segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Admirável ano novo

Depois de mais uma temporada de músicas natalinas, covers de John Lennon e Simone cantando "Então é natal!", finalmente chega 2012 que aos trancos, barrancos e muita chuva se inaugura com a mesma velha esperança quase tão clichê quanto a própria passagem do tempo e seu aviso da inexorável mortalidade.

Confesso que me incomodam os desejos de paz, prosperidade, saúde e outras demonstração de "humanidade bondosa" explícita, nem tanto pelo "teor" dos desejos, mas pelo que ocultam.

A "ditadura da felicidade" e do "bom mocismo" mal escondem o competitivo mundo do qual se originam, mal escondem a "obrigatoridade" da sanção social à felicidade, saúde, paz e outros penduricalhos  que os "bons moços" TEM de trazer em seu pescoço sarado.

Somos obrigados a desejar o melhor, a ter boa postura, a sermos aceitos, a rirmos, a andarmos por ai cheios de uma paz falsificada, de plástico, plenos de desejo do "melhor ao outros", mas um "melhor" que não se furta a rosnar quando o coletivo é posto acima do individual.

Do lado do "Boas Festas" encontramos e-mails que chamam nosso povo de "apático", e louva protestos londrinos e gregos, que por serem longe não "atrapalham o trânsito" e não são feitos por "vagabundos" como os do MST, MAB, Sem teto,etc.

Na Europa ou EUA os ocupadores de praças e prédios vazios são "heróis", os daqui são "monstros", criminosos. Essa atitude é prima-irmã do "Não tenho nada contras homossexuais, mas tenho nojo, tenho até amigos gays", se substituir "gay" por "preto" serve também.

"Então é natal e ano novo também", o que não significa que o tal "espírito natalino" demore muito a ser substituído por espíritos de porco.

A paz dos desejos então se transforma num desejo continuo de uma "paz de condomínio", uma "paz de playstation", que é apenas o que a música do com Rappa diz: Não é paz, é medo!

A "paz de condomínio" e a "prosperidade" podem ser traduzidas como "Não morra assaltado" e "ganhe dinheiro pra caramba", o que, convenhamos, é apenas um desejo apavorado de que a existência vire um dia algo parecido com um mundo onírico e polianesco, irreal,  o contrário do qual todos tem um profundo medo.

A vida de "plástico" é mãe dos corpos de plástico, do cotidiano de plástico, da realidade competitiva de uma juventude eterna, de uma beleza falsa, de uma "sensibilidade" artística que não faz questão de esconder que quer se parecer com uma erudição de revista Caras, cujo corte crítico é facilmente resumível em "Se é branco, é bom" ou "Se a elite aceita, então é arte".

 Então é 2012, mais um ano, mais um ciclo, mais um dia, que como todos é admirável por ser em si concreto, real, palpável, mutável. Mais um ano e mais uma temporada de uma legítima festividade, especialmente pros que não são de plástico, a comemorar um novo inicio do cotidiano. Muitos apenas pedem para que nada mude ou que algo mágico aconteça, outros pedem apenas pra não mais sofrerem. 

Prefiro pedir que o riso continue vivo e presente, sem desprezar a dor  sua importância. Vamos acordar pra uma nova semana de vida, trabalho, realidade,amor e  horror. 

Então é 2012, mais um admirável ano novo que contém pessoas assim.


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