terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Nova Estiva e o passo à frente rumo ao abismo do progresso.



A lógica de remoções pra Copa/Olimpíadas é um retrato acabado do modus operandi que a lógica dos megaeventos traz consigo nos países que atingem como praga. Esse modus operandi ganha trágica ampliação quando associado a uma ideia de propriedade, estado e pobreza enraizada na história do país chamado Brasil.

Desde a ideia da modernização conservadora nascente e vivente de meados ao fim do século XIX, quando a lógica higienista galga paulatinamente os degraus da hegemonia do pensamento da elite brasileira e associado a isso constrói-se o conceito de classes perigosas para caracterizar negros e pobres (Pobres em geral são/eram negros), até a efetiva ação do higienismo na modalidade de lançamento de pobre à distância, já imediatamente quase a proclamação da república, a ideia da ação do poder público como um agente garantidor da propriedade privada a qualquer preço e efetivo removedor da “anti-higiênica” pobreza para o lugar mais longínquo possível torna-se praxe de nosso dia a dia.

Se no fim do século XIX e início do XX a lógica era da “purificação” sanitária do Rio de Janeiro e de nossas capitais, depois sendo substituída pela “modernização” da cidade, hoje a desculpa é “a necessidade de construir estruturas para os megaeventos”.

Desde a remoção do “cabeça de Porco” em 1892 até a remoção de hoje (18/12/2012) da comunidade Nova Estiva em Fortaleza, passamos por Pinheirinho, Campinho, Terreirão, Aldeia Maracanã, Providência e tantas outras comunidades Brasil afora que cometeram o crime de estarem na direção do trator do “Progresso”.

Vamos lembrar que o trator do “Progresso”, feitor do desenvolvimentismo desumano e genocida, também acampa e atua com veemência na região de Altamira para garantir Belo Monte, em Teles Pires e Jirau, ajuda de maneira sutil o genocídio dos Guarani-Kaiwoa pela omissão ou por associação a fazendeiros que avançam com sua fronteira agrícola baseada em agronegócio agrotóxico e assassino na base da bala.

Vamos lembrar que o trator do “Progresso” também atua de forma “quente” nos estranhos e “empreendedores” incêndios nas favelas de São Paulo e atua nas mãos dos “arqui-inimigos” Tucanos e Petistas com igual desenvoltura, assim como nas mãos e carros oficiais de aliados de ambos.

O Trator do “Progresso” avança na ferocidade dos automóveis movidos a combustíveis fósseis que nos sufoca e derrete, apoiados na falácia de sua exploração financiar uma educação magra, semimorta, estuprada pela sanha tecnocrata.

O Trator do “Progresso” passa por cima de casas hoje em Nova Estiva, Fortaleza, mata cachorros, laços de solidariedade, laços de vizinhança, parentesco, vidas, documentos, móveis. Esse trator é comandado por quem se coloca como “transformador da vida dos pobres” e baseado nisso dá carta branca a seus paus mandados (Vulgo aliados) a conduzirem uma “modernização” sem povo, ferozmente sem povo, desumanizada, capitalizada.

O progresso do trator é veloz na direção do abismo, abismo esse onde a humanidade dos que o comandam já está, e resolveu dar um passo à frente.



sábado, 15 de dezembro de 2012

A felicidade do negro ainda é uma felicidade guerreira

Um dos meus diletos temas é a escravidão e a "desreificação" do negro. 

Não apenas por uma questão teórica incômoda que era a lógica do negro ser um tipo específico de animal, único, raro, quase um unicórnio legendário, por oscilar de forma bipolar entre o guerreiro zumbi e o manso pai João. Também por um incômodo presente na constância do entendimento crítico tanto de algumas alas da História quanto do Marxismo vulgar de entender o analisado, seja o povo ou o negro, seja a economia ou a música, como um ente desenraizado do cotidiano, algo que pode ser retirado do dia a dia, colocado numa espécie de mesa de laboratório e esquartejado numa síntese científica que ignora solenemente o tal concreto tão claro ao velho barbudo.

A leitura e o estudo de alguns historiadores brasileiros (Chalhoub e João José Reis em especial) trouxeram um profundo alento a este que vos atormenta com a má escrita, dado que humanizaram novamente a miríade de universos que é o "povo preto", categoria esta inclusive incapaz de denominar o quão é complexo entender a totalidade do que é o negro em terras brasilis, sem falar no negro como um todo.

Quando o negro nos livros deixa de ser "O Escravo" e começa a se chamar Bonifácio, algo de brilhante e agradável ao homem, ao humanista, surge no horizonte. Quando o negro volta a ser humano perde o sutil teor europeizante reducionista, mesmo que inadvertido, que lhe vestiam explicações como a de Fernando Henrique  e Gorender que o colocavam como uma espécie de mula que ao ser provocada em excesso virava Ogum.

À questão teórica se juntava o emblemático envolvimento deste que vos fala na percepção como suas das belezas das religiões afro-originárias e sua complexidade de explicação de um real que não cabia na "coisificação" dos criadores de um panteão tão rico quanto crescente, mutável, flexível, negociante, guerreiro, submisso, matreiro.

Este "povo preto" vivo em Orixás e danças, em Sambas, Maracatus, Funks, não cabia na lógica de submetê-lo a uma camisa de força que o aprisionava em uma submissão só entendida pelas formatações rígidas de um marxismo que vinha da Europa sem aclimatar-se aos dias tropicais da complexa realidade local.

O valor  da teoria que reificava o "povo preto" é inegável diante do contexto de pioneirismo de uma leitura que não se tornava uma defensora enrustida da escravidão como um "mal necessário" para a  construção do Brasil Grande e cujos reflexos tinham sido resolvidos pela "Democracia Racial", porém sua continuidade mantendo o negro em uma posição subalterna e incapaz da miríade de resistências que construiu uma abolição nada doada pela barba branca do Imperador é também uma redução do negro a um papel secundário de sua própria história, o que nem de longe encontra sustentabilidade em documentos.

No ínterim dos meandros da história o entendimento do negro em sua complexidade que ia além do Escravo e passava a se chamar Bonifácio também não nasce da iluminação da razão, mas através do entendimento imposto pelas lutas dos próprios negros no decorrer da história, colocando-se não como vítimas indefesas da crueldade branca, mas como resistentes, como guerreiros dos mais diversos planos e modos rumo à conquista de sua liberdade.

A liberdade ainda não veio como devia, a liberdade ainda não chegou e os feitores mudaram de roupa, tornaram-se Estado e são hoje os genocidas de jovens pretos nas grandes cidades Brasileiras, no entanto o povo preto continua em sua resistência aguerrida a resistir inclusive à sua categorização como "povo burro', incapaz de "saber votar", de "saber falar", de "se representar", a resistir à tentativa de roubá-lo de sua casa, de sua comunidade, de sua educação,d e seu trabalho. 

A resistência continua, porque a felicidade do negro ainda é uma felicidade guerreira

domingo, 2 de dezembro de 2012

Da vanguarda no ensaio sobre a cegueira

A vanguarda quer dirigir e para tal convence-se que forma quadros.

À vanguarda cabe ao menos a ilusão de que o todo é composto de uma inteligível realidade facilmente reduzida a um modelo explicativo imutável e à ela também cabe a direção de um povo. 

Povo é uma categoria cuja explicação precisa do que é demanda tempo para que o amontoado de simplificações seja compreensível como uma tese. Povo é uma espécie de amálgama do outro simbolizado por um espantalho simplório que por sua vez pouco reflete algo além do nada.

À vanguarda cabe os líderes que por sua vez tem em si o carisma e a capacidade também imutável da infalibilidade e da antevisão quase profética do todo; O todo é aquele mesmo real que tem de ser inteligível e simplificado em sua também imutabilidade para uma explicação que coordene-se como uma tese clara e uma ação convincente.

O líder e a vanguarda não mudam, não erram, não cegam, agem com correção, mesmo que sua ação traga o DEM para uma aliança em um estado longínquo ou uma liderança condenada por todo um imenso grupo da sociedade que apoia o partido ao qual pertence esta vanguarda ganhe o espaço deste partido para defender-se de acusações que, pasmem, são feitas pelo partido que cede o espaço.

O líder e a vanguarda sabem o que fazem, mesmo quando apresentam em um programa eleitoral o ministro da educação que seu partido combateu por meses em uma das mais longas greves do funcionalismo público da educação federal. 

O estatuto da pureza revolucionária da vanguarda dá às suas lideranças o estatuto da pureza atávica, mesmo que assassinem programas, rasguem resoluções, estuprem movimentos. O estatuto da pureza revolucionária marca-se pela necessidade de criação de "musculatura" partidária, e pelo jeito esta deve se construir mesmo que usando anabolizantes.

Com as lideranças ungidas da pureza atávica que merecem mais que votos de confiança, mas verdadeiros cheques em branco que saem de contas mais amplas do que a composição da vanguarda dá conta, a vanguarda torna-se um bloco sensacional de explicação do todo como uma espécie de mantra metafísico que embute mais que filosofia política, mas verdadeiras revelações do real como uma espécie de shangri-lá, um mundo novo cujas leis da física podem ser alteradas pelo verbo.

À Vanguarda sabe a revolução, mas esta deve seguir as leis imutáveis do mecanicismo historicizante, nada de mudanças de paradigmas explicativos e percepção de que o planeta não gira seu tempo de forma linear e que a licença poética da repetição como farsa não cabe como explicação em um mundo que deve pensar para além do manual.

À Vanguarda cabe o papel principal do filme da política cotidiana, pena que este se assemelhe ao "Ensaio sobre a cegueira".

sábado, 1 de dezembro de 2012

Militância, academia, teoria e prática.


Qual o papel da história na militância? Qual o papel da academia? Essa pergunta sempre rondou a cabeça do escriba, inicialmente trocando História por Ciências Sociais nos idos dos anos 90 quando a pergunta rondava a respeito destas, se eram ou não úteis pra transformação do mundo, para a revolução. 

Hoje a pergunta continua, mesmo que com viés diferente, a respeito da História.

A resposta é a mesma de anos atrás: Muita.

As ciências como um todo possuem um aspecto fundamental no processo politico, obedecendo inclusive à determinações relacionadas ao viés do autor, da instituição para a qual produz, ao tipo de trabalho,etc. A História, assim como as Ciências Sociais, não está imune a isto e pode pender
à esquerda e à direita de acordo com a vontade, a situação de classe, à cultura construída e transformada do indivíduo em sua trajetória de vida.

A questão é que o papel das ciências e em especial onde atuo, na História, não é um papel exatamente direto, no sentido de sua produção servir diretamente ao papel revolucionário. O resultado pode sim servir ao ator revolucionário, mas o ato da produção deve antes servir à revelação do que esta oculto nos vestígios do passado recolhidos pelo historiador em sua trajetória.

Não se está pregando uma neutralidade, dado inclusive que a escolha do objeto de estudo já obedece a critérios ideológicos claros ou não para o autor, mas se colocando que a produção não pode ser levada a cabo com o objetivo de provar algo que não está colocado pela fonte, pelo fato, pelo objeto, embora seu resultado seja objetivamente um fator importante de desvendamento do concreto, o que em última análise permite ao ator político, o revolucionário, construir uma trajetória tática a partir do desvendado.

A questão é esta: O ator revolucionário, o militante, obedece a questões e a um papel que o Historiador deve evitar quando da produção da análise sobre o objeto. A ação da ciência, embora jamais neutra, deve-se ater ao critério e ao mais alto rigor científico, que pode por vezes contrariar a percepção imediata militante que movida a questões subjetivas relacionadas a objetivos políticos tende a distanciar-se do rigor exigido pelo mundo acadêmico.

Ambos observando o mesmo objeto tendem a perceber variações diferentes. Ao militante é permitido que tire conclusões não definidas pelo objeto de estudo, ao historiador não. Uma mesma pessoa em momentos diferentes pode executar os dois papéis.

O Historiador que observa a vida dos homens e mulheres negros residentes na cidade do Rio de Janeiro no fim do século XIX, entre o fim da escravidão e os anos posteriores à abolição deve buscar analisar com extremo rigor a vida destas pessoas através da análise documental, assim talvez entenda melhor seu cotidiano e a influencia de sua vida e da cultura ali criada nas gerações posteriores.

Ao Historiador não é permitido afirmar peremptoriamente que a vida destes negros é fundadora da cultura cotidiana do carioca, já ao militante esta dedução não é negada e nem o entendimento de uma base negra na cultura do carioca de origem popular, a ele não é exigido uma prova ampla de sua afirmação.

Não que seja permitida ao militante a desonestidade intelectual e factual, mas a ele são permitidas licenças políticas que o eximem de uma prova ampla, rígida, cientificamente embasada que são exigência profissional do cientista.

O cientista que também é militante tem de entender que suas impressões não rigorosamente científicas não devem passear pelo perigoso terreno da academia, e nem ao inverso suas impressões políticas devem ter a liberdade tão ampla que contradiga sua produção científica.

Talvez a chave que construa uma explicação realista desta contradição de papéis seja o fato de que ao cientista o elemento “ação” não seja exigido e que talvez por este motivo o militante, levado à ação por vezes com as construções teóricas “à mão”, disponíveis, não possa aguardar a definição científica, que exige naturalmente uma demora maior.

O problema de um é a necessidade de um rigor que atrasa por vezes o movimento e a ação, e o de outro é o possível e provável açodamento, que por vezes produz rachas, erros enormes, e rompimentos inegáveis.

Talvez sem a academia a construção de uma ação militante completa seja impossível e talvez sem a militância caiba ao acadêmico a estagnação, inerte na ausência da percepção do ver científico como também alimento da ação militante, dado que ao revelar o real produz o desenho do caminho que a ação política precisa para transformar este mesmo real.

sábado, 24 de novembro de 2012

Nota do Setorial Nacional Ecossocialista Paulo Piramba do PSOL, a respeito das eleições 2012

O crescimento do PSOL em 2012 foi inegável, apresentando-se com campanhas com uma postura à esquerda, efetuando um contraponto às milionárias campanhas patrocinadas pelo PT e seus aliados nas capitais, assim como as da direita tradicional.

Ao apostar na mobilização da sociedade e no diálogo constante com os movimentos sociais, na defesa da contribuição cidadã para as campanhas, na força do voluntariado militante, o PSOL alcançou um status que o destaca como nova referência da esquerda nacional, ensaiando ir além da sua sugestão como partido necessário e ocupando um lugar que buscava desde sua fundação: alternativa de esquerda à capitulação lulista patrocinada pela guinada direitista do Partido dos Trabalhadores e sua política “pragmática”.

Ao obter 2,39 milhões de votos para candidatos a prefeito no primeiro turno, superando partidos historicamente mais inseridos na institucionalidade, mergulhados na ordem e com ela compactuando, como PV e PCdoB, o PSOL também ocupou em capitais importantes como Rio de Janeiro, Salvador e Fortaleza o espaço deixado pelo PT junto à sociedade e movimentos sociais.

Ao bradar que “Nada deve parecer impossível de mudar”, qualificou-se como uma oposição que resgata a dimensão da utopia, o discurso ecossocialista, as demandas do movimento feminista, do movimento negro e LGBT, abandonadas por um Partido dos Trabalhadores mais interessado em ampliar sua imensa musculatura eleitoral ao custo da bandeira histórica da esquerda mais próxima de ser rasgada. Politicamente mais respeitado e com sua bancada de vereadores/as enormemente ampliada, o PSOL elegeu seu primeiro prefeito no primeiro turno e foi ao segundo turno em duas capitais.

Estas conquistas foram levadas a cabo por uma profunda ação militante e por um discurso que se diferenciou dos partidos tradicionais, dos partidos da ordem, em uma conjuntura mais favorável que a de 2008, onde ainda recém-fundado, enfrentava um quadro onde a experiência da população com o PT ainda não havia deixado clara a mudança operada naquele partido que se filiou ao vasto ‘clube dos partidos da ordem’.

Com campanhas feitas à esquerda, o PSOL atraiu a população, especialmente a juventude, abrindo boas possibilidades de construção do partido com mais capilaridade que permitiu ampliar a defesa de um projeto de socialismo com liberdade, democracia e com absorção das lutas abandonadas por parte da esquerda e cuja importância era negada diante de um projeto de transformação que só enxergava as questões macro, que só enxergava o desenvolvimento econômico a qualquer custo, ignorando totalmente a dimensão ambiental e a de direitos humanos.

Abrem-se novas possibilidades de construção, o crescimento do partido também exige novas posturas diante da própria consciência critica da população que espera nos ver como alternativa precisa e não simulacros modernizados do que já ai está.

Diante desta responsabilidade, o que se fez no Amapá e em Belém, guardadas as diferenças entre as ações, se torna uma agressão não só às decisões partidárias construídas coletivamente como também às ações cotidianas de nossos militantes inseridos nas lutas e nos movimentos sociais. Estes tiveram o seu discurso e toda a diferença que demarcaram no decorrer de muitos anos jogadas na lama por atitudes irresponsáveis de parte da direção partidária e de figuras públicas como Randolfe, Clécio e Edmilson.

Já anteriormente advertidos pelo Diretório Nacional do PSOL em 2010, por alianças não condizentes com as definidas coletivamente pelo PSOL, Randolfe e a direção do PSOL-AP repetem em 2012 a postura de ignorar decisões do coletivo do partido ao, já no primeiro turno, apoiar, na figura do senador Randolfe Rodrigues, candidatos de partidos com os quais o DN-PSOL havia expressamente proibido alianças.

O Ato político público pelo qual foram feitas as alianças com DEM, PTB e PSDB no segundo turno da eleição em Macapá, torna mais grave a prática, inclusive pela reincidência, evidenciando o modus operandi levado a cabo em Macapá, expondo o partido como um todo não só a ataques de adversários, como provocando o afastamento da parte da sociedade que se aproximou do PSOL por nossas posturas de diferenciação, setores estes e que agora se vêem em dúvida diante de posturas que lembram a lógica do PT em sua célere caminhada para a tucanização.

A postura dúbia de Clécio e Randolfe Rodrigues ao afirmar para o partido uma coisa e outra para a imprensa, só agrava a postura levada a cabo em Macapá. Além disso, a postura dúbia contém também ataques a quem no partido se recusa a ter com uma explicação inverossímil uma relação de bovina passividade.

A preocupação menos em explicar a dúbia postura diante do gravíssimo ato público aliado ao DEM, e mais em demarcar uma posição agressiva de culpabilização de quem resiste a uma práxis por demais similar à capitulação petista e ao abandono de bandeiras histórias da esquerda, que nos opõe a partidos como DEM et caterva, guarda uma similaridade na desqualificação que a direita costuma mirar por sobre os socialistas, sendo sempre chamados de “incapazes de compreender” atos de profundo esbulho e que possuem o desagradável odor de traição, nas lutas cotidianas.

A gravidade cometida em Belém, embora tenha outras tonalidades, também guarda em si um enorme problema cuja similaridade aos malfeitos de Macapá está na lógica do ganho eleitoral ao custo de toda e qualquer limitação exposta por uma construção socialista capilar do partido como oposição à esquerda do Governo Lula/Dilma.

Além da gravidade de negociar no segundo turno mais do que o apoio do PT ao candidato Edmilson Rodrigues, mas também o apoio do PSOL em Belém ao governo Lula/Dilma, com gravação de apoio do próprio Lula, da presidente Dilma e dos Ministros Mercadante e Marta Suplicy, a campanha para prefeito o fez em desacordo com a direção municipal, levando não só constrangimento a todo do partido, empenhado em lutar contra o governo em várias frentes, principalmente em 2012 na longa greve do funcionalismo das instituições federais de ensino superior, mas, sobretudo, também levou a uma divisão entre seus quadros, que poderá resultar em efeitos nefastos para o partido no Pará.

Além de confundir fronteiras entre ‘receber o apoio do PT’ em um quadro eleitoral polarizado, com ‘construir a defesa de um governo que opõe nossa postura partidária em construir uma esquerda socialista conseqüente e alternativa a linha social-liberal do PT’, subordinada aos interesses da grande burguesia brasileira e internacional, a campanha de Edmilson Rodrigues tornou-se de fato, seu representante, um braço político da linha social liberal ao ter em seu programa Lula, Dilma e Aloísio Mercadante louvando seu governo, promovendo um escárnio simbólico da campanha majoritária em Belém para com lutadores e lutadoras que resistiram à nefasta política educacional do governo federal, sendo tratados como vagabundos pelo governo ao qual a campanha se vinculava, ao passo que deveria ser firme oposição a ele.

A campanha Edmilson ao transformar um natural, nas circunstâncias, apoio do PT, em venda do apoio do PSOL, aos governos do PT, também errou ao adotar o discurso combatido pelo partido país afora, que colocava quem se aproximava do governo federal como possuidor de “facilidades” em investimentos, discurso este combatido no Rio de Janeiro, em Fortaleza e Salvador, não só por ser este um discurso despolitizado e falacioso, similar ao coronelismo dos aliados ao governo federal, como também simbolizar a total subserviência a mecanismos viciados de governo.

Tão grave quanto os fato relatados acima, foi a postura do presidente do Partido ao optar por uma explicação dos graves feitos em Macapá e Belém de forma insuficiente, como também foram os ataques que fez a quem discordava, como “expositores do partido”, ao fazer uso de sua figura partidária para atacar a campanha em São Paulo como uma espécie de vingança pessoal por ter sido preterido pelo coletivo municipal.


O presidente do partido agiu como ‘chefe de tendência’ e não como quem tem responsabilidade política, administrativa e orgânica de zelador das resoluções partidárias. Ao tomar parte como integrante da ala defensora das práticas levadas a cabo em Belém e Macapá, atos estes praticados por membros de sua corrente, Ivan Valente foi conivente com estas ações e cometeu uma irresponsabilidade que não condiz como cargo que ocupa. Ou seja, ao não agir como presidente e sim como membro e chefe da corrente a qual também pertencem Clécio e Randolfe Rodrigues, Ivan Valente deslegitimou-se como presidente do PSOL, pois não mais tem legitimidade política para mediar as relações no conjunto do partido.

Diante do exposto, o Setorial Nacional Ecossocialista Paulo Piramba do PSOL se vê na necessidade de emitir uma moção de repúdio às campanhas de Macapá e Belém que, mesmo em Macapá onde foi eleitoralmente vitoriosa, expuseram negativamente o partido perante a sociedade, construíram meios de ataque de nossos adversários onde vencemos politicamente (em cenários muito mais duros), afastaram conquistas feitas na base e atacaram lutas construídas coletivamente por sindicalistas, ecologistas e estudantes, juventude e a sociedade que busca uma alternativa à herança maldita que o PT legou à esquerda. Esta ‘herança maldita’, por sua vez, pareceu ser muito similar àquela vendida como ‘panacéia’ pela direção, em conluio com Randolfe Rodrigues e Clécio em Macapá, e com o desastre cometido por Edmilson em sua campanha em Belém.

Por último, o Setorial Nacional Ecossocialista Paulo Piramba do PSOL solicita a constituição de uma Comissão de Ética, tratando dos atos de todos os que desrespeitaram as resoluções partidárias, ultrapassaram as fronteiras éticas e limites definidos por diversas instâncias partidárias, a exemplo da ação de Randolfe Rodrigues, colocando-se em confronto aberto ao que decidiu o diretório de Rio Branco no Acre, quando apoiou um candidato petista no segundo turno naquela capital e atropelou decisões de instâncias do partido em vários níveis.



PS: Esta nota teve como base a nota votada por sete membros da Executiva Nacional do PSOL na reunião realizada no dia 08/11/2012.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

PSOL E SEU ARCO CINZENTO DE ALIANÇAS: NÃO PASSARÃO!

Nota do Setorial LGBT do PSOL sobre as alianças eleitorais do partido em 2012 aprovada na reunião do setorial realizada no X Encontro Nacional Universitário da Diversidade Sexual (ENUDS):

PSOL E SEU ARCO CINZENTO DE ALIANÇAS: NÃO PASSARÃO!

Das últimas eleições sai vitorioso um PSOL construído nas lutas, no diálogo com diversos movimentos sociais e amplos setores da sociedade. Um partido socialista, militante, com um projeto político de esquerda capaz de aglutinar as reivindicações e as lutas da classe trabalhadora explorada, das populações tradicionais, mulheres, negros, LGBTT e pessoas com necessidades especiais de todo o Brasil. Foi assim que o PSOL obteve este ano cerca de 2,39 milhões de votos para candidatos a prefeito só no primeiro turno, elegeu 49 vereadores e foi ao segundo turno em duas capitais. Tudo isso fortaleceu o partido como o mais sólido agrupamento de oposição ao governo Lula/Dilma e à direita conservadora “tradicional” representada principalmente pelo campo DEM/PSDB.

Por outro lado, quando analisamos o perfil e o arco de alianças estabelecidas em certas candidaturas do PSOL, constatamos que coexistem internamente projetos distintos no que se refere à construção de um partido de esquerda socialista. Basta observar que muitas candidaturas do partido, mesmo aquelas que não eram LGBT, foram firmes em relação à pauta da diversidade sexual e não se renderam a lógica conservadora e pragmática na busca de votos. Estas candidaturas reafirmaram o compromisso do PSOL com a luta contra as opressões, pela laicidade do Estado e no combate ao conservadorismo e ao fundamentalismo religioso que atacam a população LGBT e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Dentre essas candidaturas, destaque para o primeiro candidato a prefeito assumidamente homossexual do Brasil, o professor Renan Palmeira, do PSOL João Pessoa, cuja coragem e coerência política reafirmam o espaço das LGBT no cenário político nacional.

No entanto, muitas alianças construídas ainda no primeiro turno colocaram o PSOL lado a lado com legendas conservadoras. Foi o caso da coligação Unidade Popular em Macapá, da qual fazia parte o Partido Trabalhista Cristão (PTC) e o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), este último, integrante da bancada religiosa do Congresso Nacional. Para piorar, no segundo turno, a coligação encabeçada pelo candidato Clécio Luís aceitou o apoio do reacionário e racista DEM, em uma enorme demonstração de falta de respeito às resoluções congressuais do partido e sem que nenhuma instância de direção nacional tomasse uma iniciativa para impedir tal afronta.

Também é preocupante a aliança com o PT e o apoio da alta cúpula petista à candidatura majoritária do PSOL em Belém. Essa situação custou caro a toda militância do PSOL, em especial às militantes LGBT, que há dez anos enfrentam um duro processo de cooptação e institucionalização do movimento imposto pelos governos Lula e Dilma. Esse processo, aliado às alianças eleitorais do PT com setores fundamentalistas, que ampliaram sua bancada no Congresso Nacional de forma significativa na última década graças a sua vinculação ao Governo Lula, resultou em uma desastrosa política de flexibilização dos direitos LGBT, como ficou claro no episódio do veto da Presidenta Dilma ao Kit Escola Sem Homofobia em 2011. Enquanto isso, centenas de LGBT são assassinados todos os anos no Brasil - foram 266 só no ano passado – número que deve ser superado em 2012, segundo dados da ONG Grupo Gay da Bahia.

Outro fato não menos indigesto para a militância do PSOL nas últimas eleições foi a aparição da ecocapitalista e homofóbica Marina Silva em algumas candidaturas de destaque do partido, como a de Edmilson Rodrigues para prefeito em Belém e de Jefferson Moura para vereador no Rio de Janeiro. Marina, que durante a campanha presidencial de 2010 se recusou a segurar uma bandeira do arco-íris para demonstrar apoio à causa LGBT, está aliada a alguns dos setores mais conservadores do neopetencostalismo brasileiro. Não faz sentido que o PSOL, na condição de referência nacional na luta contra a homofobia, se vincule a uma liderança de traços tão conservadores.

Esses fatos demonstram a incompreensão de alguns setores que constroem o PSOL no que diz respeito ao papel estruturante das opressões para a exploração capitalista. Em nome do vale-tudo eleitoral, esses setores não pensam duas vezes antes de flexibilizar a pauta LGBT, colocando o partido na vala comum do fisiologismo político. O combate à homofobia, assim como o combate ao machismo e ao racismo, não pode ser tratado como um apêndice do programa partidário, tampouco como uma luta setorial cuja tarefa é de responsabilidade de um pequeno grupo de militantes de base. Ela deve ser uma discussão central para todos os militantes, como já foi diversas vezes na curta história do nosso partido. Um bom exemplo foi o protagonismo das mulheres no II Congresso em 2009 para garantir a permanência da resolução sobre a legalização do aborto e o beijo gay exibido durante o programa de TV do partido na campanha eleitoral de 2010. Nessas ocasiões, o que vimos foi um PSOL coerente com seu programa fundacional, que não tem medo de avançar na construção de um polo de esquerda verdadeiramente antiracista, antimachista e antihomofóbico.

Apesar de tudo, o resultado das eleições nos mostra que foi esse PSOL quem saiu vitorioso das urnas. Dos 49 vereadores eleitos pelo PSOL, 14 foram eleitos sem nenhuma coligação proporcional; 19 coligados com o PCB e/ou PSTU; e apenas 8 com coligações com outros partidos do leque de alianças aprovado pelo DN (aí incluídos tanto partidos do campo do governo federal, partidos de direita como o PPS e legendas de aluguel de direita, que foram aprovadas pelo DN contra nosso voto). Além disso, foram eleitos outros 7 vereadores filiados ao PSOL em coligações que incluem partidos de direita fora do leque de alianças aprovado pelo DN. Isso significa que, na prática, os melhores resultados eleitorais foram obtidos sem concessão programática, alianças oportunistas ou pragmatismo eleitoral.

Diante desta situação, e tendo em vista a necessidade de fortalecer um PSOL verdadeiramente socialista, militante e compromissado com o combate às opressões, exigimos que o Diretório Nacional do Partido, em sua próxima reunião, tome as medidas necessárias para ouvir, analisar, se posicionar e se possível expulsar os vereadores e dirigentes responsáveis por restas alianças espúrias. Pedimos ainda a todos as militantes LGBT do partido que se recusarem a coadunar com essa grave situação, que subscrevam esta carta e divulguem o conteúdo em seus estados de atuação.

Setorial LGBT do PSOL

Assinam esta carta xs militantes:

Evelyn Silva (Niterói-RJ)
Rodrigo Cruz (Campinas-SP)
Tulio Bucchioni (São Paulo-SP)
Dário Neto (São Paulo-SP)
William Santana Santos (São Paulo-SP)
Henrique Condesso Nicodemo (Poá-SP)
Gustavo Mineiro (Fortaleza-CE)
Cesar Fernandes (Curitiba-PR)
Leandro Galindo (Niterói-RJ)
Warley Martins (Rio de Janeiro-RJ)
Eduardo Gomes Pereira (São Paulo–SP)
Frederico Sosnowski (São Paulo-SP)
Bruno Zaidan (São Paulo-SP)
Vitor Gregório (São Paulo-SP)
Matheus Pacheco (Rio de Janeiro-RJ)
L. Tunã Nascimento (Niterói-RJ)

terça-feira, 20 de novembro de 2012

A guerra aos brancos e outras Histórias


A tradição de rebelião de escravos no Brasil é assunto que por vezes não sai da romantização do Quilombo de Palmares, inclusive com dramatização em folhetins televisivos de “versões” menores e açucaradas do feito do povo de Zumbi e Ganga Zumba. A compreensão do Escravo como mais que um sujeito passivo da ação opressora não é assunto corrente nem mesmo na educação formal. Exceto na academia as lutas dos negros escravos, africanos ou não e da população como um todo é colocada em situação hierárquica inferior às “grandes” lutas e revoltas.

Pra cada Revolta dos Malês temos mil Farroupilhas, para cada Sabinada, milhares de Inconfidências Mineiras. Fora da exploração parcial do feito de Palmares temos poucas menções que indiquem algum tipo de busca de uma ressignificação do passado com os dados contidos em diversas pesquisas produzidas cotidianamente nas universidades e que demolem qualquer tipo de formato monolítico do papel do escravo como vítima passiva dos senhores e do sistema.

Em “Revoltas Escravas no Brasil” de João José dos Reis temos um belo exemplo do trabalho que ajuda a reconstruir a imagem do Escravo como sujeito ativo de sua história. Ao apontar a tradição rebelde na Bahia com o listar de diversas revoltas, espontâneas ou planejadas, naquela outrora província e hoje estado, antes mesmo da eclosão da Revolta dos Malês em 1835.

Um dos exemplos é o da situação de Salvador no período da Revolta de 1807, onde diversos quilombos e terreiros nas matas das cercanias da cidade ajudavam a desenvolver uma coletividade africana relativamente autônoma alimentada pelo constante fluxo de escravos que habilmente usavam a maior liberdade que a escravidão urbana proporcionava.

Essa comunidade africana, e é importante notar que era majoritariamente africana, era resultado indireto da expansão da economia canavieira que demandou ampliação da importação de africanos para alimentar as plantações com mão de obra. A organização destes Quilombos não obedecia a lógica tradicionalmente vendida como de pequenos estados, como se fossem cópias fiéis de Palmares, mas possuíam um tipo de ocupação com poucos moradores fixos e um fluxo constante de escravos que buscavam escapar por algum tempo do cotidiano de exploração a que estavam diretamente expostos. Além disso possivelmente buscavam a convivência com outros africanos por algum tempo.

A maioria dos escravos voltavam a seus senhores, retornando à sua rotina habitual após a “folga” obtida pela fuga temporária. Os que ficavam corriam o risco de serem pegos por capitães do mato em busca de recompensas ou pelas constantes batidas policiais. Assim como os Quilombos, os Terreiros, onde as manifestações religiosas e profanas eram o mote de atividade, eram parte dessa rede instável de comunidades que surgiam, e apareciam , animadas pela contraditória facilidade com que a proximidade de Salvador permitia tanto o surgimento quanto o aparecimento da repressão.

A instabilidade não impedia no entanto que quilombos e terreiros fossem menos ativos e importantes no cotidiano de Salvador no início do Século XIX, sendo destino constante de escravos e homens livres pobres em busca de cura, convivência com suas divindades e conselhos dos sacerdotes presentes em cada local.

A repressão levada a cabo pelo Conda da Ponte, João de Saldanha da Gama Mello e Torres Guedes de Brito, contra essas comunidades, buscava, segundo suas palavras, combater a indulgência de senhores que permitiam uma vida africana que afrontava a ideia de “civilização” do então Governador e Capitão Geral da Capitania da Bahia e de parte da sociedade baiana da época. A severidade com que era feita a repressão, a prisão de lideranças não tardou a levar à comunidade negra africana de Salvador a organizar uma revolta planejada contra o Governador e sua política de repressão. A ação de repressão provocava uma reação.

O nível de organização da revolta não era pequeno, o planejamento de um primeiro levante para 28 de Maio de 1807, durante as celebrações do Corpus Christi, já dá uma boa ideia de como o entendimento das fragilidades do inimigo não era pequeno. A presença muçulmana já se fazia presente e a organização partia também de objetivos religiosos e buscava a fundação de um reino nos sertões da Bahia. Outra parte dos seus planos incluía o incêndio da cidade baixa, a casa da alfândega e uma igreja no bairro de Nazaré. Os Rebeldes eram Haussás, etnia muçulmana que foi vitima de uma guerra promovida pelo Xeque do grupo étnico Fulani, também muçulmano, contra os grupos Haussás, a quem acusava de serem pagãos e muçulmanos relapsos. Ambos os grupos viviam no Sudão Central, norte da atual Nigéria.

Essa presença e evidências do papel da religião na revolta, como a presença dos amuletos muçulmanos, o planejado incêndio da igreja de Nazaré e a fogueira de imagens, a intenção encontrada em alguns documentos da tomada de poder em Salvador com a colocação como Governador de um líder, chamado de “bispo” pelas autoridades brancas e que podia tratar-se de um imã muçulmano, a quem também desejavam incluir no cargo religioso mais alto da cidade, são elementos que indicam a junção de objetivos políticos com objetivos religiosos.

Os rebeldes organizaram-se a tal ponto de organizar em cada freguesia da cidade a presença de um “capitão” que teria a incumbência de organizar a revolta em cada localidade, essa rede permitiria um ataque na cidade que , nas palavras do Conde da Ponte, levassem ao sucesso amplo da “guerra aos Brancos” com a provável execução destes e criação em Salvador de um reino islâmico africano com junção nas mãos do Governador dos poderes políticos religiosos.

O movimento foi traído por um escravo fiel a seu senhor e as ações para a interrupção do programado levante se iniciaram no dia 22 de Maio de 1807 e acabaram por prender a maior parte dos conspiradores e levá-los a julgamento com diversas punições que incluíam a morte de alguns.

As características desta revolta, que nunca chegou a acontecer, impressionam pela similaridade com uma revolta mais famosa e mais ampla que ocorreria quase trinta anos depois, a Revolta dos Malês , assim como outras tantas rebeliões que ocorreram nessa nada tranquila província da então colônia. A presença da ideologia e de uma liderança religiosa, da concentração em torno de um grupo étnico que planejava ou não associar-se a outros, são elementos comuns nas rebeliões posteriores e especialmente na mais famosa delas.

Outro elemento importante é notar que as rebeliões, que já ocorriam frequentemente, concorrem tanto no imaginário escravo da época como na política pendular de repressão dura ou amena, negociada, a partir do contexto que incluía a independência do Haiti a partir de uma revolta escrava de grandes proporções e que havia ocorrido entre 1791 e 1804, com vitória da população negra.

Após a independência haitiana, a política de concentração de escravos nas grandes cidades do Brasil tornava-se uma grande “dor de cabeça” para os governadores e na Bahia especialmente um fator de grande preocupação. A política de repressão às rebeliões e de administração dessa população negra variava de acordo com o governador e tinham por objetivo administrar também a relação entre estas rebeliões e um possível “novo Haiti” em terras brasileiras. A possibilidade de uma revolta de monta assustava as elites coloniais, não só brasileira diga-se de passagem.

As revoltas escravas não eram raras, muito pelo contrário e não eram apenas ações isoladas, rebeldias desorganizadas e explosivas, muitas vezes possuíam organização e objetivos claros. Os rebeldes e a população africana não estava isolada, sem conhecimento do cotidiano, sabiam das histórias de escravidão e resistência que ocorriam no mundo. Sabiam de seu papel, buscavam resistir para conquistar seu espaço ou negociar para obterem ganhos. Sabiam do Haiti, sabiam da repressão, sabiam se defender, sabiam atacar.

As revoltas escravas não forma poucas, nem apenas produzidas para fundação de reinos ou repúblicas africanas, algumas vezes apenas para reduzirem castigos ou ganharem dias de folga, outras vezes com um enorme grau de organização, planos definidos e uma busca de eficiência invejável, mas todas todas elas tinham pro protagonistas os negros, os escravos que são continuadamente invisibilizados na história oficial, ocultos para que seus descendentes nãos e vejam como eles, atores principais de sua história.



quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A bestializada resistência de um povo

Fruto de um golpe militar, a República sempre teve em sua fundação a lógica de ter sido feita em cima de cavalos, com os punhos de renda de uma elite política.

A ideia de um governo sem povo transitava claramente na lógica positivista que reproduzia um simulacro de platonismo na ideia de uma ala iluminada da sociedade, uma ala intelectualizada e civilizada,  como "naturalmente" líder  da massa insalubre, negra, patética, bárbara.

A esta gente cabia ser liderada e acatar as decisões daqueles que embebidos dos ares e águas da Europa, tradutores de um positivismo higienista, seriam os naturais condutores da imensa nação mulata nos rumos de uma civilização branca e culturalmente europeia.

Faltou combinar com os russos, diria Mané.

Já nos primeiros três aninhos da recém promulgada república Canudos aparece como um fantasma pra lá de complicado ante olhos republicanos que achavam que se impõe um estado de cima pra baixo assim na mão grande.

Sertanejos liderados pro Antonio Conselheiro demonstravam que negros, mulatos, cafuzos, eram um pouco mais que frágeis vítimas da barbárie, sendo inteligentes resistentes às forças do coronelato do interior da Bahia e a um exército noviço que logo de início perde um de seus maiores ídolos à época.

Canudos demonstrou com quantos paus se faz uma resistência popular até o massacre final levado a cabo com extrema violência e crueldade por um exército apavorado.  Pavor este que durou até o alagamento da região pela criação do açude de Cocorobó (E acredito que ainda dure).

De 1893 até o massacre de 1897, Canudos escreveu uma sangrenta página na história do país e do Exército Brasileiro, onde a palavra resistência não pode mais se apagada. A inspiração de Canudos fez inclusive que o Exército Brasileiro centrasse prodigiosos esforços na ocupação da região do vilarejo para evitar que a Coluna Prestes ali passasse em sua grande marcha nordeste a dentro.

A resistência e o símbolo de Canudos fazia com que o Exército temesse que Prestes e sua coluna dele se alimentassem e conquistassem fôlego extra pra seu movimento revolucionário.

Os Bestializados de 1889 na verdade nem foram tão bestializados assim (como inclusive aponta José Murilo de Carvalho, autor do livro homônimo), pois resistiam aqui na luta contra os atropelos da recente república na implantação da política higienista com especulação imobiliária de remoções de pobres com demolição de cortiços, de movimentação sutil pelo branqueamento da população, de repressão feroz das "classes perigosas" (Já aquela época feitas de gente pobre e preta) e de pancada em cima do nascente movimento operário.

Já nos primeiros anos da república essa gente pobre e preta tida como perigosa saia de suas casas pra tornar difícil a vida dos governos de uma elite platônica doida pra tornar europeu um país pobre, preto, índio e com muito mais raça do que queria a elite branca lotada nos palácios.

Resistindo às vacinas, antes mesmo da revolta, à desocupação de cortiços, à criminalização da vadiagem, do samba, da capoeira, essa bestializada malta criava as raízes de uma cultura brasileira que tem mais de "Zumbi" que de "Pai João".

Foi essa gente que em 1904 resistiu à uma vacinação compulsória que trazia consigo um amplo arco de testes com métodos de vacinação que incluía a variolização e a morte como modus operandi. Foi essa gente que quebrou meia capital resistindo à uma política que tinha resistência inclusive entre as elites e à medicina da época e que também sabia que por trás do desejo de por um fim nas doenças havia um desejo de por um fim na ocupação de áreas valorizadas do centro da nova cidade aburguesada daquela gente cuja tez não condizia com a cor preferida da Belle Epoque.

Essa gente também resistiu bravamente aos desmandos  dos governos de Paraná e Santa Catarina e de 1912 a 1916  fez na guerra do contestado um movimento de resistência de uma massa de expulsos da terra para mais uma ferrovia do onipresente Percival Farquhar, movimento que se juntou ao monge José Maria e buscou uma saída coletiva para a miséria e o desalojo.

Claro que para a república e sua federação pobre quando se junta é motivo pra tomar bala. E assim foi, mas não sem resistência. E com isso nas mãos da jovem república repousa o sangue de seu próprio povo.

E durante toda a república os Bestializados resistiram a todo um conjunto de governos que se formaram em nome de uma política de cima pra baixo, alimentada de sangue preto e pobre, reprimido nos seus terreiros, sambas, festas, greves. De Deodoro a Dilma um sem número de assassinatos de operários, índios, mulheres, camponeses mancha as mãos de uma república que bestializa seu povo não na sua alienação, mas na sua transformação pela barbárie naquele que só consome, consumido pela falta de amplos direitos.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Eu quero ver o Tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar...

Uma das coisas que me perturbam o muquifo que é minha cabeça é a lógica da virtude atávica, inerente ao líder, à figura pública, à deputados, senadores.

Há uma tendência nos socialistas de construírem no entorno das lideranças a automática lógica de que é preciso confiar nelas em todas as suas ações.

O problema ocorre não só na base, ocorre também entre lideranças que se enxergam como detentoras da percepção formal e informalmente mais fodona da face da terra diante de meros mortais, que com suas "fraldas mijadas" enchem o saco, limitados que são na sua posição de pavimento do desfile dos grandes homens.

O entendimento da virtude inerente aos que alcançam uma posição de destaque na sociedade é detentor inclusive de um leve cheiro platônico que entende que ao alcançar determinadas posições sociais os homens enxergam longe, entendem melhor sutilezas do drama cotidiano da vida, sacam a dança melhor que a rapaziada que passeia no baixo calão do cotidiano, que dança outro tango, que pega o busão.

Esse entendimento tem um leve sabor de reprodução da hierarquização que a sociedade nos dá a um preço bastante absurdo.

Esse tipo de "detalhe" é facilmente perceptível nas defesas incontestes do grupo de Macapá por parte das figuras públicas do PSOL, que entendem que qualquer resistência à má explicada ação de "apoio" do DEM em Macapá vai de "má vontade" a "Setores intelectualizados que vivem em ambiente onde as instituições funcionam", passeando por "fraldas mijadas" e repetições ad infinitum de uma "distorção ferrenha" da imprensa que sempre deturpa as entrevistas da dupla, o que não parece ocorrer com Marcelo Freixo e Chico Alencar que quando são entrevistados dão menos interpretações dúbias, quando dão, que a dupla Macapaense.

O pedido de "confiança" para com a  dupla do Amapá, abatido a tiros pelas desastradas declarações de ambos à imprensa, é uma constante.

Os pedidos são insistentes mesmo com atitudes das dupla que vão desde vídeos, onde "empolgado pelo apoio" o Senador afirma que a relação com o DEM é pra governar, até afirmar nos jornais que o PSOL deve aceitar dinheiro de bancos e empreiteiras, o que é negado em resolução congressual. Mesmo que essas atitudes indiquem que há no mínimo um problema da dupla de manter posições que assumem e  permitirem que essa confiança nasça e cresça.

Embutido no pedido de confiança e na ação de desprezo à inteligência alheia há a noção que a cúpula dirigente, parlamentar, tem um grau acima da média de percepção do real que nosotros que da base devemos ter todos entre dez e quinze anos de idade mental, pouca formação intelectual e zero de experiência política, ao menos segundo se tira do comportamento de nossas lideranças.

Sé que esqueceram de combinar com os russos, porque além de muitos macacos velhos há também muita gente com formação intelectual, percepção embasada da realidade, experiência cotidiana nas lutas e ninguém é tão otário a ponto de não perceber que quem apresenta duas faces em geral tá escondendo uma terceira, né não?

A ideia da ausência de inteligência da base, aliada a uma virtude atávica das direções, é parte do construto mitológico de uma esquerda que é pouco afeita ao debate e a diversidade, além de entender que a função de uma base militante é menos interromper o jogo das cúpulas e mais levantar ídolos nos ombros até erguê-los aos céus dos cargos executivos.

O entendimento que a direção "sabe o que faz" e "precisa de voto de confiança" ignora um sem número de importantíssimas questões, pra mim a  principal é que o poder da burocracia encanta, e  quanto mais alto maior o encanto por um estilo de vida, pelas pessoas envolvidas na dança dos salões atapetados, que acaba tirando o gosto pela dura e cruel luta cotidiana.

E ai tome-lhe besteira comprada como solução, tome-lhe o caminho mais curto ao invés da construção segura de um alicerce para o alcance de postos mais altos, tome-lhe misturar discussão de ampliação de aliança com a absorção da aliança com o DEM, tida como apoio, como fundamental.

E tome-lhe defesa do indefensável, desqualificação de interlocutores e inversão de "culpas" quando se fala de deslealdade na reação a vídeos com um "empolgado" discurso dizendo que o DEM participaria do governo, como "exposição do partido". 

O discurso que diz que o DEM participaria de um governo do socialista PSOL não expõe o partido segundo os iluminados, mas a reação sim. 

O discurso que expõe o PSOL a uma aliança feita dizendo que o DEM participaria do governo não expõe o partido, a reação sim, esta expõe, esta reação deveria ser interna, deveria ser oculta, enquanto um ato público de aliança com o DEM é feito às claras, à disposição de qualquer detrator do Partido Socialismo e Liberdade.

Para parte da direção do partido o que expõe o partido é quem não acha que ocupar uma prefeitura, que tê-la é mais importante do que construir uma política estruturada que ocupa um espaço no imaginário da população.

Mais vale para estes setores uma prefeitura em Macapá que uma oposição estruturada por uma politica, discurso, postura à esquerda, como foi feito no Rio de Janeiro, Fortaleza e Salvador, entre outros cantos do país.

Mais vale para estes setores usarem a máquina da executiva partidária para atacar a campanha em São Paulo porque o presidente do partido em sua base foi derrotado e não foi indicado como candidato pelo partido.

Mais vale para estes setores desmentirem o que um vídeo gravado diz, invadirem o espaço institucional do Acre pra desqualificarem a decisão coletiva do diretório de Rio Branco e apoiarem o candidato do PT à revelia do partido.  

A confiança que pedem pra quem comete todos estes "equívocos" é na verdade uma carta branca, um cheque em branco. Minimizam a deslealdade de um senador da república para com um diretório inteiro do partido no Acre, mas são ferozes no apontamento como desleal de todo o processo de resistência à abjeta aproximação com a direita no Amapá.

Há duas deslealdades, há mundos diferentes, há visões diferentes com certeza.

Uma delas diz que só Macapá tem um realidade objetiva onde as instituições não funcionam e só lá os militantes socialistas enfrentam a violência e o descaso dos governos, justiça,etc. 

No Rio de Janeiro onde morreu a juíza Patrícia Acióli  onde militantes apanham  de milicianos na Zona Oeste e onde mulheres perdem a guarda de filhos abusados pelo pai porque sua denuncia é desqualificada por juiz e promotor? Ah, o Rio é um paraíso onde militam setores intelectualizados que são incapazes de entender a dinâmica singular da barbárie da "Terra de Malrboro" que é Macapá!

Na junção de uma lógica platônica de superioridade moral da direção partidária e dos parlamentares com um etnocentrismo preconceituoso que usa a "singularidade" pra justificar ações bizarras mora uma condescendência que acompanha o PSOL e acabou com milicianos filiados na cidade do Rio de Janeiro. 

Na "singularização" de Macapá age-se como se capitais fossem "rincões" e em capitais maiores e "civilizadas" não houvesse uma barbárie antiga, próxima e com instituições que funcionam sim, mas pra uma elite que em geral confia no DEM, o mesmo aliado de Macapá. 

Nesse contexto de pedido de que os "setores intelectualizados que lutam em cenários onde as instituições funcionam" e os que andam de "fraldas mijadas para ampliar seu circulo de relações" deem cheques em branco para uma dupla que tem uma imensa dificuldade de comprovar que são distorções o que parece posição política (Que aliás os acompanha desde 2010), eu prefiro esperar pra ver o Tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar.