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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Do racismo ambiental e da criminalização da pobreza é feita a vida das classes perigosas.

O racismo ambiental e a criminalização da pobreza andam lado a lado. A própria lógica do entendimento de negros e pobres como classes perigosas  e necessariamente obrigados a terem por perto uma observação feroz do poder público andou lado a lado com a expulsão destes de suas casas pobres ou quartos em cortiços sem nenhum tipo de cuidado no fornecimento de locais dignos de moradia em substituição à demolição de suas casas. Essa expulsão levou à ocupação de áreas vazias nos morros ou de terrenos mais distantes, estabelecidos obviamente como era o tom da época  sem nenhuma observação dos impactos possíveis.

Para a produção da cidade burguesa no fim do século XIX, início do século XX, a ação conjunta de criminalização da pobreza, higienismo e racismo ambiental criou uma reação em cadeia que juntava a culpabilização do pobre/preto pelas pestes da cidade, pelos crimes da cidade e o levaram à desmate de encostas, morros, beiras de rio, a servir como álibi pra empreiteiros e empresários do transporte ampliarem a qualquer preço uma rede de transportes que nunca se preocupou com desmate, poluição do ar, descarte de lixo, sujeira de rios,etc.

A mesma lógica jamais se importou com o peso da indústria na expansão Rio de Janeiro afora pro chamado subúrbio do progresso movido à poluição do ar das águas, desmate, em profunda ação destrutiva julgada procedente pela "criação de empregos" e "melhoria da vida das pessoas".

A cidade burguesa que nasce da expulsão de pobres/pretos do centro da cidade ou pra seus morros (Os palácios precisam de serviçais) continua em um ethos civilizatório baseado antes de mais nada na secessão e na expansão do progresso destrutivo para onde não reside sua elite. A cidade cindida pela cadeia de montanhas do  sumaré também divide-se não só entre ricos e pobres, mas entre  expostos ou não à degradação ambiental.

O ar pesado de Santa Cruz não é o mesmo ar beira-mar.

As encostas da zona sul sociológica tem a atenção de quem sabe como é difícil manter mucamas e porteiros de qualidade em seus prédios de luxo, já o entorno de Acari não tem a mesma atenção no impacto que a degradação dos rios ao redor leva à saúde da população.

À cidade burguesa é preciso uma cidade quilombo, mas esta não precisa dos mesmos cuidados.

As classes perigosas sabem viver na secessão, entender o tamanho da distância física e simbólica entre reis e escravos, e saber o quão é secundário em suas vidas sequer sonhar com uma política ambiental e social que não os inclua como secundários também ao poder público.

Às classes perigosas cabe produzir anualmente uma migração em massa da elite "descolada" à Oswaldo Cruz, numa visitação participante festiva aos primórdios da rede de transporte da capital, o trem, que apelidado de "do Samba" ganha cores brancas e felizes que o difere do cotidiano brutal a que são expostos os moradores que residem onde se deu o assentamento "à sua mercê" dos primeiros expulsos da política de Pereira Passos que não habitaram os morros do entorno dos Cortiços recém derrubados.

Às classes perigosas cabe o produzir da música de festa da elite, que aplaude com vontade, faz de conta que é turista, aquela música de pretos expulsos de suas primeiras casas, expulsos da parca qualidade de vida, expulsos de algum controle da qualidade do ar, das águas, das matas, das árvores.

À elite descolada já cabe a luta farta pela preservação da Lagoa Rodrigo de Freitas, da Floresta da Tijuca, sem olhar para o Borel, e se satisfazer pelo dever cumprido sem notar que elegem e  reelegem aqueles que liberam a instalação da CSA em Santa Cruz e envenena quem não faz samba ou tem trens com turistas em dois de dezembro.

À elite descolada cabe festejar que a cidade está "se modernizando", como festejava em 1904, como festejava ao estimular às classes perigosas a prática do football  que os livrava da insalubre herança colonial da proximidade de pretos e pretas pobres que precisavam de forte policia fiscalizadora agora que estavam livres do jugo dos feitores e da policia particular dos senhores de escravos.

De Pereira Passos a Pereira Paes cabe à cada classe da cidade um comportamento que não ouse fugir à regra "moderna" que diz que é "demagogia" qualquer atitude que enfrente a política de cisão de um estado feito pra expulsar pobre e preto pra debaixo do tapete da criminalização da pobreza e do racismo ambiental.

Expulsos de suas casas são ainda culpados de desflorestas encostas do único lugar possível de moradia que possuíam para construir suas pobres casas após receberem como proposta de habitação o cassetete dos soldados.

De Pereira Passos a Pereira Paes aos pobres cabe o samba, aos ricos cabem demolir a natureza e lançá-los à distância, pra posteriormente culpá-los da degradação ambiental de que são vítimas.

Do racismo ambiental e da criminalização da pobreza é feita a vida das classes perigosas.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Nova Estiva e o passo à frente rumo ao abismo do progresso.



A lógica de remoções pra Copa/Olimpíadas é um retrato acabado do modus operandi que a lógica dos megaeventos traz consigo nos países que atingem como praga. Esse modus operandi ganha trágica ampliação quando associado a uma ideia de propriedade, estado e pobreza enraizada na história do país chamado Brasil.

Desde a ideia da modernização conservadora nascente e vivente de meados ao fim do século XIX, quando a lógica higienista galga paulatinamente os degraus da hegemonia do pensamento da elite brasileira e associado a isso constrói-se o conceito de classes perigosas para caracterizar negros e pobres (Pobres em geral são/eram negros), até a efetiva ação do higienismo na modalidade de lançamento de pobre à distância, já imediatamente quase a proclamação da república, a ideia da ação do poder público como um agente garantidor da propriedade privada a qualquer preço e efetivo removedor da “anti-higiênica” pobreza para o lugar mais longínquo possível torna-se praxe de nosso dia a dia.

Se no fim do século XIX e início do XX a lógica era da “purificação” sanitária do Rio de Janeiro e de nossas capitais, depois sendo substituída pela “modernização” da cidade, hoje a desculpa é “a necessidade de construir estruturas para os megaeventos”.

Desde a remoção do “cabeça de Porco” em 1892 até a remoção de hoje (18/12/2012) da comunidade Nova Estiva em Fortaleza, passamos por Pinheirinho, Campinho, Terreirão, Aldeia Maracanã, Providência e tantas outras comunidades Brasil afora que cometeram o crime de estarem na direção do trator do “Progresso”.

Vamos lembrar que o trator do “Progresso”, feitor do desenvolvimentismo desumano e genocida, também acampa e atua com veemência na região de Altamira para garantir Belo Monte, em Teles Pires e Jirau, ajuda de maneira sutil o genocídio dos Guarani-Kaiwoa pela omissão ou por associação a fazendeiros que avançam com sua fronteira agrícola baseada em agronegócio agrotóxico e assassino na base da bala.

Vamos lembrar que o trator do “Progresso” também atua de forma “quente” nos estranhos e “empreendedores” incêndios nas favelas de São Paulo e atua nas mãos dos “arqui-inimigos” Tucanos e Petistas com igual desenvoltura, assim como nas mãos e carros oficiais de aliados de ambos.

O Trator do “Progresso” avança na ferocidade dos automóveis movidos a combustíveis fósseis que nos sufoca e derrete, apoiados na falácia de sua exploração financiar uma educação magra, semimorta, estuprada pela sanha tecnocrata.

O Trator do “Progresso” passa por cima de casas hoje em Nova Estiva, Fortaleza, mata cachorros, laços de solidariedade, laços de vizinhança, parentesco, vidas, documentos, móveis. Esse trator é comandado por quem se coloca como “transformador da vida dos pobres” e baseado nisso dá carta branca a seus paus mandados (Vulgo aliados) a conduzirem uma “modernização” sem povo, ferozmente sem povo, desumanizada, capitalizada.

O progresso do trator é veloz na direção do abismo, abismo esse onde a humanidade dos que o comandam já está, e resolveu dar um passo à frente.



quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A bestializada resistência de um povo

Fruto de um golpe militar, a República sempre teve em sua fundação a lógica de ter sido feita em cima de cavalos, com os punhos de renda de uma elite política.

A ideia de um governo sem povo transitava claramente na lógica positivista que reproduzia um simulacro de platonismo na ideia de uma ala iluminada da sociedade, uma ala intelectualizada e civilizada,  como "naturalmente" líder  da massa insalubre, negra, patética, bárbara.

A esta gente cabia ser liderada e acatar as decisões daqueles que embebidos dos ares e águas da Europa, tradutores de um positivismo higienista, seriam os naturais condutores da imensa nação mulata nos rumos de uma civilização branca e culturalmente europeia.

Faltou combinar com os russos, diria Mané.

Já nos primeiros três aninhos da recém promulgada república Canudos aparece como um fantasma pra lá de complicado ante olhos republicanos que achavam que se impõe um estado de cima pra baixo assim na mão grande.

Sertanejos liderados pro Antonio Conselheiro demonstravam que negros, mulatos, cafuzos, eram um pouco mais que frágeis vítimas da barbárie, sendo inteligentes resistentes às forças do coronelato do interior da Bahia e a um exército noviço que logo de início perde um de seus maiores ídolos à época.

Canudos demonstrou com quantos paus se faz uma resistência popular até o massacre final levado a cabo com extrema violência e crueldade por um exército apavorado.  Pavor este que durou até o alagamento da região pela criação do açude de Cocorobó (E acredito que ainda dure).

De 1893 até o massacre de 1897, Canudos escreveu uma sangrenta página na história do país e do Exército Brasileiro, onde a palavra resistência não pode mais se apagada. A inspiração de Canudos fez inclusive que o Exército Brasileiro centrasse prodigiosos esforços na ocupação da região do vilarejo para evitar que a Coluna Prestes ali passasse em sua grande marcha nordeste a dentro.

A resistência e o símbolo de Canudos fazia com que o Exército temesse que Prestes e sua coluna dele se alimentassem e conquistassem fôlego extra pra seu movimento revolucionário.

Os Bestializados de 1889 na verdade nem foram tão bestializados assim (como inclusive aponta José Murilo de Carvalho, autor do livro homônimo), pois resistiam aqui na luta contra os atropelos da recente república na implantação da política higienista com especulação imobiliária de remoções de pobres com demolição de cortiços, de movimentação sutil pelo branqueamento da população, de repressão feroz das "classes perigosas" (Já aquela época feitas de gente pobre e preta) e de pancada em cima do nascente movimento operário.

Já nos primeiros anos da república essa gente pobre e preta tida como perigosa saia de suas casas pra tornar difícil a vida dos governos de uma elite platônica doida pra tornar europeu um país pobre, preto, índio e com muito mais raça do que queria a elite branca lotada nos palácios.

Resistindo às vacinas, antes mesmo da revolta, à desocupação de cortiços, à criminalização da vadiagem, do samba, da capoeira, essa bestializada malta criava as raízes de uma cultura brasileira que tem mais de "Zumbi" que de "Pai João".

Foi essa gente que em 1904 resistiu à uma vacinação compulsória que trazia consigo um amplo arco de testes com métodos de vacinação que incluía a variolização e a morte como modus operandi. Foi essa gente que quebrou meia capital resistindo à uma política que tinha resistência inclusive entre as elites e à medicina da época e que também sabia que por trás do desejo de por um fim nas doenças havia um desejo de por um fim na ocupação de áreas valorizadas do centro da nova cidade aburguesada daquela gente cuja tez não condizia com a cor preferida da Belle Epoque.

Essa gente também resistiu bravamente aos desmandos  dos governos de Paraná e Santa Catarina e de 1912 a 1916  fez na guerra do contestado um movimento de resistência de uma massa de expulsos da terra para mais uma ferrovia do onipresente Percival Farquhar, movimento que se juntou ao monge José Maria e buscou uma saída coletiva para a miséria e o desalojo.

Claro que para a república e sua federação pobre quando se junta é motivo pra tomar bala. E assim foi, mas não sem resistência. E com isso nas mãos da jovem república repousa o sangue de seu próprio povo.

E durante toda a república os Bestializados resistiram a todo um conjunto de governos que se formaram em nome de uma política de cima pra baixo, alimentada de sangue preto e pobre, reprimido nos seus terreiros, sambas, festas, greves. De Deodoro a Dilma um sem número de assassinatos de operários, índios, mulheres, camponeses mancha as mãos de uma república que bestializa seu povo não na sua alienação, mas na sua transformação pela barbárie naquele que só consome, consumido pela falta de amplos direitos.