Uma cidade que precisa de sua primavera.
Essa foi a primeira frase que pensei há dias para um texto político que desse conta de uma ideia que toma forma a cada dia mais: O Rio de Janeiro é o carro-chefe da construção de um país cuja história faz o estado brasileiro ser especialmente liberal, um marco do liberalismo não em sua face utópica, mas em sua face concreta, real, de gerente do capital para o capital e cuja população é ou alimento pra máquina de produção ou anátema,barreira, e estorvo.
A historia do Rio de Janeiro se confunde com a história do Brasil por motivos óbvios, sendo uma de suas primeiras capitais e tendo sido distrito federal até a construção de Brasília em 1961, foi no Rio de Janeiro que a face do estado como gestor do capital se fez de forma clara, principalmente em suas administrações municipais, que de Pereira Passos a Eduardo Paes pouco transformaram a opção preferencial pela ausência de pobres à vista.
Se de início com Pereira Passos foi sob a alegação da "higienização" do Rio de Janeiro, considerado inóspito para os diplomatas que vinham ao distrito federal em missão oficial e temiam aqui residir, para que as doenças como a febre-amarela se findassem, hoje é para a "modernização" da cidade para recebimento de mega-eventos que "internacionalizam" a cidade como cidade-palco perfeita. Em ambos os casos a dinâmica de administração do estado para sua população é tomá-la como coadjuvante do processo de mudanças urbanísticas e sociais em que o povo em sua maioria é apenas espectador inativo, muitas vezes de seu difícil deslocamento e da remoção de sua casa para a construção de algum empreendimento imobiliário onde ele nãos erá beneficiado.
Em sua caminhada histórica de representante maior do liberalismo enquanto aparato estatal gerente do capital, o estado Brasileiro em suas três esferas fez do Rio de Janeiro o lugar onde o presidente dizia que os problemas sociais eram problema de polícia e nomeava Pereira Passos para que erguesse uma nova cidade sobre os escombros do bota abaixo e baseada nas botas de uma polícia colocada estrategicamente em um corredor polonês que impedisse a invasão da população pobre à área de residência dos ricos (assunto do qual já tratei aqui e que também pode ser visto neste artigo de Gizlene Neder) e que hoje o mesmo estado utiliza a cidade como laboratório das políticas de benefício à empreiteiras e de beneficio duvidoso à população pobre que é removida de sua casa sob alegações de área de risco para locais longínquos e sem infra-estrutura adequada de transporte, por exemplo e muitos apresentando problemas sérios.
O Minha Casa, Minha vida não apresenta nenhuma variação digna de nota dos programas habitacionais anteriores e obedece a lógica de afastamento da população de seu local de moradia de origem.
Além disso, as UPPs acabam entrando só em sua face repressora, longe do prometido pelo poder público que insistia que haveria a ocupação social pelo estado, reeditando a opção pelo policiamento da pobreza e criação de um corredor, desta vez olímpico, de vigilância da população pobre que se por um lado se vê livre do tráfico, por outro é vigiada cotidianamente e tem sua liberdade de ir e vir, de manifestação cultural severamente reduzida pela força de ocupação do estado como se vê na proibição do funk nas áreas sob ocupação.
A população do Rio se vê assim cotidianamente e historicamente como coadjuvante na sua própria cidade, vitima de sua divisão entre as zonas habitadas pela classe mais alta, que concentra serviços e equipamentos urbanísticos e fiscalização constante da prefeitura, e as zonas habitadas pelas classe trabalhadora, onde transporte, saúde, educação, lazer são parcos, onde a fiscalização da prefeitura é ausente, onde ônibus e carros agem como querem e desejam, onde não há espaço organizado para o transito da população e onde o poder público só aparece pela via de cabos eleitorais, ou coisa pior, e onde o clientelismo é o mote da ação política.
Se na zona sul, cenário preferencial de "venda" da cidade, a limpeza urbana, o transporte público, a fiscalização da ocupação do espaço público são funcionais e rígidos, nas zonas norte e oeste a lei do mais forte é por vezes quase literal e a ação da prefeitura vai de conivente a omissa e até lixeiras nas ruas são uma honraria e uma raridade.
A própria lógica de intervenção urbana parte do princípio do embelezamento e de priorização de "melhorias" que andem lado a lado com investimentos privados no mercado imobiliário, opta-se por mega empreendimentos de construção civil e menos investimentos em transporte coletivo e público, com redução da presença de carros, opta-se sempre por benefícios ao capital antes do benefício ao cidadão e assim se constroem menos metrôs e mais "transoestes" reforçando a opção rodoviária engarrafadora, se faz mais corredores de ônibus com transporte sobre trilhos cada vez piores e mais caros.
É assim no Rio de Janeiro, mas isso é uma referência para o país e não só hoje.
A lógica de "estamos utilizando o estado para transformar a vida das pessoas" e que tem do lado anúncios de mega obras, esquece que a mudança na vida das pessoas é muito mais superficial e ligada ao consumo do que estrutural, já que as pessoas continuam morando mal, se deslocando mal nas cidades, tendo péssimo ensino (Inclusive superior nos PROUNIs e às vezes nas Universidades públicas), péssima saúde e uma segurança pública que trata o pobre, o negro, o mulato, como criminoso de per si e a ocupação do espaço público como ofensa.
É nesta conjuntura, em que regredimos nos avanços cidadãos para sermos cada vez mais reféns da mesma velha lógica de estado liberal de Rodrigues Alves a Dilma Roussef e de Pereira Passos a Eduardo Paes, e onde a primeira ideia de primavera sob foi a liderança mítica de um Lula pré-abraço em Maluf, que temos a chance de levar a cabo um movimento que contamine a política de novo com o impeto da mudança onde a frase de Brecht em que "nada deve parecer impossível de mudar" seja muito mais que um ornamento em uma bela camisa, mas que seja um refrão de mudança na prática, no cotidiano, no dia a dia, na vida, na alma, nos olhos das pessoas.
Precisamos da primavera para sair da cidade partida rumo a um repartir da cidade entre todos os seus moradores.
Precisamos desta primavera para retomar a cidade, ocupá-la de cidadania, de orçamento participativo, de opção preferencial pela vida e não pela civilização do automóvel, por uma saúde e uma educação debatida, definida, construída pelo todo da população.
Precisamos desta primavera para que até nossos adversários esqueçam da opção preferencial pelo voto a qualquer preço e retomem a defesa de bandeiras que não permitam a presença de Bolsonaro no parlamento.
Precisamos da primavera carioca, nós do Rio, vocês de São Paulo, todos nós do país todo.
É tem coisas que só podem acontecer no Rio mesmo...
ResponderExcluirPor aqui, nesta banda do mundo, sempre inverno, sempre cinza. Nossa primavera está distante, mas estamos torcendo pela primavera carioca.
Sorte e saúde pra todos!
Eu tenho a impressão que uma primavera acá levaria até o extremo sul sua primavera de volta, uma que lembre Olívio Dutra, por exemplo.
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