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segunda-feira, 26 de março de 2012

Memória de um tempo onde lutar por seu direito é um defeito que mata

Não sei falar de ditadura. Não sei racionalizar, construir um argumento com base na História, em como se construiu um estado de exceção, em como se fez a aliança entre civis e militares, com sustentação das elite e suas indústrias, para erguerem um estado que atropelou a democracia.

Não sei manter o eixo sensível separado de forma a racionalizar o uso de tortura contra cidadãos que, organizados ou não, buscavam combater um estado de exceção.

 O argumento milico de que "vivíamos em guerra contra milicias que buscavam instaurar uma ditadura comunista", repetido ad infinitum por jornalistas desonestos a soldo de sei lá quem e pelo exercito de ignorantes que os segue, chega a ser patético em se tratando de qualquer estudo histórico sério que compare a dimensão do Estado Ditatorial com o das "milícias militantes" contra quem combatiam. Se aquele exército de Brancaleone tivesse o poder de derrubar o estado apoiado pela quarta frota estadunidense então a famosa incompetência militar da república de bananas estaria justificada.

O massacre dos anos de chumbo, que exterminou uma geração inteira de lideranças, que enfraqueceu a política tupiniquim sob todos os aspectos, que impactou a educação a ponto de gerarmos mais e mais autômatos que repetem ad nauseum um discurso irrefletido da ordem acima de qualquer coisa, este massacre de valores, pessoas, país, hoje é ressuscitado pelo silêncio oficial diante da responsabilidade do Estado Brasileiro diante de suas vítimas e pelo urro arrogante e autoritário, covarde inclusive, dos responsáveis por sua execução.

Os milicos em seus pijamas; os jornalistas da Veja, Folha e suas ditabrandas; os recriminalizadores dos "terroristas de esquerda" condenados por IPMs duríssimos, sumidos , torturados; todos berram contra uma "vingança" dos que atualmente estão no poder contra os vencedores de uma "batalha" que nos "defendeu do comunismo". 

Torturaram, sumiram com corpos, mataram jornalistas, puseram bombas em shows, sumiram com operários inocentes, tentaram organizar a explosão do Gasômetro no Rio de Janeiro, impedida pelo capitão Sérgio Macaco, a tudo fizeram e foram anistiados e ainda culpam as vítimas por seus atos e por vingança.

Não sei falar da ditadura. Não sei racionalizar a respeito.  Não consigo parar de pensar em Frei Tito, em Wladimir Herzog, em Manoel Fiel filho, em tantos outros presos, torturados, perdidos, morridos.

Não consigo fazer a relação necessária entre o que foi a  ditadura e a  reação conservadora a um ajuste de contas que sanasse essa ferida no corpo da democracia que é a inimputabilidade de quem cometeu crimes e mais crimes contra os direitos humanos no poder e a escravidão. Não consigo construir um argumento coerente que una como herança da ditadura a militarização das torcidas organizadas; o uso de tortura pelas polícias militares; o treinamento de policiais para agredirem manifestantes; o racismo oficial das policias que vinculam inclusive em seus cursos de formação o negro ao bandido e todo o arcabouço de destruição de uma lógica de país que não entenda como abuso a conquista de direitos.

Só consigo ter raiva e frustração de não ver no país a punição de quem tortura, mata, torturou ou matou. Só consigo ter uma raiva feliz de ver uma juventude com menos medo do que eu que vai na casa dos pulhas assassinos de companheiros e companheiras que tinham "Uma crença num enorme coração" e de " humilhados e ofendidos, Explorados e oprimidos,Que tentaram encontrar a solução". Todos viraram "cruzes sem nomes, sem corpos, sem data".

É por estes companheiros que tento por aqui apoiar essa molecada valorosa que aprendeu com amigos e irmãos Argentinos, Chilenos, Uruguaios a ir pra rua e tornar a vidas de quem matou e  torturou, e matará e torturará, um inferno de vergonha. É por estes companheiros que tento aqui lembrar das vozes que "negaram liberdade concedida" e lembrar do tempo em que "lutar por seu direito era um defeito que mata".



Este post faz parte da Quinta Blogagem Coletiva #desarquivandoBR  que se realizará de 28 de março a 02 de abril cuja convocatória pode ser lida aqui: http://desarquivandobr.wordpress.com/2012/03/18/convocacao-da-5a-blogagem-coletiva-desarquivandobr-3/


quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A quem interessa a anistia?

A anistia aos crimes contra a humanidade cometidos durante o período da ditadura civil-militar de 1964 foi contestada pela comissão de direitos humanos da OEA e o Governo Brasileiro foi formalmente exigido a revogá-la. O prazo para sua revogação foi ignorado, o governo Brasileiro não se moveu, a Comissão Verdade mesma foi iniciada como uma farsa da qual nenhum militantes de direitos humanos, familiares de desaparecidos, quer fazer parte.

Essa junção de ocorrências é parte de um movimento de recuo do Governo atual, mas também parte de uma perda de força para pautar a sociedade dentro dos valores liberais e humanistas que foram largamente derrotados durante os anos de avanço das forças conservadores nos governos do PSDB e do PT, da vitória do ideário competitivo capitalista, fruto de anos de neo-liberalismo e de "desenvolvimentismo" onde a capacidade de consumo e produção é o mote das políticas e  não a  conquista de direitos e um desenvolvimento cujos valores sejam pautados no mais puro humanismo, com ganho de direitos humanos, respeito ao meio ambiente, resolução de demandas do país com relação a seu passado,etc.

Neste contexto a anistia é um ganho imenso às "forças Ocultas" que escondiam seus rostos nas fotos de julgamentos de presos políticos durante o período negro da ditadura civil-militar. A anistia mantém ocultos  os rostos de quem torturou, omitiu, assassinou e oprimiu nãos ó militantes de esquerda, mas pessoas comuns que por algum motivo caiam nas garras de um estado de exceção.

As "forças ocultas" ainda se valem da falácia que com o fim da anistia os "terroristas" também devem ser julgados, esquecendo oportunisticamente que os "terroristas" já o foram pela justiça de exceção que também ocultava seu rosto, pela justiça de excessão que escondia a cara ao julgar militantes armados ou não e que condenava gente à morte, à tortura, ao desaparecimento.

Por isso o #Cumpra-se é mais que necessário, não só para que seja feita a justiça e essa página de nossa história seja virada, com a revelação do que é feito nas ditaduras, mas para enfrentar uma retomada paulatina de terreno pelas "forças ocultas" que vem ocorrendo  com ampliação de declarações, leis, atos que vão do racismo à misoginia, do Fascismo à homofobia e que são sustentados pelos ideólogos da conciliação sob as botas da reação.

É preciso enfrentar o passado pra solidificar um movimento de ruptura contra a marcha do conservadorismo, que se sustenta na mentira de que a ditadura foi erguida para evitar o avanço de um comunismo que qual um "bicho-papão" só existia para justificar atrocidades.

Precisamos punir criminosos, encontrar nossos desaparecidos, abrir os arquivos e pra isso é preciso que a determinação da OEA seja cumprida.