terça-feira, 29 de maio de 2012

A esquerda odeia futebol

A esquerda não joga bola.

Sim, a esquerda odeia futebol. Ela o declara diariamente, ela diz todo dia, toda hora: , "é o 'ópio do povo'". Ela o culpa pelo estádio ser construído de forma sacana pelos governos e entregue à iniciativa privada depois. É clara a culpa, é do Futebol. O futebol, quando aceito, tem de ser o Futebol "antigo" e não o "moderno", ignorando que o futebol é moderno por excelência, como a arte moderna, como o rock ou a coca-cola. 

O Futebol, senhores, é filho dileto do capitalismo. Não tem choro nem vela, negada! A bola é da modernidade! O futebol é peão de fábrica!

Quando Marx escrevia o velho "Das Capital", boleiros ingleses e Alemães batiam sua pelada antes de irem pro sindicato, se bobear com o velho Karl bizoiando.

O negócio é que para a esquerda o espantalho simplista é uma necessidade. Pra que lidar com o fato do proletário ir com fome ver o Mengão, o Flusão, o Timão, o Porco ou o Bambi batendo sua bola nas tardes de domingo, explicar o fato, lê-lo como parte da vida, lê-lo como alimento da alma de comunistas e fascistas, de homofóbicos, machistas, feministas e libertários? 

Pra que pensar nele como um elemento de mais que lazer, mas de adaptação de diversos fatores culturais e de diversas culturas diferentes? 

Pra que pensar no futebol como um fenômeno que consegue agrupar Turcos que fazem lembrar rivalidades da idade média entre torcidas de corrida de biga; Brasileiros que parecem fazer um mix de rituais antropofágicos indígena com procissão religiosa portuguesa e pitadas de capoeira, samba, tarantela, quibe e cachaça; Alemães, Italianos, Ingleses, Angolanos, Egípcios, Sauditas, Iraquianos, Chineses, Japoneses?

Pra que fazer isso se posso reduzir o futebol ou ao "ópio do povo" ou a um fruto proibido da árvore da vida da pureza popular roubado por mãos capitalistas esfaimadas?


E ai é que está.. A esquerda não sabe ir além do esquemático, da equação mais simplista baseada de forma longínqua no marxismo mais reles. E ai pega o Futebol, que leva mais gente no estádio do que a esquerda consegue convencer a ir na assembléia e o elege como vilão. Fez isso com o Samba e faz com o Funk também. 

O Futebol tem uma longa família de "ópios do povo" a ele irmanados no preconceito e na estranha sensação de que no fundo a esquerda tem medo do povo, de entender o povo para fora do manual prático do leninista fornecido no PC mais próximo, emulado pelos trotkistas e às vezes por anarquistas que constroem suas ilhas de autonomia, suas ilhas da fantasia externa ao mundo real que domingo vai no maracanã.

O Futebol, o Funk,  e por vezes o Samba, são ofensas a uma Esquerda criada, gerada, alimentada pela ideia de que "é preciso evoluir" , é preciso sair da "ignorância da pobreza". São ofensas porque esta esquerda busca que o "novo homem" seja uma imagem e semelhança de sua visão, de sua educação, de  seu modus operandi. 

O "novo homem" da esquerda é o velho pequeno burguês janota que ouve Chico Buarque e tem nojod e Michel Teló... Enquanto isso o povo...

A esquerda não joga bola, a esquerda não ouve funk, a esquerda às vezes não gosta de samba, talvez seja doente do pé ou ruim da cabeça.

O papel do futebol no dia a dia das pessoas, que utilizam-no inclusive para enfileirar metáforas utilizando seus termos, como "embolou o meio de campo" ou "não vou ficar no zero a zero", é solenemente ignorada por uma esquerda que se coloca como defensora do povo, e como quem luta por interesses "populares", mas de que povo estamos falando?

A esquerda não leninista diz que luta contra um "futebol Moderno" que "rouba a essência do futebol", mas como ela trabalha com o fato de toda a construção do Futebol no Brasil, por exemplo, ter sido feita em seu germe da mesma elite que levou seu ethos às torcidas que até hoje repetem mantras emitidos pela nata da sociedade que fundou Fluminense, Corinthians, Palmeiras, Flamengo? Como se funda um novo futebol "lúdico" em um mundo capitalista sem notar que o futebol é tão filho dele quanto a linha de montagem? E que "essência do futebol" é essa? Tem fadinha sininho?

O que faz o futebol ser esse fenômeno? Quem o compartilha? Como se dá o torcer? Como se dá a filiação a um time? Por que ele é popular? A Esquerda se pergunta isso ou prefere criar fábulas, contos da carochinha ditas seriamente, com a sisudez bolchevique que transforma piadas em atos solenes, e a pasmaceira do monólito vivo de 1917 em uma pedra fundamental de papelão, cenográfica? Aposto na segunda pergunta.

Ignorar que o futebol é popular, tem raízes profundas nas diversas nações. culturas e populações é miopia grave, especialmente para quem se reivindica marxista e alinhado a uma avaliação do concreto que lida com o real de forma dialética e nunca construtora de monólitos teóricos imutáveis.

Falar em nome de um povo que ama futebol sem sabê-lo e torná-lo um opiáceo pra esse povo é só burrice mesmo.

A esquerda não usa óculos.








2 comentários:

  1. Sou corinthiano, trotskysta, sofredor. Minha compania no Pacaembu são os compas do Partido. Tem um de outro partido também - e por isso eu gosto muito mais dele! Um militante nosso organiza bolão do Brasileiro pra arrecadar dinheiro pra Internacional. Tem um que se a camiseta do Partido tá molhada, a do São Paulo é a próxima da lista, sempre. Depois da reunião, discutimos à cerveja qual Organizada vai ser o embrião da milícia popular revolucionária mais de luta. No meu último emprego [assalariado] eu mexia com história do futebol. Daquele "tempo áureo" em que ele era coisa de vagabundo, em que campo era areião, em que se o clube desse almoço tava bom, em que largar na fábrica cedo era preciso.

    Enfim, procura uma outra esquerda aí, que essa sua não merece o nome.

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  2. Velho, essa minha não é nem rara e nem minha... com todo o respeito a maioria da esquerda do Rio e SP é o inverso do que descreveste, tu é privilegiado.

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