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sexta-feira, 25 de maio de 2012

Por que apoiar a marcha das Vadias?

Uma coisa sempre me dá um enorme prazer e essa é o de ler algo que me ensina e de forma profunda. 

Um dia li em alguma das redes sociais (Ou terá sido em um ponto de ônibus? ou num muro?) a brilhante frase: "Nos ensinam 'não seja estuprada' ao invés de 'não estupre'".

Não preciso dizer o impacto, preciso? A ideia contida nesta simples frase é revolucionária,  simplesmente porque questiona o eixo de formação do masculino, inclusive da ideia de prazer e amor no homem, da lógica política de dominação presente no ethos ensinado aos meninos durante sua longa estrada de formação em homens.

Essa frase e logo depois a clareza de como é catalogadora, desumanizadora, reificadora a ideia de mulher como um ente a ser tutelado, aprisionado, controlado, regido por o máximo possível de limitações e culpabilizado por todos os atos, como se um demônio provocador dos crimes ao qual é submetida, inclusive o mais vil deles, o estupro, tornaram claro para mim a  necessidade de entender que qualquer ideia de revolução ou construção libertária que não passe pela emancipação de gênero, orientação sexual e anti-racista está fadada a ser apenas uma pincelada de transformação, como a Marianne que de nua, de seios à mostra, passa a ser uma séria senhoura após o estabelecimento da república Burguesa na França do XIX.

O Brilho da colocação da marcha das Vadias como uma reação muito bem vinda à lógica civilizacional de que mulher se veste como objeto de desejo e  por isso o estuprador tem o atenuante da sedução feminina, do encanto  e do  feitiço do diabo-mulher que "embriaga" o pobre homem, não é um brilho exclusivo ao gênero. 

É um brilho que contesta o sem número de noções limitadores do humano, reducionista do homem, do ser-humano com um sem número de determinações que ocultam conflitos de classe ao tornar inimigos homens e mulheres, negros e brancos, gays e heteros.  Fazendo membros da mesma classe serem soldados de uma luta fratricida, que torna-se uma cortina de fumaça da opressão maior de classe a que estão submetidos, também pela via da moral conservadora, a grande massa de seres humanos, independente de cor, gênero e orientação sexual.

O combate à profunda educação que torna a mulher um sub-humana dentro de uma sociedade que as divida também em classes, que combate a noção da mulher como um objeto à disposição da mão do homem é também um combate à separações internas às classes que as desunem e as tornam ferramentas de desmobilização da luta contra a opressão como um todo.

O combate a cada opressão é parte fundamental da luta contra a opressão de classe, e a luta contra as noções culturais que delimitam o humano a um ser hierarquizado e oprimido,submetido a outro, seja por cor, gênero ou orientação sexual, é parte fundamental do entendimento do outro como um ser como és, como tu, não um alienígena a quem se oprime, prende, rotula, estupra.

Apoiar a marcha das vadias é ir além da moral conservadora, burguesa enfim, e é reconstruir, revolucionar a moral, a noção do outro, a noção de gênero e de nosso papel na construção de um mundo que rompa de verdade com todos os grilhões que o prendem em uma relação de propriedade, que até no âmbito do amor, e das relações sexuais é um tipo de relação econômica e de posse.

Se a propriedade é um roubo, porque a propriedade sobre o outro não o é também? Como podemos nos apropriar da sexualidade alheia, do corpo alheio, da orientação sexual alheia?

Apoiar a marcha das vadias é mais que ser feminista, é ser humano, ser humanista, ser de esquerda.

Apoiar a marcha das vadias é deixar que Marianne, que de nua foi vestida como se a liberdade precisasse de um aspecto casmurro pra ser respeitada, pudesse andar novamente nua, novamente livre, novamente plena.

PS:  Marianne é a personificação da República Francesa e quando da Revolução Francesa era simbolizada de seios à mostra, como uma imagem que rompia com todos os parâmetros do antigo, do antigo regime e da moral aristocrática, porém ao se estabelecer a república burguesa ela foi paulatinamente vestida, pois não cabia bem um símbolo da república tão imoral.

domingo, 15 de abril de 2012

Circunstâncias

Não sou conhecedor da obra de Ortega Y Gasset, mas a frase repetida por professores,   "O homem é o homem e a sua circunstância", é elemento comum em minhas reflexões.

Não só pelo aspecto de óbvia referencia ao homem como não isolado, como não ele nele mesmo, alheio ao mundo, como parte de uma rede de circunstancias, de  multi significações, de um contexto, mas muito pela ideia mais simples do ser só existir em comparação com o todo a seu redor.

Sem o outro o que somos? E como entender o que não somos? Como saber do outro?

Claro que qualquer antropólogo de esquina tem lá suas respostas, já eu só tenho dúvidas, dores, amores e conversas, talvez pra boi dormir. 

Porque não sei o outro, não o entendo, talvez nem o aceite, e neste limite entre o raciocínio e o aceitar,  o entender e aceitar emocional, talvez viva o homem.

É nessa forma de choques, preços, decisões, mudanças, visões, percepções e quereres que vivemos e queimamos. Talvez em revoluções e revoluções, constantes, eternas, internas.

E o todo político disso? Quando somos nós mesmos armas de política e limites de experiencias políticas em que entendemos que amar é poder, se relacionar é poder, falar é poder, sentir é poder? Como fazer pra juntar o socialista, o anarquista, com o anti-machista quando reproduzimos o machismo na recusa à liberdade de amar?

Quando somos claros, até pra nós, ao nos posicionarmos como elementos de fomentação prática às mudanças? Sabemos se a nossa belíssima intenção é na prática um ato de reconstrução a partir da demolição de preconceitos, ações políticas danosas à nossa lógica ideológica?  Sabemos se o que fazemos é para o outro o que o vemos? ? Vemos o outro? Como o vemos?

O anti-racista quando vê um negro em sua direção à noite e se sente ameaçado é ele neste momento anti-racista, não vê no homem negro uma ameaça e se vê o que faz? Esse ver é um ver de uma ameaça independente da cor ou a cor, a pele, o fenótipo aumentam o peso da ameaça?

Ao amar  uma mulher entendemos as diferenças, os caminhos e o analisamos sob o o ponto de vista de nossa posição no mundo, na relação, nossa posição de gênero, nossas circunstâncias de gênero?

Não tenho respostas. Absolutamente nenhuma resposta. Tenho perguntas, pois o caminho que tracei me obriga a tê-las e estas dolorosas reconstruções a partir de novas circunstâncias me fazem um homem em transição permanente, temeroso de novas ações causando novas dores, amores, perdas, mas decerto compreendendo que o saber é em si transformador e que é uma arma de ação política direta.

Não um saber iluminista de púlpito, mas um ato de radical observação do real, entendimento das circunstâncias, percepção do real e de si mesmo nele. Este ato é em si perigoso, leva a mortos e feridos, leva a perdas, à distanciamentos, a medos e a "crimes", à destruição de laços se não observado que o caminho não é só um.

"O homem é o homem e a sua circunstância", uma frase, uma forma de ver o mundo, e talvez uma arma, espero que saibamos usá-la. 




terça-feira, 27 de março de 2012

Papéis

Uma das maiores limitações do escriba, talvez inclusive como analista e como profissional de História, mas principalmente como ser humano é a imensa dificuldade de despir-me de papéis pré-concebidos e herdados que trago em mim.

A opção pelo viés da intelectualidade, inclusive artística, por vezes me parece ser uma fuga via ciência do grau de enfrentamentos necessários para a revolução que prego externa, tornar-se interna.

Convivendo cada vez mais com a militância LGBTT e Feminista sou "bombardeado" cotidianamente com questionamentos das "caixinhas" que todos usamos pra pormos os outros e a nós mesmos em papéis pré-determinados que por vezes não só nos limita, mas nos oprime.

Talvez a opressão seja mais difícil de ser percebida em nós, ativa em nós, atuante em nós como adultos do sexo masculino e brancos, mas com certeza fica patente ao percebermos em nós a opressão como agente para como o outro, mesmo que minimizada por uma feroz auto-crítica.

Ao ler, ver e ouvir relatos feministas e LGTT a impressão final é que ainda sou parte de um mundo que deveria ser abolido, onde todo o arcabouço de categorias que construo como mundo são semi-inúteis. Não que isto tenha alguma carga dramática ou de terror intelectual, mas define a limitação do modo de pensar que causa inclusive "miasmas" internos que se traduzem na posse, no ciúme, em dores inventadas, em vergonhas, em machismos ocultos, homofobias enrustidas que apesar de combatidas por um humanismo adotado e que entendo feérico ainda existem e maltratam ao outro e a mim.

A gravação dos papéis em mim, em nós, são tatuagens de cultura que são preenchidas com todo o grau de conflito entre os grupos sociais dos quais participamos, entre gêneros, entre orientações sexuais, raça. Estes papéis são um dado, uma categoria a ser trabalhada sob pontos mais fortes do que os nitidamente racionais e construídos e demolidos talvez com simplicidade pela educação, mas antes de mais nada com uma necessidade de trabalhar com força e fome nos níveis emocionais, psíquicos e não com remedinhos delirantes, mas com uma profunda jornada de auto-conhecimento.

A certeza das categorias fixas em todos os níveis atrapalham mais que ajudam, no âmbito da construção do individuo atuam inclusive como arma de perpetuação de opressões.

É preciso que nossos papéis ganhem mais cor, mais abertura analítica, e também política, e para isso é preciso um olhar profundo até o dedão do pé, como diria Gonzaguinha.

PS: Uma das razões deste post é este vídeo imenso que vi e que me emocionou sim, mas antes de mais nada reforçou necessidades de auto-crítica: http://youtu.be/ctuUqzZEZKs

quinta-feira, 15 de março de 2012

Mulher pra casar, Mulher pra trepar

Biscate?
Amo uma mulher pra casar. 

Amo uma mulher pra trepar.

Adoro bundas e fico hipnotizado por elas, por seios também. Adoro inteligência, livros, sexo, comida, fico hipnotizado por isso também. 

Só não me encanta a estupidez. À esta costumo levar no bolso um tantinho de desprezo pra dar para alimentá-la e talvez fazer crescer o ácido e solitário limbo onde seu cérebro está, se é que existe.

Amo uma biscate e tenho orgulho disso, muito. Amo e  amarei outras caso por algum acidente do destino meu caminho divirja do da mulher livre com quem busquei um relacionamento. Já amei outras biscates, que contrariando os "adágios" das "pitonisas" do moralismo a dois passos atrás do troglodita de plantão nunca engravidaram de jogadores de futebol.

Mulher pra casar?
Aliás devo dizer que quem curte engravidar é "mulher pra casar", este tipo sobre o qual o rótulo cairia como uma luva caso eu optasse por dividir mulheres em grupos de etiquetas mal cheirosas. Gravidez em geral atrapalha a liberdade de ir e vir, adiciona responsabilidade exige da mulher uma solidez na opção que vai além do "se arrumar".

Um ponto interessante é a constante presença de mulheres "pra casar" atacando blogs, em especial o Biscate Social club, que de alguma forma defendem a liberdade da mulher de ser inclusive biscate e mais, colocando no fundo (ui!) a pergunta: porque  não o são todas, as "pra casar" e as "pra trepar"? E o mais legal é que a vulgaridade das criticas às Biscates inclui uma ladainha modorrenta mofada do "biscates dão pra todo mundo e querem engravidar de jogadores de futebol", coisa que não se vê, lê, ou cheira em se convivendo com mulheres completas que se auto intitulam biscates e estão por ai borboletando, xavanteando, seiláoqueando.

A meu ver é clara a "transferência" com o fim de sublimação que as moças casadoiras mantém, nesta relação "competitiva" com as biscates, como se fosse  necessário que uma prevalecesse sobre a outra em uma competição feroz rumo à manutenção do nicho de mercado sobre nós, os pobres homens. Isso me lembra o "dividir pra conquistar" do capital e como acho isso uma ferramenta feroz de manutenção da situação de opressão que opõe mulheres que podem ser tudo (mães, putas, monogâmicas ou surubentas) a mulheres que optam por serem o binômio casadoiro na sua, na sombra, em silencio, ocultando seus desejos e com medo de quem se assume completa. 

Cada um faz absolutamente o que quer, mas me surpreende que a vulgaridade dos ataques venham de quem se propõe lado claro da força, surpreende a violência terminológica vulgarizadora do outro em nome de sei lá que impulso político-psicológico entubado nas entranhas de mulheres que optam opor verem a si mesmas, e transferirem à outras essa visão, como bundas e peitos, só que usados só no papai e mamãe cotidiano.

Surpreende porque ao atacar com virulência quem se  propõe exatamente a discutir a questão do feminino  com liberdade, deixando  as camisas de força da opressão pelo mundo, estas mulheres não defendem a si mesmas, mas defendem o papel que lhes  obriga a manutenção de uma bunda que o marido goste, a ter filhos educados para não amarem com responsabilidade de maturidade, sabendo escolher as pessoas pelo que são e não pelo papel que executam.

Amo uma biscate, amo, amei outras e amo muitas biscates irmãs, mães, amigas. A "mulher pra casar" me cansa. Me cansa a divisão binária, estúpida, oprimida, subserviente, servil e moralista destas mulheres que abdicam do poder de serem a si mesmas para serem cinderelas sem sapato do sub-macho moderno.

Mulher é substantivo, substância, não cabe em rótulos. Homem digno do nome sabe disso, como foi me ensinado por um dos grandes que dizia que mulher sem nome, garra e vontade é antes de mais nada um apêndice da mediocridade.


domingo, 11 de março de 2012

A permuta dos Santos

Há um artificio do catolicismo popular, muito bem descrito e cantado na musica de Chico Buarque e Edu Lobo "A Permuta dos Santos", que é o da troca de imagens de santos católicos feitas pelos fiéis entre paróquias com o fim de "provocar" os digníssimos a realizarem o "prometido" ou o "pedido" por estes mesmos fiéis nos anos anteriores.

A busca é irritar as divindades e lembrá-los que o conforto e a fé a eles não tá ali de bobeira e nem pagando pau de graça, ou seja, a rapaziada não tá batendo palma pra maluco dançar.

A sabedoria do catolicismo popular é impressionante e desmente a ideia da fé como alicerçada na omissão, na preguiça de pensar e no desvio impotente para a aceitação de tudo. A fé não impede que existam protestos nem contra o alvo da fé, quanto mais por sobre o humano que amiúde impede realizações pessoais e coletivas. A rapaziada tirando os santos de lugar também dá o recado que pode não ser tolerante com os não santos.

Nas cidades e nas mentalidades nem tão populares assim , há imagens que no entanto pululam o imaginário de parte da sociedade e de parte de sua inteligentsia  e que indicam que precisam mais do que permutas para serem transformadas em uma simples construção de igualdade.

Temos por exemplo o uso de um biologismo rastaquera para justificar o injustificável e misógino pagamento à menor da força de trabalho feminina ou o legalismo zé ruela pra defender escravismos tupiniquims por cantoras de rock.

A rapaziada saca do bolso sofismas mal sustentados em si mesmos quanto mais se lançados na arena de outras paróquias. A biologização do pagamento à menor do trabalho feminino é até bacana sob o ponto de vista da ficção, porque o baila comigo  do autor pra não dizer logo que mulher é inferior e tem  que ocupar o que lhe apetece biologicamente, com algumas vagas no mercado de trabalho especificas para elas, enfermeiras por exemplo, chega a ser fofo. 

É até fofo pensar em como se sustenta que existem mais mulheres na Medicina do que na Engenharia sem que o aspecto sócio-cultural tenha ido lá pra dar sua sambadinha, sem que tudo o que circula a ideia de gênero no âmbito social tenha sido sequer bolinado, com consentimento obviamente.

A imagem do santo da biologia foi posta em sua catedral pseudo-científica pra ser o centro das atenções de um mal dissimulado machismo sustentador da lógica própria do mercado de dividir pra conquistar. O autor, que acredito que só tenha feito seu trabalho, prefere atribuir uma culpa divina pela construção de um alicerce genético à fêmea que sustenta como um contrato ad eternum de inferioridade, inclusive no ganho por sobre a venda de sua força de trabalho, a colocar pra jogo  a redução da capacidade feminina culturalmente e socialmente como arma para economias que o capital faz. Sem contar obviamente todos os demais aspectos não decorrentes de uma vontade do capital, mas bem sacados e usados por ele.

 E claro ainda rola a cereja do bolo de indicar o que a mulher tem de fazer a partir de uma só fonte de suporte à "autoridade" de seu argumento. Todo o resto da literatura que envolve gênero e caralhinhos voadores no banheiro é a mesmíssima coisa para o digníssimo autor.

Mudar o santo da biologização de lugar não cabe nessa lógica de permuta que busca a partir da remoção de ícones, de sustentáculos divinizados de crenças, alterar a realidade dos fiéis, cuja fé aguardava a intervenção daquele a quem recorrem em momentos onde os limites do humano falham.

A imagem da santa biologia não cabe em outras paróquias que sensibilizem sua parca autonomia como sustentáculo do absurdo a serem outra coisa além de uma santa de fancaria, uma bazófia à inteligencia alheia. 

Em terreno democrático não há igreja ou capela que aceite a santa sob pena de protestos veementes dos demais santos, que em sua longa carreira de permutas no universo do pensamento mágico nunca foram pautados pela irracionalidade preconceituosa travestida de argumento.


quinta-feira, 8 de março de 2012

Menina ou "O Senhor é um moleque"

Não conheço o suficiente do movimento feminista pra discorrer sobre concordâncias ou discordâncias a respeito de modus operandi. Somado a isso tendo a me envolver diretamente com as lutas dos oprimidos de forma a absorver como verdade suas bandeiras. Há o risco de ser acrítico por vezes, mas o risco vale diante da lógica de necessidade de apoio às resistências e demolição da opressão, inclusive a presente no inconsciente meu, seu, nosso.

Amar uma mulher feminista traz em si o automático interpor de questões não colocadas, não trabalhada sou pensadas anteriormente e naturalizadas por vezes, mesmo em quem se considera um exemplo de combatente contra as opressões e amável aceitador da auto-crítica (e não necessariamente da crítica).

E mesmo em quem se observa e se critica, e se corrige, impressiona e assusta a presença ali da resistência machista.

A terminologia usada no tratamento às mulheres me foi colocada pela primeira vez em termos mais amplos do que estava acostumado a entender e pensar. De óbvios combates ao "pegar àquela mulher" começamos a pensar no termo "menina" no "gostosa" gritado na rua. E sem ironia assusta o quão a opressão arraigada na língua e na cultura se espalha de forma a penetrar (ui!) nos mais profundos recônditos da palavra.

O uso  do termo menina como forma de diminuição infantilizadora da mulher e o grito de gostosa no meio da rua em altos brados como determinante da mulher enquanto escrava do seu corpo, são elementos assustadores.

A forma de introjeção da opressão através das palavas, velha conhecida, se torna novamente uma forma de susto. Mesmo considerando as variações do uso dos termos, dos tratamentos, das lógicas contextuais é de se pensar, e de maneira firme, sobre o impacto e o quanto não se parece com opressão o que opressão é.

Mesmo sendo partidário do "nem tanto ao mar, nem tanto à terra" no quesito cultura, pois esse bicho costuma ter mais subjetividades e variações que rompem com lógicas mecânicas, não dá pra não entender que sim, há o impacto do uso das palavras, e estas foram exemplos, no trato da mulher enquanto forma de redução desta a um papel secundário, infantilizado e reificado. E mesmo sendo amigo íntimo do medo do mecanicismo sem reflexão aplicado ao falar  tornar-se como uma camisa de força, não há como negar que entender que sim, há espaços e há uma conotação em vários termos e usos da língua que são armas de permanência, de manutenção, de uma colocação da mulher em segundo plano. O mesmo vale para termos relacionados a negros e gays.

O fato é que pro macho, adulto, especialmente os brancos, a naturalização da língua como liberta da reprodução de preconceitos, especialmente para os que a dominam, é um aspecto a ser reconsiderado quando se percebe que em dimensões alheias ao que é seu, a seu mundo, as palavras ferem e como navalhas relembram de estupros a desqualificação na casa, na faculdade, no trabalho, na rua, na chuva, na fazenda.

Ao ouvir "É uma menina" talvez ecoe em seus ouvidos o equivalente ao "O senhor é um moleque".


segunda-feira, 5 de março de 2012

De Tudo ao meu Amor Serei Atento


"De Tudo ao meu Amor Serei Atento" , um verso de Vinícius de Moraes.



Estranho neste espaço o amor vir e vir duas vezes. Talvez conquistando da aridez da História e da política o espaço exigente dos que não se prendem nas amarras dos versos e poesias.



Mas é o súbito do amor que garante seu espaço nessas entrelinhas transversais que antes de mais nada é fundador. Pois é o amor às gentes e às diversidades que construiu cada tijolo do espaço, como quem constrói um fortim de humanidades. Nada mais justo que um dia personificado se mostrasse como quem reconquista o espaço do individuo.



"De Tudo ao meu Amor Serei Atento" ,diz o verso. E à atenção dá um tom de ação, uma urgência de uso, utilidade, arma.



Como ser atento ao tudo, ao todo, se secessionamos? Como dividir em evangélicos, negros, pobres, ricos, velhos, novos, burros, gênios, limpos, sujos? como levar a cabo o ideal democrático, uma das faces do amor, se flexionamos a democracia em uma formação de castas submersa à máscara teórica disponível?



Como sermos o todo se não somos o dois? se não somos o outro?



Essa abordagem já foi feita teoricamente aqui de diversas formas, citando a disparidade do discurso com a prática que inclua a disputa política pelo convencimento do outro e não por sua classificação como lúmpen ou sub-humano desintelectualizado e "inconsciente' ou "alienado". Porém o que é isso sob o ponto de vista do subjetivo?



Como meio amar? como ser meio? Como ser meio humanista,. meio elitista, meio socialista?



Como amar um alguém e dizer que ama uma humanidade e ao mesmo tempo não amar o outro e buscar entender o outro para além de nossas próprias e comuns deficiências de percepção do outro como tal? Como se colocar ao lado da classe trabalhadora, mas condená-la se não ouvem Schubert ou Chico Buarque e ouvem Teló? como condená-las ao limbo dos idiotas se rezam, creem, doam seu dinheiro, fruto de seu trabalho, por sua fé? Como chamar seu deus de resultado de esquizofrenia e postar-se, a meu ver cinicamente, como seu aliado, amigo, amante?



Como ser um homem para uma mulher e recusar-se a não rotulá-la como biscate, puta, séria, trabalhadora, viva, morta, autêntica, burra? Como saber o que é o outro sem sê-lo?



Eu nasci em Deus, eu nasci de Deus. A fé é para mim  a estrutura básica do que sou. A história é vista com olhos de Exu. O amor é fruto dos braços de Oxum.  Jesus me levou pelas mãos muitas vezes, Marte idem. Ogum me dá a segurança de amar ao todo e largar-me no risco da insolvência pelo excesso de convicção que só os de Logunedé tem a sorte de manter.



Eu nasci amor, fruto de amorosa rede de gentes que carrego em cada letra. Gentes que suportam o fogo de meu pouco trato social e entendem mais do que mesmo eu consigo ver.



Me é incompreensível o humano sem a imensidão do coração tornado arma. Mesmo quando a fúria autoritária se apossa dos meus passos é o entendimento corpo e alma do humano como medida de todas as coisas, inclusive das divinas, que me conduz na busca do entendimento da diversidade, democracia e liberdade como valores máximos.



E se me é incompreensível o fundamentalismo com fé, idem o fundamentalismo sem ela. Me é incompreensível o elitismo que se coloca tutor do povo em relação à cultura, que trata o funk como sub música e samba seu avô pelas praças, assim como me é incompreensível amar uma mulher sem amar seus mundos, fundos, letras, pés, mãos, corpos, almas, cheiros e voos.



"De Tudo ao meu Amor Serei Atento" , um verso. Poderia ser um lema.

Uma lema pois que retornasse a percepção ideológica do amor como ente, parte fundamental de toda ideologia humanista, que retirasse o viés que exclui a reflexão sobre o outro do combate diário pela conquista do estado. A doação diária e sensível que faz a esquerda permanecer no combate contra a opressão capitalista, que luta contra o ethos de priorizar a propriedade por sobre a humanidade, o direito ao ter sobre o direito ao ser, este movimento é um movimento de amor, uma declaração de amor ao humano. E ouso dizer que mesmo os liberais em sua fundação humanista não são outra coisa em sua busca pela liberdade contra o estado senão apaixonados pelo humano como medida de todas as coisas. Anarquistas nem se fala, são verdadeiras Biscates ideológicas (sob o prisma do Biscate Social Clube) amam numa nice, sem crises.




Esta declaração de amor ao humano não se pode permitir racista, machista ou homofóbica. Não se pode permitir transigir com o excludente. Por isso o racismo e a misoginia me atingem, mesmo eu sendo o macho adulto branco (Sempre no comando, Caetano?) .



Sem que percebamos a dimensão do Amor, ou a subjetividade do sentimento de ação libertária como Amor, nas lutas diárias elas se transformam neste eterno arranca rabo de ocupação de espaços limitados e/ou a conquista de postos.



Não é a ideia que constrói a solidariedade intrínseca na construção de laços, é o respeito e o sincero abraço, é o riso, é o copo, é o saber-se igual, mesmo que diferente.



"De Tudo ao meu Amor Serei Atento" , um verso. Poderia ser uma práxis.




domingo, 4 de março de 2012

Amor em tempos de Hóstia

A complexidade de amar não é passível de manuais, retóricas reducionistas ou bambolês retóricos aplaudidos pelas claques e ruas do comum. Amar é intensamente ser o outro . É dois sendo um e um terceiro, o caminho feito de trocas entre seres que se amam.

Em suma: amar  não é pra principiantes. 

Amar concebe caminhos de cores, jeitos, odores e humores diferentes e em  geral surpreende. Quem ama costuma não matar, e também é em tese o exemplo perfeito da abnegação para com o outro. Quem ama não falha.

Amor se virtualiza, se concretiza, dança, rebola, diz, reclama, amor é. Amor não assume infalibilidades ou se constrói na onipotência monolítica. Amor é de filho a pai, de pai pra filho, de mãe a pai, de filho a filha, de homem a mulher, de homem a homem, de mulher a mulher, de homem a bicho.

O natural do amor nasce antes dos Deuses dizerem-se legisladores, antes da definição castradora de qualquer fé. O amor nasce com o Homem. Deus eu não sei.

A História do amor pode ser divertidamente explicada na historiografia a partir do advento da concepção de indivíduo, o que grosso modo se dá no período clássico e depois novamente no pós-renascimento. Após a compreensão do ser humano como passível de ser um, também se percebe a ideia da existência do outro. O Um é pai do Outro, e o amor nasce da percepção da completude da união de ambos. 

O amor, seja ele explicado pelo instinto do autor por por seus parcos conhecimentos de História, ao definir-se encontro não delimita quem se encontra. O encontro é a percepção da  junção de dois, seja lá quem forem e como se dá o encontro.

É ai que a porquinha fofa torce o volumoso rabo diante da retomada de um aparato formatador, castrador e, no popular, coxinha, na rotulação de comportamento seja via concepção funcionalista yuppie ou fundamentalóide cristã.

Pra generosos seres dito humanos que compreendem que códigos de importância específicas aos seus fiofós são obrigatoriamente de uso geral, o amor homo-afetivo, o amor advindo de encontros virtuais, o amor concebido  como para além das receitas caseiras do que é bunda gostosa ou não, o amor inter racial, ou seja lá que tipo outro de amor, tudo  isso é anátema dos brabos e alvo de ações lindinhas que vão da ridicularização à violência.

Dai que amar em tempos de hóstia adquire um aspecto mais complexo do que o fato claro do amor não ser coisa pra crianças, ele vira também um espaço de combate e de reforço corajoso à diversidade como uma bandeira necessária. Amar é também molotov.

Um beijo, um ir, um vir, um amor de mãe que faz sexo, um amor de quem se lê e se apaixona, um amor de homens irmãos ou homens que se comem, tudo é também  um enfrentar e um conquistar ao diverso o espaço de hegemônico.

O  amor de moças entre  moças, de gentes que se amam, o poli-amor ou até a mais perversa perversão, a monogamia, são bandeiras políticas também, assim como a legalização do aborto e a luta anti-homofobia.

A luta diária contra a camisa de força das forças mal amadas é quase uma luta pela legalização do amor. 

É preciso  buscar a expansão do amor, do amor como arma, como o dito por aquele que hoje é convocado pra sustentar atrocidades, mas que trazia como palavra  de fé o Amor: Não é hora de trazer  a mansidão é preciso trazer a espada.

Se só o amor constrói é preciso a virada à esquerda para antes de um novo alicerce ser construído sejam destruídos os muros de uma moralidade retrógrada, de uma compartimentação comportamental e de um fundamentalismo delirante e atroz assassino do diferente.

É preciso fazer do amor um aríete que impeça que as Borboletas fiquem sem janelas.



sábado, 25 de fevereiro de 2012

Guitar Hero e a decadência do macho

Não sei se cês notaram mas tem uma ironia perdida por aqui.

A lógica das relações de gênero, o sexo em si, o vuco vuco, a dominação/Submissão, a bagaceira do amor ailoviu, essa coisa toda tem meandros que uma cabecita movida a vapor pode engasgar e negozinho baseado em tecnologia Wii pode ter nojinho.

A relação macho/fêmea tem mais explicação que Jesus andando em cima d'água (Pra mim uma metáfora do primeiro Surf em águas galiléias), e penetrar (ui!) nesse ninho de magarfagarfo é coisa pra quem tem peito, ou peitos.

A partir do desafio de desmulherzinhar o debate sobre o vuco vuco carpado no Biscate Social Clube e sobre a relação Johny Guitar e Guitar Hero, tomei coragem, um rabo de galo, dois cafés, fiz as unhas (Homem se cuida) e parti pra gonorância.

Primeiro devo assumir que Johny Guitar é pra mim um conhecido via Google e que pelo que li não devo ver. Segundo devo dizer que a busca da galhofa perfeita pode estar por aqui, pode mesmo estar ao seu lado, você que se não me lê, deveria. Em terceiro e acho que último lugar defendo a tese que a virtualização das relações, mesmo em seu lado bom, acabou pro conduzir um efeito de falsificação  nas tramas de novas canções e ziriguiduns horizontais que transforma possíveis Johny Guitars em viciados em Guitar Hero, aquilo parece balacobaco, mas é só um jogo.

A própria lógica de classificação e rotulação constante e infinita, já presente no mundinho animal real de cada dia, ganha apelo, voz, ferocidade e se reproduz na margem da impessoalidade abstinente e antisséptica dos teclados e monitores escondendo o murro fatal nos cornos, a pegada na bunda, o beijo chupa estômago e o xaxado horizontal que todos buscam. Ai rola uma mistura de Vovô Donalda dos anos dourados com macho megabite e isso não pode dar certo.

A malucada perde um tempo precioso esquecendo o lado real pra só guitarheronizar, cai nas esparrelas classificantes de mulheres como gado, acaba reproduzindo a  cabecinha  mula mansa do papai sabe tudo no "Mulher pra casar/Mulher pra trepar" e acha que playstation é guitarra, isso não pode dar certo.

E ai vemos jovens de 20 anos mais machistas que meu avô, e olha que meu avô fez concurso, e mulheres se plastificando e ajudando ao domínio opressor dos Guitar Hero transformando agora vagabas dos anos 1950  em biscates pra "se valorizar", como se mulher fosse ação da bolsa de valores.

Claro que isso tudo existia antes, tudo muda muito e mantém-se muito, mas com a virtualização a coisa ganha um aspecto de vírus e não to falando do worm que ataca máquinas ou marketing viral, mas da doença, uma doença carpada no moralismo e no TOC antibacteriano. E também não condeno o virtual de per si, porque inclusive o acho duca, diminui resistências que o contato imediato pode causar e permite um, digamos, primeiro ensaio do vuco vuco com mais relaxamento.



Mas a substituição da guitarra pelo guitar hero; da mulher pela Barbie; do macho autentico, formado nas quebradas das esquinas, com seus cagaços, recuos, ataques, porradas e recusas, pelo troglodita virtual (às vezes nem sempre) formado nas academias da brutalidade e da reprodução de preconceitos e sentado no teclado cheio de uma testosterona gasta em bronhas sobre um sexo de filme pornô, tudo isso produz menos João Nogueira e mais Luciano Huck e, cês vão me desculpar, isso deve ser um indicio do fim da humanidade.

Tá na cara que o negócio de diminuir a mulher é uma pusta cagada de regra do submacho de playstation. Homem digno do nome quer é ser caçado, pra poder caçar também, quer mulher pra chamar de sua, pra ser chamado de seu, pra amar no chão, pra chamar de lua estrela e luar. Ai se criam gerações que buscam um tipo de Lassie mestiça com Jenna Jameson, se transformam em rambos sem faca, ou coragem, latem pra lua quando vêem um carro e ignoram a mulher pra pagar de bíceps em rave.

Sei lá, isso me parece contraprodutivo.