram iniciadas na década de 80. A execução destas ações trouxe insegurança às famílias de baixa renda que estão em processo de regularização fundiária (Lei 11.481 de 2007), amparada na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade. 

Não é uma ação inédita, nem é um caso isolado. Em outubro de 2007, a SPU, em providência similar, pediu a suspensão de ações de reintegração de posse à Procuradoria Geral da União de famílias que ocupam imóveis residenciais da extinta Rede Ferroviária Federal em todo o território nacional, para proceder a um estudo das condições das famílias que residem nesses locais e promover a regularização fundiária de interesse social. 

A ação de regularização fundiária do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro e da comunidade do Horto está sendo implementada pela SPU – Secretaria do Patrimônio da União em parceria com a UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro e apoio do ITERJ – Instituto de Terra do Estado do Rio de Janeiro. 

A parceria resulta na produção de dois instrumentos: um cadastro sócio-econômico (já em fase de conclusão) que permitirá identificar as famílias por seu perfil social e de ocupação; e um cadastro físico que possibilitará identificar as ocupações existentes dentro da área de interesse do Jardim Botânico e discutir soluções para a realocação de famílias que vivem em área considerada atualmente de interesse ambiental. 

A SPU implementa ações para reorientar a gestão do patrimônio para cumprir sua missão institucional de “conhecer, zelar e garantir que cada imóvel da União cumpra sua função socioambiental em harmonia com a função arrecadadora, em apoio aos programas estratégicos para a nação”. Atenciosamente, Eliana de Araújo Chefe da Assessoria de Comunicação Social do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.


 
Jorge Borges
Geógrafo, Assessor Técnico

Twitter: @jorgeborgesrj

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O medo, o neoliberalismo, a utopia e os amantes

Brecht dizia que nada parecia mais com um fascista que um burguês em pânico. 

Dizia isso explicando de forma sucinta a situação pretíssima da Alemanha dos anos 30 caminhando a passos largos em direção ao nazismo.

Essa frase, essa colocação, me fez pensar em quanto a lógica da proteção, da ordem, do medo que sustenta o clima político em nossas plagas em pleno século XXI é parente próximo do aumento galopante do pensamento conservador que assusta a quem tem um pingo de humanismo na alma.

Quase que automaticamente surgiu a dúvida se essa lógica do medo não seria filha da naturalização da adequação como prioridade máxima e esta como germinada no coração do pensamento neoliberal que a partir do fim dos anos 80 e do ocaso dos governos socialistas reais se tornou hegemônico nas sociedades capitalistas.

Porque é impressionante como todo e qualquer discurso de radicalidade transformadora, dos mais inocentes aos mais beligerantes, assustam demasiadamente uma juventude que está mais preocupada em ver política como a arte da adequação mediada, educada, comportada, mesmo que propondo mudanças do que vê-la como porta-bandeira da dimensão da utopia e da transformação radical do status quo.

E é impressionante como o ethos do cabelo curto, gravata, sorriso sem feijão no dente, sapato engraxado foi além do closet e penetrou na mente das pessoas.

 E é impressionante como esse ethos comporta em si o medo, o medo de tudo, o medo do confronto, do embate, do enfrentamento e da lógica de derrubar muros que ocultam a luz da cidadania, com medo de "desagradar" a parcelas da população x ou y.

O medo do desagrado, do emitir uma opinião polêmica e que cruze as fronteiras do dito "normal", atitude que deveria ser obrigação de todo socialista, toma campanhas eleitorais até que partem da lógica de enfrentamento radical cidadão, não abraçando nada que não seja do domínio da cidadania e da administração reformista do estado.

Imagina se a discussão fosse para questões onde não dá pra ficar fazendo mediaçãozinha como  a lógica da desapropriação da propriedade privada ou a própria lógica revolucionária?

Esse ethos do medo irracional, essa lógica de entender a sociedade como um bibelô de poliana, essa ideia de que o mundo não está preparado para o contraditório e precisa da mãozinha "ilustrada" para ser conduzido à reflexão é o fundamento de uma forma de comportamento que ganhou mentes e corações com a hegemonia político-ideológica neoliberal. 

E esta forma de pensamento hegemônico é baseado na necessidade de não tocar de forma radical o estado, de não mudar o status quo, de ir devagar no enfrentamento de vespeiros. Só que esse é o modus operandi que não muda nada e acaba sendo absorvido pelo status que  se transforma no que hoje pode ser chamado de "síndrome do PT" uma versão da síndrome, de Estocolmo para crianças.

Na campanha eleitoral de 2012 no Rio isso fica claro com o medo de uma minoria de partidários de Marcelo Freixo das polêmicas levantadas por ele que vão desde os alimentos orgânicos a citar a Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro em uma entrevista para a rede Globo. 

O medo da inadequação do enfrentamento diante dos vespeiros, o medo de "pegar mal" acaba travando fóruns de debates e organização de ação diante das óbvia mensagem da campanha: "Estamos comprando uma briga, esta campanha é pra mexer em vespeiros e ser pedagógica!". Não foi um equívoco, não foi um ataque, foi uma colocação com política, esteio no programa e disposição pra enfrentar o debate.

E o debate é doloroso para o pensamento único neo-liberal diluído nas mentes e corações, porque o debate contém em si o germe da ruptura transformadora. Todo debate permite a transformação pelo embate, pelo choque entre ideias, pelo amálgama e pela derrubada de muros e pré-conceitos teórico-intelectuais.

E ai o debate é barrado pelo surgimento do medo e o medo faz aparecer velhos preconceitos, como o da "natural imbecilidade" (atenção nas aspas) dos com baixa escolaridade, como se um homem sem escola não tivesse inventado a roda.

Além disso uma observação óbvia para quem está em campanha: A polêmica alçou o nome Freixo a todos os jornais e emissoras. Para quem precisava ser conhecido nada mais interessante.


Brecht dizia que nada parecia mais com um fascista que um burguês em pânico. E é impressionante como a  cultura conservadora que nos assola deixa a burguesia acesa em um medo que pode se transformar em pânico ao primeiro sinal de transformação. é preciso estar atento e ir demolindo o medo para que a primavera e sua utopia o transforme em coragem.






quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O Valor da Merenda Escolar

Depois da repercussão diária das falas de Freixo, tratadas de forma reles e desonesta por uma milicia organizada que apoia o atual prefeito, com táticas inclusive similares aos vários apoiadores virtuais de Dilma pós-2010, resolvi escrever um texto curto a respeito da lógica presente na maior parte dos argumentos.

A merenda escolar é parte do investimento em educação, faz inclusive parte importante dos investimentos em inclusão social e saúde, dado que é fundamento da alimentação de milhões de crianças pobres, muitas vezes tendo sido a única refeição garantida da maioria.

Esse quadro de única refeição se alterou com o bolsa-família, programa de sucesso do governo Lula, mantido pelo governo Dilma e até o momento único programa literalmente popular mantido por este governo mesmo em meio à violenta marcha conservadora a que abraçou.

Lula sabia da importância da alimentação para que algum tipo de programa popular tivesse sucesso de ser implementado e com algum ganho de qualidade de vida à população. Por isso investiu inicialmente no programa Fome Zero, que fracassou, e que gerou o que posteriormente tornou-se o Bolsa-Familia após intervenção de gestão qualificada do atual candidato a prefeito de Belo Horizonte Patrus Ananias.

Parte do Fome Zero que não foi levado a cabo após a transferência da gestão do programa para a direção dos programas de renda mínima era o estímulo à agricultura familiar e o uso de alimentos por ela produzidos na merenda escolar.

No programa de Governo da candidatura Marcelo Freixo esse eixo retorna com o acréscimo salutar da defesa de subsídios à agricultura familiar para a produção de alimentos orgânicos para consumo na merenda escolar após sugestão de apoiadores na plataforma colaborativa de debate do programa. 


- O Rio de Janeiro propôs isenções fiscais para instalar a indústria da CSA, em Santa Cruz. Se fizesse isso para estimular a tradição pesqueira, artesanal e agrícola da região geraria muito mais empregos. E, como se não bastasse, a prefeitura está cobrando IPTU de área agrícola. Não vamos fazer isso porque não tem sentido — disparou Freixo. — Propomos um diálogo com os municípios vizinhos para que a produção de orgânicos abasteça a rede municipal de educação e ainda sirva como forma de trabalhar a educação alimentar nas escolas. Esta é uma política que a prefeitura pode adotar para profissionalizar e organizar a agricultura familiar.

Qual o que? Os ataques nos comentários e nas redes sociais foram dos mais desqualificadores aos mais delirantes, utilizando uma colocação prática, um programa de governo para o acusar de "delírio de candidato zona sul".

Existem algumas pérolas que convido aos leitores a irem nos coments da matéria para se divertirem com o grau de selvageria tragicômica da situação.

Engraçado que a promessa demagógica do atual prefeito de colocar o Rio de Janeiro em primeiro no Ideb até 2016 não é tratada como delirante, não é tratada como "promessa".

Interessante também é que os subsídios às empresas de ônibus que praticam um serviço de péssima qualidade, tratam os usuários como gado, aumentam de preços sem melhorar o serviço, reduzem o número de ônibus mesmo com redução de custo via BRS, nada disso é questionado, mas alimento pra criança em escola pública, a maioria pobre, é "delírio zona sul" na ponta dos dedos dos que, pasmem, se dizem defensores de um governo "popular".

Mais interessante ainda é que os subsídios à implementação da TKSA, siderúrgica que possui denuncias contra si que vão de trabalho escravo a uso de milícias como segurança de suas obras e agora de suas instalações além de mais de uma autuação por crime ambiental devido à lançamento de partículas metálicas na atmosfera, algo que atinge diretamente a população de Santa Cruz, nada disso é questionado, mas subsídio ao desenvolvimento da agricultura familiar para melhorar a merenda de crianças pobres? Qual o que? anátema!

Os subsídios à TKSA a princípio são estaduais, mas será que a Prefeitura do Rio de Janeiro não tem nenhum tipo de forma de pressão para buscar  o impedimento dos subsídios e até a suspensão da instalação de uma siderúrgica cuja relação emprego gerado/Danos sócio ambientais tem péssima relação custo-benefício para a cidade e sua população? 

Será que à prefeitura do Rio de Janeiro interessa mais se omitir diante do descalabro que foi a implementação deste câncer em forma de siderúrgica e responsável pelo aumento de 67% das emissões de carbono da Capital conforme a Fundação Osvaldo Cruz, e ainda foi subsidiada pelo Governo do Estado do rio de Janeiro cujo timoneiro é o companheiro de PMDB de Paes, o Senhor Sérgio Cabral Filho?

Será que o que mais ofende aos partidários do Governo Paes, aos partidários do Governo do PMDB, aos Petistas aliados ao PMDB é o subsídio à agricultura familiar para a merenda escolar e não o subsídio à máfia dos transportes e À empresas que ampliam os gastos com reparação ambiental e com saúde do Município?

Será que a guinada ideológica ou a salvaguarda do aparato estatal é mais importante que um norte de princípios ideológicos, éticos até, e cuja priorização é diretamente dada ao povo e suas crianças, sem intermediários?

Diante do que li, diante do que se põe à mesa pelos comentários nas redes sociais e sites de notícia  mais vale subsidiar empresários que crianças pobres para a massa de apoiadores do Governo Paes, petistas incluídos, o que diz muito sobre eles e sobre o governo.

A lógica de cidade espetáculo e capitalistizada, amplamente liberal, com um estado gerenciador de eventos a substitui o princípio ético do governo e  do estado pata a população, detentora do poder e em cujo nome o poder deve ser exercido.

Subsídios à agricultura familiar, que provavelmente são menores e mais eficientes que à máfia dos transporte ou à siderúrgica envenenadora, são tratados como "promessas" comparáveis à levar a praia à Tijuca. Já dizer que dobrará a nota do Ideb do Rio de Janeiro, sem nenhum tipo de investimento assinalado, sem nenhuma guinada do programa em atual execução (dado que o prefeito é candidato, mas não deixa de ser prefeito) é tratado como "proposta".

A lógica da defesa irracional dos governos se prende no "preço" dos alimentos para crianças, mas não "preço" (De financeiro a socio-político) de mega empreendimentos ancorados em remoções, subsídios à empresas de transporte sem nenhum compromisso com o cidadão e a empresas poluidoras, (Da TKSA às empresas do Grupo Eike Batista).

Encontro de Marcelo Freixo com educadores
As prioridades dizem muito sobre a política.

O Valor da merenda escolar é parte definidora dos valores dos grupos políticos e entender seu valor talvez seja mais importante que saber seu preço.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

As distorções que as opções causam

A campanha eleitoral no Rio de Janeiro já começa a causar alguns efeitos estranhos no comportamento militante e midiático da situação.

Diante de uma explanação clara do candidato Marcelo Freixo em critica ao Minha Casa, Minha vida , onde ele critica a construção dos conjuntos habitacionais em locais sem infra-estrutura de saneamento, transporte, saúde e educação e em áreas sob o controle do crime organizado para-estatal, mais conhecido como milícias, a tropa de choque virtual governista adotou a tática do "Vai dizer isso pra quem foi beneficiado pelo programa", desviando a crítica sobre o planejamento descuidado (Pra ser bonzinho) e mal executado para o eixo do emocional "caridoso" do "Olha as pessoas que ganharam sua primeira casa", ocultando também que foram removidas de suas casas de maneira ilegal para serem enviadas para locais ermos e sob vulnerabilidade que a política de segurança do PMDB, a quem apoiam, em quase oito anos não deu conta de resolver. 

E fazem isso a partir do que Marcelo Freixo coloca na seguinte análise presente na matéria do jornal: 

                 — O programa Minha Casa, Minha Vida estimula o crime organizado. Cerca de 87% do empreendimentos estão nas partes mais afastadas da Zona Oeste, sem acesso a transportes, saneamento e emprego. São condomínios em regiões dominadas por milícias — disparou o candidato ao apresentar suas propostas de governo para o sindicato. 

Ou seja, a distorção é total e sem nenhum tipo de filtro, é orquestrada, não é ausência de entendimento, é uma busca de desqualificação do candidato porque é proibido para essas pessoas uma critica a qualquer programa do governo. E pior, quando o Candidato mantém a critica e a qualifica ainda mais saem com o adágio: "Teu partido é o que te enterra". 

Essa última observação diz muito sobre quem substitui o Partido dos Trabalhadores por um condomínio de adoração fanática da Luis Inácio Lula da silva. O partido, programas, debates, correntes internas, divergência, construção coletiva? "O Partido é o que te enterra" respondem. Baseado nisso avaliam que tudo o que é parte da construção da figura pública e é coletivo, que sai do controle autoritário é anátema, sejam parlamentares, militantes, intelectuais, qualquer coisa que crie um coro de diversidade, organizada ou não, é ameaça ao ethos e ao logos do neoPTcostalismo.

Vejam bem, os neopetistas não ligam pra apoiarem um prefeito do PMDB "por contingencia" mesmo ele sendo supostamente ligado a milicias e tendo suposta ação com grupos criminosos que pressionam moradores da Zona Oeste já agora para que nem façam campanha para adversários e muito menso votem neles, sob ameaça do clima "ficar mais sinistro" nas palavras de moradores. 

Se não ligam pra isso, imagina para o fato dos governos federal, estadual e municipal construírem condomínios sem infra estrutura mínima em locais dominados pelo crime organizado e sem nenhuma intervenção que garanta a segurança das pessoas, quanto mais sua qualidade de vida. Se a ligação com milícias é aceitável, construir em área de milícias também o é, não é verdade?

Pra completar a distorção do noticiário, culpam o PSOL de acordos com a Veja, diante de capa da mesma revista elogiando o governo que dizem popular pelas ações de fomento ao capitalismo dizendo se tratar de um benéfico (para a revista) "choque de Capitalismo" levado a cabo por aquela a quem Eike Batista corretamente chamou de "Margareth Tatcher Brasileira" e diante do fato do PSOL ainda nem ter votado pela convocação do diretor da revista e o que já havia decidido fazer. 

Ao culpar o PSOL talvez façam o serviço sujo de ocultar que o PMDB do aliado Paes é parte da tropa do acordo com a Veja que evita a convocação do diretor da revista à CPMI do Cachoeira. Além do aliado PMDB, há o aliado PDT na figura de Miro Teixeira, representante do PDT de Brizola Neto, atual ministro do trabalho, atuando como uma espécie de advogado de defesa da mídia, a quem os cínicos chamam Golpista (a tal PIG), em especial da Veja e das organizações Globo.

A tudo isso o silêncio é a resposta e a criação do PSOL como espantalho, talvez por este partido ter anualmente parlamentares eleitos como melhores do congresso, é a mágica que faz com que o véu de fanatismo do que se tornou a militância do PT seja mantido na base da mentira, do cinismo e da truculência.

Esse novo modus operandi inclusive nos leva a indícios a respeito da autoria de ataques baixos sobre Marcelo Freixo e sua defesa da legalização do aborto e da legalização da maconha , reproduzindo oque o tucanato e seus aliados conservadores religiosos fizeram com Dilma em 2010 e que, pasmem, hoje são feitos por apoiadores da chapa do PT/PMDB, outrora alvo, contra Marcelo Freixo.

As opções pela distorção, a opção pela satanização do adversário, pela construção de espantalhos baseados em mentiras e irracionalidade fanática acaba por gerar um movimento de autodestruição da imagem de quem buscava-se "iluminado salvador dos povos". 

A opção pelo caminho fanático, com tintas stalinistas, agressivo, irracional, que para "vencer" o adversário acaba por demolir qualquer limite ético, e não estou falando de moralismo lacerdista, levou aos alvos da mais suja e difamadora campanha da história, 2010, a reproduzirem métodos serristas contra um candidato que ameaça de alguma forma o domínio de parte do campo da esquerda, e quiçá ameaça a manutenção da prefeitura do Rio de Janeiro (Leia-se cargos), em mãos aliadas.

Essa mesma opção leva a massa de apoiadores irracionais a ignorarem ataques cotidianos aos direitos dos trabalhadores federais em greves, atacados pela mídia, pelo PT e pelo governo repetindo o que faziam antes os tão odiados tucanos.

Talvez por tornarem o partido um problema diante da necessidade de sacralização das lideranças e figuras públicas do PT, o governismo acéfalo irracional insuflado pela burocracia das migalhas tenha perdido a dimensão do que é a política de esquerda, do que é o coletivo e a necessidade de algum tipo de ethos que nos diferenciem do que chamamos de direita e que combatemos, ou dizemos combater. Ao esquecer isso a militância neoPTcostal se assemelha a um bando de Bolsonaros, aliado ao governo federal, alguns muito parecidos até na misoginia homofobia e racismo.

As distorções que as opções causam não ocorrem só no discurso, na tática ou na ação consciente, acaba por levar à distorções de caráter, sejam eles perceptíveis por quem assim age ou não, e a distorções de forma de pensar. Por isso vemos a opção pelas mega obras em detrimento do ser humano, pelo tratamento de índios como "Nômades", de mulheres, idosos e gays como lixo.

As distorções que as opções causam acabam por irem além de ser uma opção tática da política partidária e vira traço de caráter e este traço de caráter diz muito sobre o homicídio do PT pós-2006.

Diante destas distorções nos cabe rebatê-las com política, pois política enche praças.