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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Do Orçamento Participativo a Russomano

"O PSOL precisa aprender a fazer a política de gente Grande", se lê por ai.

"O PSOL tem de entender como funciona a política", é outro adágio.

Ambos os adágios são expressões comuns na militância do novo PT, o PT que governa, faz alianças com Maluf, Sarney, Renan, Collor, que esquece Olívio Dutra, que agora diz que experiência é fundamental para governar, assim como maioria parlamentar.

Essas expressões são a mais forte indicação da transformação do PT em partido da ordem, digo mais, na segunda fase desta transformação, onde além de entrar para a ordem o partido se torna seu mais ardoroso defensor, como se o novato que precisa provar a todo momento estar apto e de direito neste confortável lugar que ocupa no Status Quo.

A transformação não foi tão rápida quanto pensa-se. Ela começa nos idos de 1996 quando a estratégia vencedora de José Dirceu em curso a partir daquele momento pode ser resumida em uma frase proferida no Rio Grande do Sul após a perda pela direita do PT de então ( tendência Articulação, entre outras) da direção do PT nacional para a esquerda: "Vocês ganharam o partido hoje, eu vou eleger o próximo presidente da República". 

E Dirceu estava certo, elegeu o presidente da república, esmagou a esquerda, conquistou o poder, mas a que preço? Para que fim? 

Quando a famosa frase de Maquiavel, "O fim justifica os meios", andava pelas bocas douradas da Articulação havia a lógica do "fim" ser um governo transformador, popular, o ápice do programa democrático popular, a expansão do "modo petista de governar" a todo o país.

 Só que com o tempo e os recuos constantes ("Temos de ir devagar"); As opções de aliança no parlamento e fora dele ("Precisamos entender a correlação de forças"); A ampliação de poder eleitoral, aprovação e absorção pela sociedade como um todo e o sucesso de medidas pontuais de ação social ("Estamos mudando a vida das pessoas e somos populares"), o "fim" foi abandonado e se chafurda no meio.


Ao invés de transformação se busca a manutenção, ao invés da mudança,s e busca uma estabilidade eterna, fanática dentro do estado que antigamente devia ser transformado.

A militância do PT está correta: O PT aprendeu a fazer política que nem gente grande, a jogar conforme o sistema, mas não por sabedoria ou "malandragem", mas porque se tornou mais um partido do sistema, mais um membro do clube onde estavam PMDB, PP, PRB, PR, PSDB, DEM.

Quando o PT profere um 'todos fazem" ao se referir ao aparelhamento do estado e à corrupção, ele assina o atestado de igualdade com o que antes combatia.

Quando o PT profere ataques que reduzem a capacidade de uma liderança política à sua falta de experiência administrativa, ataque prioritário ao Lula pré-2002, ele assina o ponto de funcionário do sistema, de reprodutor do sistema, da tecnocracia gerencial do capitalismo.

Quando o PT ataca adversários por sua defesa à legalização do aborto, combate ao crime organizado, legalização da maconha, combate à homofobia e se serve dos mais abjetos membros da sociedade em apoio a estes ataques, ele se torna não só mais um membro tímido da reação, mas um prócer do conservadorismo, nem que seja por omissão criminosa ou por apoio indireto.

Quando o PT recuou no combate à homofobia (que virou para Dilma "Propaganda de opção sexual) e fez vistas grossas A tenebrosas relações do PMDB do Rio de Janeiro (Cabral e Paes) com a milicia, tendo inclusive Paes membros de seu gabinete como deputado ligados à milicia, e membros de sua secretaria contratando milicianos, quando optou por fingir que não vê, o PT tornou-se cúmplice deste sistema que diz combater.



Ao confundir utopia e ideologia com infantilidade o PT assume que sua política adulta é na verdade capitulação ao que há de pior no plano ético, ideológico e intelectual até.

A políticas adulta do PT acaba por ir além de fazer vistas grossas, mas abraça candidatos como Elton Babu, irmão do miliciano preso Jorge Babu (Também ex-filiado ao PT), e citado na CPI das milícias por manter ainda relações com milicianos de Santa Cruz e Campo Grande no Rio de Janeiro.

Ai chamar utopia de infantil  e dizer que sua política é adulta o PT assume que a inovação e o desejo de transformar da utopia lhe parecem delírios em seu sonho de uma vida adulta onde a corrupção e degradação do indivíduo, grupos sociais e instituições são fatos consumados e garantir que as surras diárias que a população sofre nas mãos do estado não se tornem estupros é o limite máximo, e mesmo essa proposição, que é o que "dá pra fazer", é negociável diante das necessidades de manutenção de postos de poder.

Pra política adulta  do PT remoções são inevitáveis, são "coisas da vida", como diz Jorge Bittar (Secretário Municipal de Habitação do Município do Rio de Janeiro e militante do PT), e atender à proposições de Raquel Rolnick, de urbanistas da UFRJ, UFF, ligados à ONU, aos movimentos de luta pela moradia, são  nas suas palavras, infantilidades.

Pro adulto PT o povo é uma abstração que se transforma me classe média ao receber R$ 291,00 e cujas necessidades decididas de cima pra baixo são atendidas conforme a lógica tecnocrata do "Pra quem não tem nada apartamento sem infra estrutura em Cosmos, em local oprimido pro milicianos é mansão".

O PT aprendeu como funciona a política, tornou-se adulto, virou homenzinho dentro da lógica do sistema que outrora combatia e vê como infantil  a luta pela manutenção de bandeiras que a esquerda traz consigo da tradição do humanismo e soluções políticas de radicalização democrática que ele mesmo outrora defendia como seu "modo petista de governar".

Quem antes se orgulhava da maré vermelha de 1992 hoje tenta frear a primavera carioca e chama fazer comício de "estimular o culto à personalidade" e militância de "criação de fanáticos" (O que é irônico diante da transformação de Lula em Deus Pai ou "O Cara").

Quem antes criava inovações como o Orçamento Participativo, hoje cria Russomanos, e há quem ache isso bonito.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Das resistências e primaveras

Quando a gente fala em resistência se pensa imediatamente em resistência armada, pedras, tiros, coquetel molotov. 

A resistência tem imediatamente a marca de impedir sob quaisquer meios que o outro, o opressor, nos estupre, avilte, domine. Ela é a marca da ação, ela é a marca da força em sentido invertido, mesmo que derrotada, esmagada.

Essa percepção não está incorreta, não parte de uma visão tosca, míope ou reducionista, resistir é também combater e o ato do combate tem em si mesmo a eloquência visual e filosófica, é claro, tem efeito imediato.

O combate no entanto não é a única forma de resistência. A resistência se dá também pela afirmação de identidade, pela negociação, pela organicidade e organização de grupos.

Estudando a escravidão no Brasil a gente percebe que a visão do combate como forma de libertação parte da visão da liberdade como um horizonte perceptível para o escravo, como se um objetivo a ser alcançado, quando em um sistema escravista a concepção de liberdade só era possível para quem algum dia foi livre antes. 

Ou seja, o africano ao chegar tinha a ideia de liberdade clara, por ter sido livre, mas o escravo, nascido na escravidão, não tinha em seu horizonte um conceito de liberdade como opositor à seu estado de escravo, a escravidão era para ele natural.

A ideia de liberdade era tida como um conceito universal, mas esse conceito universal partia da concepção alienígena ao escravo, especialmente o crioulo, e também partia do princípio que havia uma identidade negra concreta, uma consciência "negra" que unificava africanos e  crioulos em um só desejo de se libertar do jugo do senhor.

A própria ideia de uma consciência unificada parte de uma natural união entre africanos e crioulos a partir da unidade fenotípica, ou seja, a partir da ideia de que por serem negros se uniriam por uma identidade de cor de pele, ignorando diferenças entre nações africanas e mesmo entre concepções de realidade entre africanos, nascidos livres e transpostos à força para a condição de escravos, e crioulos, nascidos escravos e imersos na naturalização da escravidão, no entendimento da escravidão como algo dado.

Mesmo a liberdade como um conceito unificador parte do princípio que coletivamente era algo claro no horizonte da razão da diversidade do povo preto aqui vivente. O que se esquece é que quando o Malê falava em liberdade não incluía automaticamente o Mina ou o Nagô, nem tampouco entendia o crioulo como não escravizável, sendo todos negros.

Por isso o escândalo em torno da descoberta de negros escravos possuidores de escravos ou negros forros que adquiriam novos escravos ou de revoltosos escravos africanos que entendiam a escravização de escravos crioulos em um reino africano na América como algo extremamente natural se sua nação fosse liberta. Esse escândalo parte da ideia da liberdade como valor universal para aquela população e não como o contrário, como a liberdade sendo um valor alienígena dentro de um sistema existente durante mais de trezentos anos.

Além disso, o escândalo de negros escravizando negros, usado de forma hipócrita para justificar a escravidão pela direita moderna, também parte da ideia de que a cor da pele unificaria naturalmente as nações africanas aqui escravizadas ou que um sistema longevo que permeava todas as camadas da sociedade durante trezentos, mundialmente falando,  não seria entendido como um sistema que construísse  uma leitura do real, reproduzida geração a geração e criando muros invisíveis nas cidades e nas consciências de negros, brancos, livres ou escravos.

A própria ideia de que a cor da pele produz identidade automática é de certa forma racista, pois não parece perceber que Alemães, Portugueses, Espanhóis, Catalães, Bascos, Irlandeses e Ingleses podem ser brancos, mas não esquecem suas diferenças nacionais e culturais.

Dentro desse entendimento a lógica da resistência muda de eixo para toda e qualquer ação que permitisse algum tipo de cunha no mecanismo de opressão a que estava exposto o escravo, africano ou crioulo, e por isso que o escravo crioulo tendo a escravidão como fator natural, dado, constituía essa resistência nas confrarias religiosas, nas associações que lhes permitisse via união organizada, organicidade, mecanismos de minimização da opressão e ganhos reais, inclusive de status social, e de ação coletiva que inclusive tomasse para si a tarefa de libertação de alguns dos associados escravizados sob o jugo de senhores especialmente cruéis.

Pelas irmandades e associações os escravos conquistavam inclusive uma humanidade retirada deles em sua condição de peças, de um tipo de vida com status análogo do de um animal de carga, de trabalho. Demarcavam também diferenças entre crioulos, nascidos no Brasil, e  africanos e como essa diferença era entendida no plano social, com os Crioulos tendo proeminência nas associações.

Neste aspecto se não podemos unir no mesmo saco de gatos africanos e crioulos, nem mesmo as diversas nações de africanos, a consciência da situação de sofrimento e de necessidade de colocação, inclusive como humanos, em uma sociedade escravista fez dos pretos crioulos mestres em um tipo de resistência que lutava entrincheirada na própria sociedade que o escravizava e utilizando os mecanismos dela para a conquista de espaços próprios de ação, de melhoria de vida, inclusive de uma libertação dentro da concepção pertinente ao tempo e à sociedade: Tornando-se senhor de escravo.

Essa ideia de resistência era uma ideia concebida no interior da sociedade, não se entendia fora dela, aliás a própria ideia de uma outra sociedade era um horizonte distante, a sociedade dada, escravista, era aquela e a resistência construída em seu interior entendia-se como a resistência possível.

A resistência enquanto rompimento era uma lógica de pensamento que se excluía de uma sociedade que era, ela mesma, estruturada na lógica da escravidão como algo dado, era como se se exilasse do cotidiano, das relações sociais presentes, sem no entanto uma utopia estruturadora de uma nova sociedade, no máximo uma busca de reprodução dos também escravistas, e parte do sistema internacional que mantinha a escravidão, reinos africanos.

Em um paralelo analógico, forçado inclusive, podemos dizer que a lógica de resistência enquanto construção da revolução socialista, dentro da sociedade Brasileira, mesmo com uma utopia estruturadora, se encaixa mais no âmbito da exclusão do discurso do cotidiano do diálogo popular, da lógica de convencimento do povo e não porque a resistência não é possível, mas porque o discurso se exclui da possibilidade imaginada, da ideia de construção de algo que avance mais, pois a própria ideia de sociedade se baseia na ideia que o capitalismo é dado, de que nosso cotidiano não é possível fora da lógica de capital.

Neste entendimento podemos, também analogicamente, entender que o horizonte do consumo como alcance libertador possível é análogo ao da conquista do direito de ser senhor de escravo na sociedade escravista. 

Esse fator hoje ocorre não porque é impossível de ser mudado, mas porque a sequência de derrotas do discurso e pensamento de esquerda no âmbito da política, com inclusive a opção preferencial pela acomodação feita pelo PT a partir de 1996/98, tornou o discurso hegemônico neo-liberal como algo dado, natural, eterno e imutável, sendo impossível alcançar mudanças fora dele.

É primordial nesse sentido entender que para a reconquista do horizonte utópico que permita no longo prazo um avanço político estruturado para a superação do sistema é primeiro necessário reconhecer que hoje a utopia precisa de um horizonte reconstruído ainda dentro dos marcos possíveis, reformistas mesmo, mas construídos pela radicalização da cidadania e da democracia, pela ampliação da participação popular e re-estatização do estado. 

É preciso a reconquista do universo da utopia, a reconstrução da possibilidade de se pensar o novo, de se construir o novo. 

Para que se entenda que nada deve parecer impossível de mudar é preciso que consigamos romper a barreira da naturalização do capitalismo no horizonte, de redução do impacto do capitalismo no horizonte da sociedade, no horizonte popular. 

Para que se entenda que nada deve parecer impossível de mudar é imprescindível que consigamos convencer o mundo de que nada deve parecer natural.

Assim como para o escravo a escravidão era dado, mesmo assim a resistência era feita pela construção de mecanismos de organização é pela organização e superação das barreiras intestinas da sociedade, dos muros invisíveis, que podemos construir novamente o horizonte da utopia e assim como o abolicionismo, abrir as portas para a liberdade como horizonte possível.


Para que a revolução se torne um valor cotidiano é preciso que reconstruamos o cotidiano político, esfacelado pelo ethos neoliberal.

Para construirmos o verão é preciso tornar possível a primavera, no Rio, no Brasil, no mundo.